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Com documentário ou sem ele, os Beach Boys vão continuar a ser um mistério

Para quem não os conhece, o filme disponível na Disney+ é uma ótima introdução. Para os conhecedores, nada é novo e a dúvida sobre o que terá acontecido na cabeça de Brian Wilson vai continuar.

O documentário faz recorre a entrevistas atuais aos membros vivos da banda, mas também usa imagens antigas (úteis, no caso de Brian Wilson, tendo em conta que ele atualmente sofre de demência) e mesmo a sons antigos
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O documentário faz recorre a entrevistas atuais aos membros vivos da banda, mas também usa imagens antigas (úteis, no caso de Brian Wilson, tendo em conta que ele atualmente sofre de demência) e mesmo a sons antigos

Michael Ochs Archives

O documentário faz recorre a entrevistas atuais aos membros vivos da banda, mas também usa imagens antigas (úteis, no caso de Brian Wilson, tendo em conta que ele atualmente sofre de demência) e mesmo a sons antigos

Michael Ochs Archives

Há pelo menos duas histórias dos Beach Boys, duas histórias aparentemente contraditórias, mas que um novo documentário homónimo tenta reconciliar: a da banda razoavelmente inofensiva, constituída por cinco rapazes brancos que faziam canções sobre surf e raparigas e que teve imenso sucesso; e do processo – de génio, de loucura e desagregação mental – que levou Brian Wilson a criar Pet Sounds e depois entrar em colapso, apagar-se, baixar os braços, retroceder para um casulo interior e ver a banda ir perdendo influência.

A primeira história é a que é conhecida do grande público, das pessoas que só ouviram Surfin’ USA ou Barbara Ann; a segunda costuma ser revelada pela crítica especializada, que presta devoção a Pet Sounds e, por norma, diminui o valor dos discos que se lhe seguiram (os de final da década de 60 e início da década de 70), ou respeita um ou outro desses álbuns, mas não os coloca ao mesmo nível de Pet Sounds ou da produção dos Beatles, com quem os Beach Bpys disputavam o título de banda mais inovadora, na época. Beach Boys, o documentário, procura que estas duas histórias sejam uma só.

Como é comum nas produções profissionais, Beach Boys não erra nos factos e encontra os principais pontos de evolução da história da banda: centra-se na família Wilson, que é o cerne da banda (Brian, Carl e Dennis são irmãos, Mike Love é primo), demora-se nos primeiros êxitos, assinala o momento em que Brian desiste de tocar ao vivo, reflete sobre o impacto que Be My Baby, single das Ronettes, produzido por Phil Spector, teve sobre Brian Wilson, retrata a viragem sónica de Pet Sounds, a degradação mental de Brian, volta, ocasionalmente, ao pai Wilson e à sua relação turbulenta com os filhos, fala das drogas, das zangas e dos processos legais.

[o trailer de “Beach Boys”:]

Faz tudo isto com recurso a entrevistas atuais aos membros vivos da banda (Dennis, por exemplo, já morreu), mas também recorre a imagens antigas (úteis, no caso de Brian Wilson, tendo em conta que ele atualmente sofre de demência) e mesmo a sons antigos – um, em particular, é penoso: o som de uma discussão entre Brian e o pai, por alturas de Pet Sounds, quando Murry tenta controlar a banda e se percebe que, no fundo, tinha ciúmes do seu próprio filho.

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O documentário não foge às questões difíceis, embora não consiga aprofundar nenhuma, porque 1h e 50 minutos não são suficientes para a saga demencial dos Beach Boys, uma banda com um fundo muito mais negro e doentio do que a maior parte das pessoas imagina – há imagens, por exemplo, dos irmãos a falar do carácter abusador de Murry, da sua violência, em particular para com Brian. Alguns comentários (de amigos, vizinhos, namoradas) acentuam a importância que a figura de Murry teve na formação emocional dos filhos, criando um fundo de insegurança nestes.

Mas seriam precisos vários documentários para explorar a exata dinâmica dessa relação e a influência que teve em Brian. Aqui temos um rapaz que é líder um quinteto (Al Jardine, amigo dos Wilson, era o único que não tinha relação familiar), esse quinteto atinge o sucesso através de canções que misturam o surf-rock da época com as harmonias do doo-wop e que decide, a dado momento, não andar mais em digressão e prosseguir na demanda de criar uma obra que se assemelhasse a uma pequena sinfonia cantada por anjos.

