“Há muita gente no País que está zangada” quando “estamos a um mês das eleições”, constata Luís Marques Mendes, ex-líder do PSD, advogado e comentador televisivo. “Há pessoas zangadas com os políticos, com o Governo, com a oposição, com a forma de fazer política, com a falta de oportunidades que lhes foram prometidas e não foram dadas – e se não compreendermos porquê a situação irá de má a pior“, avisa. Além de “compreensão”, os cidadãos precisam de sentir “ambição” e “esperança“, porque essa é, para Marques Mendes, a única forma de “combater os populismos“.

O discurso do ex-líder do PSD foi feito esta quinta-feira numa conferência organizada pela consultora imobiliária Century 21 onde foi apresentado um estudo sobre a evolução das preferências habitacionais dos portugueses e sobre o que deve ser feito para atenuar o problema no acesso à habitação, sobretudo pelos jovens. Para Marques Mendes, a habitação é um “setor-chave” que está no centro da insatisfação de muitas pessoas – e de muitos eleitores. “Se há setor que torna muita gente zangada, sobretudo jovens, é a habitação ou a falta dela”, diz Marques Mendes.

Sublinhando não ser especialista no tema da habitação, o comentador salientou, contudo, que a “longuíssima experiência governativa” que acumulou lhe permite ter uma certeza: “Se, no futuro, tudo no domínio da habitação continuar a ser tratado como tem vindo a ser tratado, o pesadelo não vai acabar, a situação não se vai resolver“.

Para “resolver a situação” é necessário políticas que precisam de duas coisas, diz Marques Mendes: tempo e estabilidade. “Não há soluções imediatas e não há soluções fáceis. Uma política sólida precisa de passar por vários governos, até porque temos de habituar-nos à ideia de que vamos passar a ter governos de duração mais curta do que os mandatos de quatro anos”, diz o comentador, pedindo que seja feito um “pacto de regime” para lançar medidas “despolitizadas” e sem “ilusões” que melhorem a situação.

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“Não pode haver uma política assim e, dois anos depois, assado”, avisa Marques Mendes, no discurso de encerramento da conferência. “Enquanto não houver algo desta natureza, um pacto de regime, bem definido, com metas, calendários, quantidades… Sem isso tudo fica mais difícil”, nota, acrescentando que “este é um setor que está demasiado politizado” e a “politização só cria ruído“.

Arrendamento compulsivo causa “urticária” a uns e, para outros, “peca por tardio”. E será constitucional?

Um dos exemplos que Marques Mendes deu sobre como “a politização só cria ruído” foi o arrendamento coercivo de casas consideradas vazias, uma das medidas mais polémicas do chamado pacote Mais Habitação, apresentado pela ministra Marina Gonçalves e pelo primeiro-ministro António Costa. Essa proposta foi, para Marques Mendes, “um pontapé na estratégia” – “é preciso mais pragmatismo para resolver os problemas”.

“Temos um modelo de governação que está esgotado”

Mas o problema está a montante, diz o comentador. Para quê, ao fim de vários anos de governação, passar a habitação de uma Secretaria de Estado para um Ministério – “isso resolve alguma coisa? “Quando um político acha que resolve um problema criando uma nova estrutura, é um péssimo político“, considera o ex-líder do PSD.

Esse ponto está relacionado com outro, também salientado por Marques Mendes: a falta de coordenação que os governos, de um modo geral, sofrem e que foi patente na governação de António Costa, diz. “Temos um modelo de governação que está esgotado. Temos um conjunto de ministros em que cada um trabalha para o seu lado – encontram-se vagamente à quinta-feira, mas nunca há tempo para parar e pensar no que se faz“, diz o ex-líder do PSD, considerando que a política de habitação é um exemplo paradigmático disto porque “envolve os ministérios da Habitação, das Finanças, do Ambiente, do Planeamento [pela gestão dos fundos europeus, que depois passou para a Presidência], etc.”

Marques Mendes sugere que “os ministros, em vez de passarem o tempo a ocupar-se de funções que deviam ser de diretores-gerais, deviam ter conselhos de ministros temáticos, em que todo o Governo se reúne para apresentar medidas e, sobretudo, avaliá-las passado algum tempo e reajustá-las se for necessário – caso contrário, apresentar medidas e não as avaliar “é tempo perdido”.

Como esta “articulação e coordenação” não existe, na opinião do ex-líder do PSD, então a única homogeneização das linhas orientadoras da política fica nas mãos de uma pessoa apenas: o primeiro-ministro, o que não é a situação ideal, afirma Marques Mendes.

“Os populismos combatem-se gerando esperança e gerando resultados”

A cerca de um mês das eleições legislativas, Marques Mendes defendeu que um dos “dramas” que muitas pessoas vivem, sobretudo jovens, é não ter acesso a habitação com a qualidade e localização que ambicionam, porque isso não tem correspondência com os seus rendimentos. Esse é um fator, aliás, que contribui para levar “uma grande quantidade de jovens” a emigrar, sublinhou o ex-líder do PSD.

Precisamos de gerar esperança nas pessoas“, porque “os populismos combatem-se pela esperança” – “faz-se pela palavra mas sobretudo pela ação, faz-se pela expectativa mas sobretudo por resultados”, afirmou Marques Mendes, concluindo que no final da noite de 10 de março, dia das eleições, “uns vão ficar muito felizes e outros menos felizes. Uns mais zangados outros menos. Mas no dia seguinte todos vamos precisar uns dos outros”.

As declarações foram feitas depois de o presidente da consultora Century 21, Ricardo Sousa, ter apresentado um estudo sobre o problema do acesso a habitação em Portugal. Uma das soluções propostas pelo responsável é a aposta na mobilidade urbana para se alargar as zonas onde as pessoas podem viver, com acesso fácil aos centros urbanos (as outras soluções são a simplificação dos licenciamentos e a industrialização da construção).

No mesmo evento, a ex-líder do Bloco de Esquerda defendeu que o “direito à propriedade não pode ser obstáculo ao direito à habitação“. A ex-líder do Bloco de Esquerda (BE) defendeu, num debate com Miguel Morgado, antigo deputado pelo PSD, que deve haver “regras fiscais mais apertadas” para evitar que as casas em Portugal sejam usadas como instrumentos de especulação financeira, designadamente por estrangeiros incluindo “oligarcas russos ligados a Putin”.

“Direito à propriedade não pode ser obstáculo ao direito à habitação”, defende Catarina Martins