Pesquise-se como se queira, a internet diz às gerações que nunca o viram jogar (como o jornalista que escreve estas linhas) que Carlos Gomes foi das personagens mais controversas do futebol português. Nascido no Barreiro, guarda-redes do Sporting durante oito épocas, é considerado “genial” e podia ter tido uma carreira de grande gabarito, não fosse ter sido acusado de violação. Fugiu para Espanha e por aqui jogou no Granada e no Oviedo antes de dar o salto para Marrocos. Em terras de nuestros hermanos deixou amizades e ligações que, por estranhos acasos do destino, estão relacionados com este artigo.

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Juan, malaguenho radicado em Madrid há mais de 50 anos, diz que gosta muito de Portugal. Foto: D.R.

O homem que aparece nesta fotografia é Juan, de 73 anos, nascido e criado em Málaga, onde foi vizinho de Carlos Gomes e onde conheceu a filha deste, Maria del Mar, com quem namorou há muitos anos. Pronto, fim da história do guarda-redes. Ela apenas serviu a Juan para dizer que gosta muito dos portugueses e que tinha muito prazer em dizer a um jornalista luso porque é que acha que o futuro de Espanha tem de passar obrigatoriamente por uma coligação entre o PP e o PSOE. “Uma grande coligação onde eles pusessem os melhores de ambos os partidos — porque eles existem — era o melhor para eliminar a fantasia do Podemos”, diz, já a dar as últimas baforadas no cigarro que decidiu fumar antes de ir à biblioteca dos Jardins do Retiro, em Madrid.

Entusiasma-se a criticar o partido de Pablo Iglesias. “São muito novos, não sabem o que custou. Deu muito trabalho fazer uma Constituição que agradasse a todos e agora querem romper isso e dar um referendo à Catalunha de mão beijada.” Juan sabe que o ambiente entre o PP e o PSOE já teve melhores dias, mas acredita que é mais aquilo que os une do que o que os separa. “É como em Portugal: os socialistas são mais sociais-democratas do que de esquerda”, atira sorridente.

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O futuro continuará a ser o bipartidarismo, não há volta a dar”

Já perdido em histórias do passado que envolvem amigos alentejanos do pai, — que era chefe dos estivadores no porto de Málaga e que teve problemas com o regime de Franco porque todos os trabalhadores que tinha a cargo eram comunistas –, Juan termina a preleção com uma frase algo filosófica que aprendeu na casa paterna. “O futuro do mundo escreve-se todos os dias de manhã. E, geralmente, chegamos ao fim do dia e vemos que mudámos o mundo de uma forma diferente do que tínhamos planeado”. O mesmo, diz, vale para a política.

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Antonia não deixou que a fotografássemos de frente. “Esperas um pouco e já tiras, está bem?” Mal se levantou, encontrou uma conhecida. Foto: D.R.

Antonia, colecionadora de cartoons

À hora de almoço, que em Madrid nunca começa antes das 14h30, os Jardins do Retiro enchem-se de gente com tuppperwares. Nos recantos mais discretos, alguns tentam fugir ao bulício dos turistas e aproveitam para pôr a leitura em dia. É o caso de Antonia, 80 anos, que encontramos a ler o jornal ABC. “Compro este só porque vem agrafado. Os outros não vêm, para os ler tenho de ficar como Jesus Cristo”, comenta, bem-disposta. Está agora a ler as páginas que o periódico dedicou aos resultados eleitorais porque no domingo “tinha roupa para passar e aborrecia-me estar a passar com a televisão ligada”.

Esta mulher de surpreendente energia para alguém de 80 anos diz que já esperava tudo o que aconteceu. “Já vi muitas eleições, já vivi muito”, diz, com o condescendente sorriso de quem tem um interlocutor jovem. A previsão de Antonia é que volte a haver eleições em março ou abril, porque nenhum dos partidos se vai entender. Ela não tem — ou não revela — quais os partidos que gostava de ver coligados, mas está desejosa de que os filhos lhe saiam de casa. “Tenho lá três desempregados.” E nenhum deles consegue arranjar emprego, apesar de já estarem à procura há meses.

É por isso que, com a idade que tem, Antonia ainda tem de se levantar todos os dias às sete da manhã para estar num restaurante às oito e meia e cozinhar para os clientes até às três da tarde. Porque, diz, se não fosse ela, mais ninguém conseguia levar dinheiro lá para casa. E a piorar a situação, uma filha que já mora com o namorado ficou também recentemente sem trabalho e é mais uma familiar a precisar de ajuda. “Ela costumava comprar-me os jornais todos, porque faço coleção das vinhetas. Agora olha…”

Nenhum dos meus filhos foi votar. Dizem que não acreditam no sistema.”

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Daniel junto ao parque infantil Foto: D.R.

Daniel, o linguista que não confia nos independentistas

O Retiro é tão grande que, lá no meio, nem se ouvem os carros a passar nas sempre movimentadíssimas ruas madrilenas. Além disso, cabe lá tudo: skaters, ciclistas, corredores, jogadores de xadrez, passeadores de cães, leitores de jornais, mirones, turistas e até jornalistas. A qual destas categorias pertence Daniel, de 63 anos, não é imediatamente claro. Sentado num banco do jardim, com o braço esticado por cima da última tábua e perna cruzada, olha para um parque infantil próximo — onde não há crianças, só skaters adolescentes.

“Quantas línguas falas?”, pergunta ainda antes de dizer o que quer que seja sobre as eleições. Foi linguista, por isso o questiona. “Então e português? Também devias saber falar um pouquito”, ri-se quando recebe a (pequena) lista de idiomas. Sem que a conversa vá para aí, insurge-se contra o catalão, numa indignação que logo se estende aos independentistas. “Esses partidos não são de confiança”, afirma.

O PP e o Ciudadanos vão-se coligar, não há outra opção. Eles são muito parecidos”

O importante, considera Daniel, é que os partidos que defendem a separação de certas regiões de Espanha não fiquem numa posição vantajosa em relação aos partidos unionistas. “O PP e o Ciudadanos juntos têm maioria simples e terão de se contentar com isso. Que vão negociando ponto a ponto para ter as abstenções necessárias.”

Dito isto, levanta-se e anuncia que tem mais que fazer. O futuro político de Espanha está agora nas mãos dos líderes partidários e há que deixá-los trabalhar, defende Daniel e várias outras pessoas que o Observador ouviu durante a tarde desta segunda-feira. Nos bancos do Retiro, parece que a análise política vai continuar a ser sempre assim: calma e indiferente a sobressaltos.