O mundo do futebol sempre girou à volta de superstições e rituais. Entre os jogadores, há aquela vontade de entrar com o pé direito ou esquerdo no relvado, o uso de determinado equipamento ou roupa interior, ouvir uma certa música a caminho do estádio ou simplesmente rezar. Nos treinadores, o mais frequente é levar no bolso um determinado objeto que sirva de talismã ou sorte. Também a Eslovénia, adversário de Portugal nos oitavos deste Europeu, tem a sua reserva de fortuna. O quê? Uma moeda. A moeda que desde que apareceu e começou a ser usada como zona de conforto para alguns jogadores deixou a equipa imune a derrotas.

Eslovénia (Grupo C). 24 anos depois, os eslovenos acertaram no Sesko e cumpriram o objetivo

“Desde que nos deram esta moeda trago sempre comigo e a verdade é que tem dado sorte. É uma moeda de prata e trouxe a fortuna que necessitávamos. Desde aí que anda connosco para todos os jogos da seleção”, contou o lateral Erik Janza depois da passagem histórica dos eslovenos aos oitavos do Europeu, na sequência de uma fase de grupos onde não ganharam nem perderam qualquer encontro: um empate com a Dinamarca a abrir, outro empate com a Sérvia pelo meio, mais um empate com a Inglaterra a fechar. Mais: olhando para as partidas realizadas já depois da qualificação para a fase final do Europeu, a Eslovénia ganhou três vezes (uma exatamente contra Portugal, naquele que foi o primeiro desaires de Martínez por Portugal) e empatou outras duas, sendo que a última derrota foi em novembro de 2023 frente à Dinamarca. Já agora, o que tem a moeda? De um lado, as montanhas que estão no escudo; do outro, o logo do Euro-2024.

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Em paralelo com essa nova tradição do lateral esquerdo do Górnik Zabrze, também o pai do jogador, Joze, criou essa rotina da moeda em Puzevci. “Há algum tempo encontrei uma moeda de dois euros, apanhei-a e guardei-a. Comecei a levar esta moeda na mão sempre que existe um jogo da seleção. Bem, deve ter dado sorte porque desde que começámos isso a Eslovénia não voltou a perder um jogo”, referiu, citado pelo El Mundo. Sim, é verdade, os espanhóis deram uma atenção especial à formação do grupo C antes do último dia da fase de grupos. Porquê? Porque em condições normais o conjunto esloveno seria adversário da Roja nos oitavos, algo que não se confirmou pela derrota de Portugal diante da Geórgia. E é também isso que dá uma esperança maior à seleção que tem o guarda-redes Jan Oblak como capitão e grande referência.

Em condições normais, a Eslovénia estaria nesta altura a pensar apenas nos muitos outros heróis que tem no mundo do desporto. Tadej Pogacar e Primoz Roglic são dois dos Quatro Mosqueteiros na luta pela vitória na Volta a França em ciclismo, a equipa de basquetebol com Luca Doncic e companhia vai fazer a qualificação para o torneio olímpico, a formação de andebol tem presença garantida em Paris, a equipa de voleibol esteve na Final Four da Liga das Nações (acabou em quarto, após derrotas com Japão e Polónia). Afinal, ainda há futebol. Há futebol e a crença de que pode continuar a haver. “Além de nos termos conseguido apurar para a fase a eliminar, passámos no grupo mais difícil”, comentou Sporar, antigo avançado do Sporting.

Como não poderia deixar de ser, houve festa. Até aqui, a Eslovénia tinha estado presente apenas uma vez em fases finais do Europeu, em 2000, ficando na fase de grupos. Agora, antes dos oitavos, teve uma merecida descontração e com outro antigo jogador pelo meio: Erik Janza ligou ao ex-companheiro de equipa Lukas Podolski, que após retirar-se do futebol abriu uma cadeia de comida, e fez uma encomenda de 50 kebabs com direito a molho e bebidas. “Há dois anos perdemos com a Sérvia 4-1 e esse foi um ponto de viragem para nós, começámos a crescer muito como equipa”, salientou Adam Gnezda Cerin depois do jogo com a Inglaterra, provavelmente um dos encontros com menos motivos de interesse da competição. “Havia algum ceticismo em relação à nossa equipa mas não duvidem que merecemos estar aqui”, defendeu o técnico Matjaz Kek. “É um dia histórico, estamos bem mas não queremos ficar por aqui”, destacou Jan Oblak, antigo guarda-redes do Benfica B que esteve cedido a alguns clubes nacionais até rumar ao Atl. Madrid em 2014.

Quem também teve motivos particulares para fazer a festa foi Josip Ilicic, o mais experiente do plantel. O médio ofensivo foi um dos grandes destaques do advento da Atalanta de Gasperini capaz de se qualificar para a Liga dos Campeões mas sofreu uma depressão durante a pandemia da Covid-19 em 2020 e voltou a parar, de forma devidamente concertada com os transalpinos, por questões de saúde mental antes de rescindir e voltar devidamente recomposto aos eslovenos do Maribor depois de 12 anos na Serie A (antes do conjunto de Bérgamo esteve no Palermo e na Fiorentina). “Não esperava estar aqui. Sinceramente pensava que estaria de frente para o mar mas aconteceu e estou muito contente. É um prazer. Nunca deves render-te porque a vida pode tirar-te coisas mas dar outras. Só devemos ser felizes… A Eslovénia é pequena mas tem um coração enorme e estes miúdos já mostraram que merecem tudo”, frisou o experiente jogador de 36 anos.

“Vamos esperar por ele enquanto pessoa. Enquanto jogador é imprevisível.” A depressão voltou a roubar Ilicic ao futebol