Este sábado, dia 6 de abril, duas manifestações saem à rua no Porto: uma antifascista, que arrancou às 15h30, e outra anti-imigração, marcada para as 17h. A manifestação “Contra o Fascismo, Mais e Melhor Habitação”, foi convocada por vários coletivos; entre eles, o Humans Before Borders, SOS Racismo, e a Rede 8M. Já a manifestação “Menos Imigração, Mais Habitação”, foi convocada pelo grupo de extrema-direita 1143, que se define como uma “organização patriótica, aclubistica e apartidária” — e acontece dois meses depois de uma manifestação semelhante, em Lisboa, que gerou grandes receios pela segurança entre a comunidade muçulmana da capital.

Ambas as manifestações deste sábado receberam “luz verde” da Polícia de Segurança Pública. Ao Observador, a PSP do Porto garantiu que acompanhará estes protestos, “de modo a garantir a segurança, ordem e tranquilidade pública”.

A cidade de Invicta está atenta. A estação de metro dos Aliados, por exemplo, estará encerrada entre as 14h30 e as 19h, por “motivos de segurança”.

Dentro da Mesquita Central, tenta-se que os protestos não sejam uma preocupação, em particular a manifestação convocada pela extrema-direita. Mahmoud Soares, professor de filosofia e responsável pelo Centro Cultural Islâmico do Porto, conta que a discriminação tem aumentado. Ainda assim, sugere, não há motivos para alarme. “Para já, as coisas estão controladas, não vemos perigo” nessa concentração de militantes de grupos de extrema-direita que têm difundido discursos de ódio e de rejeição da comunidade de imigrantes em Portugal (e, em alguns casos, de forma muito específica em relação aos imigrantes oriundos do Indopacífico). “Verificamos que, no período antes das eleições, houve alguns episódios pontuais, mas nos últimos três, quatro anos, [a discriminação] tem vindo a aumentar, e nós temos de saber conviver com isso”.

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Receios com a manifestação? “Vamos, normalmente, fazer aquilo que é a nossa atividade religiosa”

A nível de precauções, o professor afirma que a comunidade está em constante diálogo com as autoridades, e que os membros do Centro Cultural Islâmico são aconselhados a protegerem-se.

O professor espera que este seja um dia “normal”, mesmo com a manifestação anti-imigração a acontecer no centro da cidade. “Nós apenas advertimos a nossa comunidade para que não entrem em provocações e para que não falem com pessoas desconhecidas, sobretudo sobre questões de imigração”, diz Mahmoud Soares.

O Observador questionou a PSP do Porto se serão tomadas medidas de reforço de segurança perto das comunidades de imigrantes na cidade, ao qual não obteve resposta.

Em Lisboa, no dia 3 de fevereiro, o grupo 1143 avançou com uma manifestação “contra a islamização da Europa”. O protesto foi considerado de “alto risco” por passar no Martim Moniz e, por isso, recebeu parecer negativo da PSP, uma posição que foi depois acolhida pela autarquia liderada por Carlos Moedas — e acabou validada pelo tribunal. O grupo que esteve na origem da convocatória, liderado por Mário Machado, acabou por alterar o local de protesto para o Largo de Camões, com o destino à Câmara de Lisboa.

Nas ruas da capital, a marcha foi recebida com resistência. Ao seu encontro, foram pessoas que gritaram palavras de ordem como “Não passarão” e “Fascismo Nunca mais”. Houve também quem tentasse impedir a marcha.

Manifestação contra “islamização da Europa”, organizada pelo grupo 1143. Lisboa, 3 de fevereiro de 2024. DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

No Porto, a PSP estará presente em ambas as manifestações, e elas não se vão cruzar em marcha, apesar de, a certa altura, estarem a 350 metros de distância uma da outra. A manifestação “Contra o Fascismo, Mais e Melhor Habitação” começou cerca das 15h30, na Praça dos Poveiros, e termina na Praça da Batalha, onde a organização afirma que haverá música e intervenções artísticas. A manifestação “Menos Imigração, Mais Habitação”, deverá começar às 17h na Praça D. João I e tem, no fundo, o mesmo destino que teve na capital: a Câmara Municipal.

No início, estava previsto o protesto anti-imigração a começar às 18h. Ao Observador, o líder do grupo de extrema-direita, Mário Machado, diz que a hora foi antecipada por uma “questão de logística”, começando, assim, às 17h.

O percurso também foi alterado, de forma a partir da Praça D. João I, seguindo depois pela Rua Sá da Bandeira e subindo a Avenida dos Aliados até à Câmara Municipal. (O percurso anterior terminava no local onde se iniciava, ficando então a 350 metros da outra manifestação). Em declarações ao Observador, Mário Machado explica que esta mudança deve-se a um pedido da PSP, de forma a evitar um percurso com obras e a conseguir manter vias livres para ambulâncias.

