A pressão para que Joe Biden desista da corrida à Casa Branca não para de aumentar. Os apelos dos democratas têm subido de tom e os jornais norte-americanos avançaram que o atual Presidente estará, enquanto permanece em isolamento por estar infetado com Covid-19, a refletir sobre essa possibilidade. Publicamente, o líder dos EUA tem-se mostrado intransigente em abandonar o confronto com Donald Trump, mesmo depois de uma “noite má” de debate e das dúvidas levantadas face à sua idade (81 anos).
Com dificuldades em convencer até os membros do próprio partido de que é capaz de vencer as presidenciais norte-americanas em novembro, Biden terá sido avisado por Nancy Pelosi, ex-presidente democrata da Câmara dos Representantes, de que “não terá qualquer hipótese” de assegurar uma reeleição. Até o antigo Presidente norte-americano Barack Obama terá defendido que o seu ex-vice deveria reconsiderar.
O líder norte-americano, ainda que possa estar em “fase contemplativa” quanto ao futuro e a analisar sondagens ou números de angariação de fundos, mostrou-se esta sexta-feira “ansioso” por regressar à campanha eleitoral na próxima semana e continuar a “expor a ameaça da agenda do Projeto 2025 de Donald Trump”, adversário que disse ter uma “visão sombria” para o futuro do país.
O futuro de Joe Biden e dos democratas relativamente às eleições presidenciais norte-americanas do outono é incerto. A confirmar-se um possível abandono da corrida à reeleição, quais são os cenários em cima da mesa (numa altura em que falta exatamente um mês para o início da convenção democrata)?
Campanha eleitoral está em fase avançada. Situação de Biden é “única”?
Joe Biden venceu as eleições primárias dos democratas em março, mas ainda não é oficialmente o candidato do partido às presidenciais. Esse estatuto só será confirmado — se não existir nenhuma desistência — depois de o Comité Nacional Democrata realizar uma votação nominal virtual, que está marcada para a primeira semana de agosto.
O atual Presidente dos EUA venceu as eleições primárias praticamente sem oposição, conseguindo conquistar quase todos os mais de 4.000 delegados do partido. A CNN antecipa que esses delegados devem manter-se leais a Joe Biden e reafirmar a intenção de vê-lo enfrentar Donald Trump em novembro. A opinião é seguida pelo analista e estratega democrata David Axelrod: “Não estamos nos anos 60. Os eleitores escolheram o [nome] indicado. Ele [Biden] é o indicado.”
Se Biden desistir da corrida à Casa Branca antes das eleições será o primeiro a fazê-lo numa fase tão avançada da campanha eleitoral, de acordo com especialistas ouvidos pela revista Time. Segundo Matt Dallek, historiador político na Universidade George Washington, o atual Presidente não seria o primeiro a abandonar uma possível reeleição, uma vez que isso aconteceu com Harry Truman (1952) e Lyndon B. Johnson (1968). Desta forma, “não é inédito que um Presidente em funções decida não concorrer” para um segundo mandato. Contudo, o que “seria inédito” e poderia tornar “a situação de Biden única” é “ser tão tarde na campanha”, numa altura em que faltam cerca de quatro meses para os norte-americanos se dirigirem às urnas.
Além disso, acrescenta Matt Dallek, seria a primeira vez que um candidato desistia depois de assegurar delegados suficientes nas eleições primárias para ser o nome indicado pelo respetivo partido.
Quais os cenários após uma possível desistência?
As possibilidades são várias, mas o tempo é curto. Se Joe Biden desistir antes de ser oficialmente nomeado com a votação nominal virtual, o candidato dos democratas para as presidenciais norte-americanas deverá ser escolhido na Convenção Democrata, que tem início marcado para 19 de agosto e que vai decorrer em Chicago. Nesse caso, cerca de 3.900 delegados eleitos reúnem-se e votam no nome que preferem.
Se um candidato não reunir a maioria dos votos na primeira votação, de acordo com a NBC News, 700 “superdelegados” — delegados que não são eleitos e que à partida não estarão comprometidos com nenhum dos nomes em cima da mesa — são chamados a votar. O número de delegados democratas eleva-se para cerca de 4.600, que votam em rondas subsequentes até um nome alcançar a maioria.
No caso de Joe Biden desistir já depois de ser formalmente nomeado candidato dos democratas às presidenciais de novembro, o cenário é diferente. O presidente do Comité Nacional Democrata, cargo que atualmente é ocupado por Jaime Harrison, reúne-se com os líderes democratas do Congresso e da Associação de Governadores Democratas para “recomendar” um substituto. Depois, o comité deverá votar nesse nome.
Kamala Harris poderá ser a candidata que se segue?
A resposta não é óbvia. Embora o The Washington Post indique que Kamala Harris, atual vice-presidente norte-americana, é o nome mais provável (e consensual entre os membros do partido) para substituir Joe Biden, as sondagens estimam que poderá não ter força para conseguir enfrentar Donald Trump num confronto direto.
A média feita pelo jornal norte-americano de 11 sondagens pós-debate entre Biden e Trump, mostra que o candidato republicano tem uma vantagem de 1,9 pontos percentuais (em média), um valor semelhante à vantagem de 1,5 pontos percentuais de Trump sobre Kamala Harris. No total, os resultados são diversos: quatro sondagens estimaram que Harris poderia ter uma votação ligeiramente superior à de Biden contra Trump; quatro que seria “ligeiramente pior” e as restantes não mostraram diferenças.
Numa sondagem feita pela Ipsos para o The Washington Post, 44% dos inquiridos disseram que ficariam “satisfeitos” se o líder norte-americano abandonasse a corrida eleitoral e desse o lugar à sua número dois. 29% dos democratas e independentes com tendências democratas mostraram preferência por Kamala Harris em caso de saída de Biden, mas outros nomes surgiram: 7% mencionaram Gavin Newsom, governador da Califórnia, e 4% votaram em Michelle Obama, ex-primeira-dama.
Há vários motivos para acreditar que Kamala Harris poderia ser a escolhida para assumir a candidatura. Desde logo, Biden já admitiu que não a teria nomeado para vice-presidente se “não achasse desde o começo que estava qualificada para ser Presidente”. Depois, seria, segundo a imprensa internacional, mais fácil transferir os fundos da campanha do Presidente norte-americano para a sua “vice”, uma vez que já faz parte da administração Biden.
Meena Bose, diretora do Centro Peter S. Kalikow para o Estudo da Presidência Americana, da Universidade Hofstra, defendeu em declarações à CNBC que a “vice-presidente é, obviamente, a escolha lógica”. “O tempo é muito apertado e é difícil montar uma campanha para qualquer pessoa que não seja a vice-presidente”, acrescentou, notando que Harris já foi “aprovada” pelos democratas quando se juntou à campanha de Biden há quatro anos, em 2020.
Mesmo que Kamala Harris reúna a preferência da maioria dos democratas em caso de saída de Biden os delegados continuam a ter liberdade para votar em qualquer candidato na Convenção Nacional Democrata.