Brian Wilson não queria apenas harmonias bonitas – ele queria atingir a mais pura beleza, uma obsessão com colocação de voz, com as notas perfeitas, com o som perfeito

Michael Ochs Archives

Wilson não queria apenas harmonias bonitas – ele queria atingir a mais pura beleza e a sua obsessão com colocação de voz, com as notas perfeitas, com o som perfeito não pode deixar de ser vista como uma forma de compensar toda a dor que deve ter carregado desde cedo, à conta do abuso físico e verbal que sofreu às mãos do pai (que, como o documentário demonstra, se manteve por perto dos filhos enquanto agente deles, isto antes de eles o despedirem e de, mais tarde, vender os direitos das canções, dando cabo do pé de meia que os filhos poderiam fazer no futuro, no que foi um ato de uma crueldade indescritível e que diz bem do pesadelo que os manos Wilson passaram).

Não é fácil computar o exato grau de neurose aqui implicado. No seu mais pacato, a demanda de beleza criou uma banda eficaz, com bons singles (mas inofensivos), de imagem bem comportada, apesar de um ou outro levarem uma vida mais rock’n’roll (Brian drogava-se muito, Dennis chegou a ser próximo de Charles Manson). No seu extremo, essa mesma demanda levou à criação de Pet Sounds, que soa cada vez mais, à medida que os anos passam, como uma obra impossível, uma demanda alucinada por amor e piedade elevada à categoria de obra-prima pelo esforço demoníaco de Brian Wilson em estúdio.

Convém também não desmerecer Smiley Smile, o disco que os Beach Boys criaram quando Brian se sentiu incapaz de terminar Smile (que devia seguir-se a Pet Sounds), porque, não sendo uma obra da dimensão do disco anterior, ainda tem mesmo muita coisa boa; na realidade, todos os discos dos Beach Boys que se seguiram foram bons discos, incluindo Smiley Smile (1967), Wild Honey (1967), Friends (1968), 20/20 (1969), Sunflower (1970) e, em particular, Surf’s Up (1971), que não tem nada de surf e é tudo menos up. Essa sequência de discos é, na minha modesta opinião, suficiente para pôr os Beach Boys a sacar aos Beatles o título de maior banda dos anos 60.

O documentário faz notar que no final da década de 60 a cultura havia mudado e os Beach Boys não – eles eram o rosto do sonho californiano

Michael Ochs Archives

O documentário faz notar que no final da década de 60 a cultura havia mudado e os Beach Boys não – eles eram o rosto do sonho californiano (praias, carros, raparigas em biquíni), enquanto a guerra do Vietname criara uma sub-cultura de gente revoltada e que queria ouvir rock pesado; criara os Jefferson Airplane ou Jimi Hendrix. Em termos de caricatura, o retrato é correto – mas esquece-se que Wild Honey (a canção, não o disco) rockava bastante, e esquece-se que em Surf’s Up havia Student Demonstration Time, um blues sujo sobre os movimentos estudantis e toda a confusão social da época (que tem, lá pelo meio, um valente de um solo de guitarra, capaz de provocar ciúmes no maior rocker).

É verdade que se trata de um documentário sobre os Beach Boys, mas não se entende muito bem que não se fale mais em Dennis Wilson e na sua produção a solo – no mundo dos Beach Boys, Pacific Ocean Blue (de Dennis Wilson a solo) é, possivelmente, o 2º melhor disco feito por alguém da família, uma obra-prima de uma desolação e experimentação raras. Pacific Ocean Blue é mais um argumento para a teoria de que as correntes de tristeza no fundo dos Beach Boys eram muito mais fortes do que por norma se quer admitir (e não há palavras suficientes para elogiar Pacific Ocean Blue, que nos seus momentos mais alucinados lembra a obra de Robert Wyatt).

Para quem não conhece os Beach Boys, o documentário com o mesmo nome serve de introdução, até porque tenta ser o mais completo possível no abarcar do maior número de fases da banda; mas para os conhecedores, nada aqui é novo e o grande mistério do que terá acontecido dentro da cabeça de Brian Wilson e do que ele poderia ter feito se se tivesse mantido mais uns tempos do lado de cá, esse permanece tão irresolúvel como sempre pareceu.

 
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