Mas há quem também conte outra versão: Catarina Barbosa, da organização da manifestação antifascista, garante que a PSP informou-a de que a razão por detrás do pedido de alteração do percurso são questões de segurança, principalmente de grupos vulneráveis como a comunidade LGBTQ+ — ainda assim, nenhuma referência foi feita em relação às comunidades imigrantes.

Contudo, Catarina Barbosa garante que a PSP lhe deu outra razão para a alteração do percurso. Segundo a ativista, membro da organização da manifestação antifascista, a PSP informou-a que se deve a motivos de segurança, principalmente de grupos vulneráveis como a comunidade LGBTQ+. Ainda assim, nenhuma referência foi feita em relação à proteção das comunidades imigrantes.

Porém, a Mesquita Central continuará de portas abertas. “Vamos, normalmente, fazer aquilo que é a nossa atividade religiosa. Portanto, manter as nossas orações, pedir a Deus que nos ajude nesse dia, para que as coisas não se tornem violentas. Não podemos fazer mais nada.” “Estamos num país livre, as pessoas são livres de se manifestarem, dentro daquilo que são as regras”, acrescenta.

O professor acrescenta que esta não é uma realidade exclusiva a Portugal: “Não podemos negar que isso é uma atividade crescente não só em Portugal mas também na Europa. Não estamos afastados desse panorama. Mas fazemos a nossa atividade normal.”

“Só temos de aplaudir” o apoio de Rui Moreira à comunidade muçulmana

Ainda que a política fique à porta da Mesquita Central, o professor teceu elogios ao autarca do Porto. Em março deste ano, a comunidade e a Câmara Municipal chegaram a um acordo de concessão de um talhão islâmico no cemitério do Prado do Repouso, no Porto. Mahmoud Soares diz que Rui Moreira tem-se destacado dos autarcas anteriores no que toca à abertura com a comunidade.

“Esta tentativa de nós termos um cemitério e de nós dialogarmos com a autarquia é feita há cerca de 20 anos”, diz o professor, “mas de facto, o Dr. Rui Moreira, tem discretamente assumido esta abertura perante a comunidade, que para nós é bastante importante. E por isso só temos de aplaudir o que ele tem feito pela comunidade – e agradecer”, afirma.

Mahmoud Soares explica que era importante para a comunidade a concessão de um espaço próprio onde as pessoas pudessem enterrar os seus entes queridos de acordo com as tradições islâmicas, dentro da lei portuguesa.

Estante com livros na sala de oração para homens. Inês Cortez/Observador

De estudar a trabalhar, à vida em casa: o que muda durante o Ramadão

Passamos a tarde na mesquita com a comunidade. À entrada deste local de culto, há um pequeno hall de entrada, de chão e paredes brancas, onde as pessoas tiram os sapatos. Ao entrar, somos recebidos por um cheiro de perfume que paira no ar.

Caminhamos pela alcatifa às diferentes divisões. O Centro Cultural Islâmico do Porto tem dois andares. No de cima, fica o espaço de oração reservado para os homens; no de baixo, o espaço de oração para as mulheres, uma sala para aulas sobre a religião, espaços para a lavagem dos pés, e uma estante onde as pessoas podem guardar os seus pertences.

Quando chegamos, o relógio marcava as 14h30. Uma oração tinha terminado e a próxima seria às 17h. Mahmoud Soares explica que é normal as pessoas ficarem na Mesquita entre as orações durante o Ramadão, até chegar a hora de quebrar o jejum. “Vão ficando, fazendo as suas orações em público ou individualmente”.

Durante a tarde, foi crescendo o número de pessoas que entravam para rezar. Babar Jadir, comerciante, estava a falar com outros crentes sobre o Alcorão quando nos sentamos com ele para conversar. O homem, natural da Guiné, decidiu tirar férias durante este mês, para poder concentrar-se no Ramadão.

Mas se há quem decida tirar férias, há também quem decida chegar a um compromisso com a sua entidade patronal. É o caso de Rad Ferreira. O jovem brasileiro trabalha em restauração, mas os seus horários de refeições teriam de mudar durante este mês. “Os muçulmanos têm muito medo de pedir. Podendo conversar, ter diálogo, as pessoas são muito compreensivas”, diz, afirmando que conseguiu chegar a um acordo no trabalho.

