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Alice Munro (1931-2024): a preciosidade dos dias banais

Não precisou de ir ao épico, bastou-lhe o quotidiano. Alice Munro, que recebeu o prémio Nobel da Literatura em 2013, morreu aos 92 anos. Antes engrandeceu a prosa curta de forma preciosa.

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Ao ler Munro, o leitor depara-se com a vida real. Não é preciso inventar um conflito que ponha uma nação em causa. Em vez disso, é o próprio correr da vida, por ter gente lá dentro, que cria a literatura

PA Images via Getty Images

Ao ler Munro, o leitor depara-se com a vida real. Não é preciso inventar um conflito que ponha uma nação em causa. Em vez disso, é o próprio correr da vida, por ter gente lá dentro, que cria a literatura

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Nascida no dia 10 de Julho de 1931 em Wingham, na província de Ontario, no Canadá, Alice Munro viria a notabilizar-se pela escrita de contos. Foi essa escrita, aliás, que lhe valeu, para lá do Nobel, o prémio PEN de Excelência, em 1997, o Man Booker International Prize (2009), três prémios Governador Geral do Canadá e dois prémios O. Henry do conto.

Considerada mestre do dito género, até pela Academia Sueca, a autora estudou Jornalismo e Inglês na Universidade de Western Ontario, vindo a interromper os estudos quando casou, em 1951. Daí até à primeira publicação passaram muitos anos: em 1968, lançou às estantes Dance of the happy shades. Foi o início de uma obra impactante, que já aí deixava bases sólidas para o que viria. E o que veio foi uma obra de corpo sólido, perene, influente. Contados os livros, temos catorze volumes de contos originais e oito compilações de dispersos.

Morreu a escritora canadiana Alice Munro, galardoada com o Nobel da Literatura em 2013. Tinha 92 anos

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A produção de Alice Munro parte de acções em pequenas localidades, através das quais a autora escrutina e disseca as relações entre habitantes, não raras vezes pegando nos conflitos intergeracionais e na moral socialmente imposta que impõe comportamentos. É, aliás, o choque com isto que vai criando o âmago de cada conto, sempre partindo de um aparento fogo-fátuo que compõe o dia-a-dia.

Ao ler Munro, o leitor depara-se com a vida real. Não é preciso inventar um conflito que ponha uma nação em causa. Em vez disso, é o próprio correr da vida, por ter gente lá dentro, que cria a literatura – cria, só pelo movimento, as questões existenciais que universalizaram a autora.

A prosa de Munro é eficaz e limpa, tecendo-se com frases curtas que deixam o leitor em suspenso, num ritmo de coisa viciada. Para o leitor, sobra a tensão pura, que marca a densidade. Foi assim que a autora recebeu o Nobel sem se meter na empreitada de um romance. Não foi preciso. Bastou-lhe — e não é coisa pouca — ser a “mestre do conto contemporânea”, para usar a expressão da Academia Sueca, essa que sublinhou o que importa: os contos que focam “a fragilidade da condição humana”, a “narrativa afinada” e o “realismo psicológico”.

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Alice Munro mostrou o humano perante a condição, rompendo dogmas, criando incertezas, inventando incoerências (a autora aqui fotografada na década de 60)

Toronto Star via Getty Images

A vida a passar como é costume, e a capacidade de apanhá-la, resultaram no primeiro Nobel da Literatura a chegar ao Canadá. Essa ideia do quotidiano, na obra de Munro, é não só importante como diz tudo. Ali a autora vê a vida de todos os dias, e escrutina-a, expondo-a, de forma a abrir em flor o cerne da vida para quem lê. Ao longo de décadas de escrita, não foi preciso inventar Sandokan nem dar a volta ao mundo em oitenta dias para ganhar o interesse dos leitores.

O cerne – a literatura – estava no quotidiano, no corriqueiro, e foi isso que elevou a autora: ter pegado em gente que não procurava a grandiosidade ou a redenção da arte e ter sido capaz de mostrar a beleza que há nessa banalidade, nessa existência devagar que há na vida de todos os dias, que não marca jornais, que não muda o mundo – mas que é, convém dizer, o mundo como é, cuja essência aparece depurada por uma prosa seca.

Assim, o conto resulta sempre quase em fórmula – tudo é conciso, tudo vai ao osso, tudo garante o baque como efeito. É que, ao partir do que parece quase nada, a autora lança os holofotes sobre isto de existir e ser pessoa – por um lado, as pessoas acomodam-se; por outro, não deixam de ser mais do que a soma das suas circunstâncias. Frequentemente, as reviravoltas permitem o enredo, já que o hábito das personagens esbarra com um desvio. É aqui que a autora voa, mostrando o humano perante a condição, rompendo dogmas, criando incertezas, inventando incoerências. O quotidiano aparece, assim, como tudo o que existe – em vez de um golo na final da Champions, há a dor da separação, a esperança ou o medo do começo, a nostalgia atada à perda, o conforto de um regresso. Tudo é tensão e beleza no mesmo movimento.

Frequentemente comparada a Tchekov, a autora fez o que fazem poucos: ganhou leitores em todo o mundo sem se ter metido no romance. Para trás, fica a sua obra contundente – essa que vai ao fundo das personagens e o expõe sem tréguas para quem lê. Em Portugal, convém acrescentar, a sua obra está publicada pela Relógio d’Água.

 
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