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“Para quem vou voltar? Quem vai chamar-me pai? Quem vai chamar-me querido? O meu sonho foi destruído em Gaza”. O grito de desespero é de um cidadão palestiniano, que estava a 80 quilómetros de distância quando soube que 103 familiares tinham morrido no território bombardeado por Israel. Não teve tempo para se despedir, mas apenas para responder ao último pedido feito pela mulher.

Quando soaram as sirenes em Israel e as imagens do ataque de 7 de outubro encheram as notícias, Ahmad al-Ghuferi estava a trabalhar na construção de um edifício em Telavive. Nesse momento, só pensou em regressar para perto da mulher e das três filhas menores, que deixara para trás na cidade de Gaza, mas o bloqueio das forças israelitas impediu-o.

Assim sendo, arranjou forma de estar perto, mesmo a vários quilómetros de distância. Durante dois meses, falou com elas todos os dias à mesma hora, quando os telefonemas eram permitidos. E a última chamada acabou mesmo por ocupar os últimos segundos da vida da mulher e das filhas, Tala, Lana e Najla.

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“Ela sabia que ia morrer”, disse o palestiniano à BBC. “Pediu-me que a perdoasse por algo de mau que me tivesse feito. Disse-lhe que não precisava de dizer isso. E essa foi a nossa última chamada”, confessou.

A 8 de dezembro de 2023, Ahmad al-Ghuferi estava na cidade de Jericó, na Cisjordânia ocupada, quando soube que um bombardeamento tinha atingido a casa do tio, um prédio de quatro andares, matando também a mãe, quatro dos irmãos e as suas respetivas famílias, assim como “dezenas de tias, tios e primos”. No total, morreram 103 familiares.

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Sem saber o que tinha acontecido, o palestiniano foi recolhendo alguns testemunhos de familiares e vizinhos sobreviventes do ataque. Segundo o canal britânico, a mãe e filhas de Ahmad al-Ghuferi foram inicialmente informadas de que um míssil tinha atingido a entrada da casa. “Por isso, correram para casa do meu tio, que era ali perto. Cerca de 15 minutos depois, um míssil atingiu o prédio.”

“Já tinha havido ataques a quatro casas perto da nossa”, recordou um dos familiares do palestiniano, Hamid al-Ghuferi, à BBC. “Estavam a atingir uma casa a cada dez minutos.”

“Estavam lá 110 pessoas da família Ghuferi – os nossos filhos e familiares. Toda a gente menos uma mão cheia de pessoas foi morta”, disse o familiar, acrescentando que o familiar mais velho a ser morto foi uma avó de 98 anos e o mais novo, um recém-nascido com apenas nove dias.

Outro familiar do palestiniano, que também se chama Ahmad, garantiu ainda que “não houve qualquer aviso”. “Se as pessoas já não tivessem fugido da zona, acho que centenas de pessoas tinham morrido”, disse, acrescentando que “a zona está totalmente diferente agora”. “Havia um parque de estacionamento, um local para armazenamento de águas, três casas e uma mansão. O ataque destruiu uma zona residencial inteira”, acrescentou.

Após o ataque, as pessoas concentraram-se em retirar os familiares presos nos escombros. Mas, segundo o primo do palestiniano, essa tarefa tornou-se ainda mais difícil devido aos obstáculos impostos pelas forças israelitas. “Os aviões estavam a pairar no céu e os helicópteros estavam a disparar contra nós enquanto tentávamos retirá-los“, disse. 

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Mais de dois meses depois, há ainda muitos corpos para retirar debaixo dos escombros, tendo a família inclusivamente alugado uma pequena escavadora, o que permitiu recuperar quatro cadáveres logo no primeiro dia.

Já Ahmad, como ainda não foi visitar as campas temporárias das filhas e da mulher, continua a falar delas no presente: “As minhas filhas são pássaros pequeninos para mim. Sinto que estou a sonhar. Ainda não acredito que isto nos aconteceu”, confessou.

Ainda assim, preferiu apagar todas as fotografias delas do telemóvel, para não estar sempre a pensar no que lhes aconteceu. “O que fiz para ser privado da minha mãe, da minha mulher, dos meus filhos e dos meus irmãos? Eram todos civis.”

A BBC questionou as Forças de Defesa Israelitas (IDF, na sigla inglesa) sobre este ataque, tendo estas dito que não tinham qualquer conhecimento, mas que tomaram “precauções viáveis para mitigar os danos aos civis” na sua guerra contra o Hamas.

Nos dias anteriores ao ataque, tinha havido vários confrontos entre as forças israelitas e combatentes do Hamas na zona de Shejaiyya, perto da casa da família de al-Ghueri, tendo as IDF dito inclusivamente que tinham “identificado um certo número de terroristas armados com mísseis anti-tanque” e que tinham enviado um helicóptero para os atacar.

A zona de Zeitoun, onde ficava a casa da família, está agora a ser alvo de novas operações das IDF na cidade de Gaza, recorda a BBC.