Um rapto, um homicídio e um linchamento — esta é a crónica da quinta-feira santa na cidade de Taxco, no México, onde os residentes da localidade lincharam uma mulher suspeita de estar envolvida no rapto e assassinato de uma menina de oito anos.

Camila Gómez Ortega, de oito anos, foi vista pela última vez na tarde de quarta-feira, a caminho da casa da sua amiga Lis e da mãe, Ana Rosa Aguilar Díaz. A mãe da menina, Margarita Ortega, foi buscá-la ao final do dia, mas Aguilar Díaz — amiga e vizinha da família — disse que Camila nunca tinha chegado lá a casa. Algumas horas depois, foi exigido à família o pagamento de 250 mil pesos (cerca de 14 mil euros) pela libertação. No dia seguinte, o corpo da criança foi encontrado numa autoestrada.

De acordo com o periódico mexicano El Universal, uma das moradoras da zona, amiga da mãe de Camila, disponibilizou as imagens das câmaras de segurança da sua casa — junto à residência de Ana Aguilar Díaz. Ao contrário do alegado por esta última, o vídeo mostra Camila a entrar em casa da amiga, como combinado.

Num outro vídeo a que a família de Camila teve acesso, vêm-se Ana Aguilar Diaz e um homem a levar um saco com roupa e um saco de plástico preto para dentro de um táxi — onde se acredita estar o corpo da criança.

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No mesmo dia, Margarita Ortega dirigiu-se às autoridades para denunciar o desaparecimento da menina. Em poucas horas, o Ministério Público identificou o taxista que colaborou com Ana Aguilar Díaz, que os levou até ao corpo da criança.

Desde a noite de quarta-feira — o dia em que Camila desapareceu — que os residentes começaram a cercar a casa de Ana Aguilar Díaz, para que esta não pudesse fugir.  Na quinta-feira, quando a morte da criança foi confirmada, os moradores bloquearam a rua onde vivia a mulher e expulsaram-na a pontapés de casa, juntamente com dois dos seus quatro filhos, exigindo a sua detenção. A polícia levou os três familiares para dentro dos carros-patrulha, mas a multidão capotou os carros e retirou os dois homens e a mulher lá de dentro.

Os manifestantes espancaram brutalmente os suspeitos do rapto e homicídio de Camila Gómez Ortega. As imagens de vídeo mostram cenas violentas de dezenas de pessoas a pontapear e a esmurrar a mulher, que foi deixada apenas com as calças que vestia. Ana Aguilar Díaz foi abandonada inerte na rua e a polícia, que assistiu à insurreição popular, levou a suspeita — cuja morte já foi entretanto confirmada pelas autoridades de Guerrero — e os dois homens feridos para o hospital.

O funeral de Camila Gómez Ortega aconteceu na sexta-feira e reuniu centenas de pessoas, que traziam flores e cartazes onde se lia “Justiça para Camila”. No domingo, a mãe da menina de oito anos lamentou o homicídio de Ana Aguilar Díaz: preferia que estivesse viva para que “apodrecesse na prisão”. Porém, Margarita Ortega justifica o sucedido na percepção da comunidade de que as autoridades não reagem contra a violência.

Segundo citou a Associated Press  (AP), uma das participantes no protesto considerou a morte e o ferimento grave dos suspeitos um “resultado do mau governo” do México. “Esta não é a primeira vez que uma coisa assim acontece”, disse, referindo-se ao homicídio da criança de oito anos, “mas esta é a primeira vez que as pessoas fizeram alguma coisa”.

Duas pessoas detidas pelo crime de femicídio

No domingo, o procurador de Guerrero avançou que um homem e um menor foram presos pelo crime de femicídio — um crime que tipifica o homicídio de mulheres, motivado por misoginia ou outros indícios sexistas.

Na rede social X (antigo Twitter), Evelyn Salgado, a governadora do estado de Guerrero, declarou a sua “solidariedade com a família de Camila”. “Este governo não vai permitir a impunidade e não descansará até chegar às últimas consequências”, escreveu.

Ainda nesse dia, Salgado noticiou na mesma rede social a detenção dos dois homens indiciados pelo crime de femicídio, partilhando o comunicado de imprensa das autoridades policiais do estado Mexicano. Na nota, lê-se o compromisso das autoridades “com os guerrerenses na procura do acesso à justiça e no combate à impunidade”.

A percepção generalizada da impunidade é precisamente um dos motivos na base dos linchamentos, conclui um estudo da Universidade de Autónoma do México, que dá conta de 1.423 destes atos no país, entre 2016 e 2022, refere o jornal britânico The Telegraph.

Aliás, Mario Figueroa, o autarca de Taxco, declarou partilhar a revolta dos habitantes com o assassinato da menina de oito anos. Num comunicado oficial, entretanto partilhado na rede social Facebook, acrescentou que o linchamento da principal suspeita se deveu, em parte, ao menor número de polícia municipal, que apenas conta com 40 agentes, muitos deles destacados para acompanhar nesse dia uma procissão da semana santa.

“Estamos a passar por uma crise de insegurança, mas já a estamos a trabalhar [para resolver  o problema]”, disse Figueroa na sequência do homicídio da menina e da agressão aos três suspeitos.

O autarca referia-se à crise que assolou a cidade em janeiro, pela ação dos grupos criminosos “La Familia Michoacana” e “Los Tlacos”, que levou à paralisação de serviços públicos. Ainda este ano, foram registados ataques a agentes policiais,  jornalistas e funcionários municipais e um ataque a Figueroa.

O autarca afirmou que a situação estava normalizada. “O país está em chamas, mas não culpamos os outros, vamos assumir a responsabilidade”, disse Figueroa, que apela a um maior apoio do governo em questões de segurança.