Rad Ferreira tinha consigo uma pequena mesa. Quando questionamos se podia falar connosco, respondeu “claro que sim. Estava a estudar.” O jovem brasileiro partilhou que tem cada vez mais vontade de aprender sobre o Islão. Inês Cortez/Observador

Mahmoud Soares conta que um desafio para quem trabalha nesta altura do ano é o esforço físico, principalmente ao final do dia. Dos testemunhos que tem ouvido da comunidade, o professor diz que não há discriminação por parte dos patrões, mas alguns casos de incompreensão, o que deixa alguns membros da comunidade frustrados. “Não compreendem, às vezes, porque é que as pessoas chegam ao final do dia e já estão mais cansadas. É que o nosso jejum não é só de comida, nós também não bebemos água”, diz.

Mas se trabalhar pode ser um desafio, estudar é uma questão de hábito. É o que dizem Fátima Câmara e Tatiana Dalom, estudantes do ensino secundário, que encontramos no piso debaixo. “Já estou habituada”, confessa Fátima Câmara. “Já faço Ramadão desde os meus 8 anos”.

Para Tatiana Dalom, o Ramadão ajuda-a a concentrar-se nos estudos. “Como é um mês de mais paz, tranquilidade, também nos ajuda na escola. Uma vez que não tenho de pensar que tenho de comer, tenho mais tempo para estudar”, partilha, afirmando que conseguiu bons resultados nos testes que teve na semana anterior.

Enquanto estudantes e trabalhadores enfrentam desafios distintos, há uma alegria que partilham em comum. Para Babar Jadir e Fátima Câmara, uma das maiores alegrias do Ramadão é ver a comunidade muçulmana do norte do país reunida na Mesquita do Porto.

“Nem fazia ideia que havia tantos muçulmanos como há hoje em dia; é uma coisa que me despertou imenso”, diz Fátima Câmara, que, na sexta-feira 29 de março, conta que encontrou a Mesquita Central cheia de crentes.

“Há irmãos que vêm de Braga, de Aveiro, dos arredores do Porto. Todos vêm aqui e partilhamos”, disse Babar Jadir, acrescentando que muitos decidem quebrar o jejum juntos.

Mahmoud Soares diz que a comunidade muçulmana na cidade do Porto tem cerca de 6 mil membros. O responsável pelo Centro Cultural Islâmico afirma que o número de muçulmanos tem aumentado na cidade, não só devido ao aumento da imigração, mas também ao maior número de convertidos, inclusive portugueses. “Todos os meses, temos alguém que se converte: senhores e senhoras”, diz.

Atualmente, a Mesquita Central tem capacidade para acolher cerca de 300 crentes ao mesmo tempo: capacidade essa que já tem mostrado ser insuficiente. O responsável partilha que cerca de 900 pessoas têm frequentado o Centro Cultural Islâmico, e que por isso, às vezes, há necessidade de fazer mais orações.

Mahmoud Soares converteu-se ao Islão há 12 anos. A sua esposa é cristã. O professor diz que é essencial haver abertura no casal, sem impor nada um ao outro. “Eu faço o Ramadão, ela não faz. Ela celebra o Natal, eu acompanho-a. Quando quebro o jejum, ela acompanha-me; ela não faz o jejum, mas faz questão de comermos à mesma hora e de respeitar os meus tempos.” Quando questionado sobre como correu a Páscoa em sua casa este ano, Mahmoud Soares respondeu, com um sorriso, que foi “normal”. “Costumam dizer que eu faço parte de uma família arco-íris, no sentido em que nós podemos conviver com uma pessoa com uma fé diferente, e não há problema nenhum”, diz.

“Nós queremos ser uma comunidade que faz parte da sociedade portuguesa”

O responsável do Centro Cultural Islâmico afirma que a comunidade está integrada na cidade. “Nós queremos ser uma comunidade que faz parte da sociedade portuguesa”, sublinha.

O professor diz que o Centro Cultural Islâmico ajuda na inclusão das pessoas na sociedade através de apoio financeiro, a encontrar emprego ou habitação, ensinar a língua portuguesa, e mesmo aconselhamento legal. “As pessoas [do Porto] podem contar connosco para manter uma atitude pacífica e ajudar as pessoas a integrarem-se”, sublinha.

A acrescentar, o responsável defende que o diálogo inter-religioso é fulcral, e por isso a Mesquita Central tem sempre a porta aberta a escolas, universidades, ou a quem passa, e que membros da comunidade participam em palestras para partilhar sobre a religião.

Além da Mesquita Central, há um segundo local de culto no Porto, perto da Estação de São Bento: a Hazrat Hamza, que fica na Travessa do Loureiro, e é frequentada maioritariamente por imigrantes do Bangladesh.

Saímos da Mesquita com o convite de voltar sempre que quiséssemos. O calçado ficou guardado na estante até ser a nossa hora de sair.

O Ramadão começou do dia 10 de março e terminará no dia 9 de abril.

Inês Cortez/Observador