O último fim de semana foi encarado como uma espécie de gota de água para alguns elementos atualmente no comando do Sporting, seja através da Comissão de Gestão, seja na Comissão de Fiscalização, seja na Mesa da Assembleia Geral. Na altura, o que se sabia era apenas a autêntica novela com a ida de Bruno de Carvalho a Alvalade e sucessivas intervenções públicas, mas foi nessa sexta-feira que o antigo presidente enviou um email para o Montepio tentando assumir as contas do clube e da SAD por, na sua ótica, ter uma decisão que suspendia a destituição de que tinha sido alvo em Assembleia Geral a 23 de junho.

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Seguiram-se as SMS aos jogadores, a informação de que existiam mais providências a decorrer e a certeza interna de que essa defesa acérrima daquilo que, no clube, todos consideravam ser “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, não iria ter fim. Mesmo tratando-se de um órgão independente, o foco estava centrado na Comissão de Fiscalização que, esta quinta-feira, iria reunir em Alvalade para ouvir as cinco testemunhas citadas por Trindade de Barros, vice da Comissão Transitória da Mesa da Assembleia Geral nomeada por Bruno de Carvalho que está suspenso de forma provisória de sócio. Ninguém apareceu, os presentes reuniram e daí saiu aquilo que poderá significar a expulsão de sócio do antigo líder.

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A nota de culpa enviada hoje para todos os membros do Conselho Diretivo destituídos na supracitada reunião magna (Bruno de Carvalho, Carlos Vieira, Rui Caeiro, José Quintela, Luís Roque, Luís Gestas e Alexandre Godinho) acaba por trazer uma “notícia” em si: “Atendendo à gravidade e ao carácter continuado dos factos que são imputados, esta Comissão de Fiscalização deliberou por unanimidade suspender preventivamente Bruno de Carvalho, Luís Gestas e Alexandre Godinho, nos termos e para os efeitos do citado artigo 20.º do Regulamento Disciplinar. Obviamente, esta suspensão preventiva ora decretada está condicionada ao facto dos sócios em causa se encontrarem a cumprir pena disciplinar anterior, pelo que a sua aplicabilidade apenas se coloca por cautela no caso de, por decisão judicial, a sanção do anterior ser suspensa na sua execução”.

Ou seja, em resumo, mesmo que Bruno de Carvalho ganhe alguma das providências cautelares que colocou contra a suspensão de associado, outra começará então em vigor. Pelo meio, a única forma de revogar a decisão passa pelo voto favorável dos sócios em Assembleia Geral, algo que também não surge agora no horizonte próximo da realidade verde e branca.

Depois, as acusações, que nascem de uma primeira participação feita a 27 de junho, de uma outra que deu entrada a 7 de julho (neste caso visando apenas Bruno de Carvalho) e de tudo o que aconteceu na passada sexta-feira. Fala-se que questões antes, durante e depois da Assembleia Geral destitutiva, do tal email para o Montepio, da incursão do antigo líder a Alvalade. Três questões que serão analisadas numa só (como advoga a nota, “o teor das participações é suficientemente explícito para se julgar desnecessária a instauração de procedimento prévio de inquérito, sendo que os comportamentos constantes das mesmas configuram, em abstrato, infrações disciplinares muito graves”)  com o objetivo de expulsar Bruno de Carvalho. Como?

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Ponto 1 (Da obstacularização da Assembleia de dia 23 de junho de 2018). Apesar de ter sido manifestado na nota de culpa enviada de que os visados deveriam “abster-se de praticar atos que sejam incompatíveis com o exercício do cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting”, o advogado da SAD Miguel Pereira Coutinho foi na véspera da reunião magna de 23 de junho ao Altice Arena no intuito de retirar os funcionários que estavam preparados para assegurar toda a logística caso não fosse aceite a alteração da redação dos boletins de voto;

Ponto 2 (Da violação da suspensão preventiva). Mesmo estando suspensos de sócios de forma preventiva desde dia 14 de junho, os elementos do Conselho Diretivo que seriam destituídos nove dias depois continuaram a frequentar as instalações – e a trabalhar com os funcionários – e proibiram que outros órgãos, como a Comissão de Fiscalização, de acederem às mesmas porque não reconheciam legitimidade para assumirem essas funções;

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Ponto 3 (Dos factos ocorridos na Assembleia Geral de dia 23 de junho de 2018). Sabendo de como se estavam a desenrolar as coisas na reunião magna, os dirigentes entraram no Altice Arena e acederam a uma zona que estaria vedada, altura em que Luís Gestas terá dado um encontrão de forma propositada num elemento da Comissão de Gestão. Além de terem ficado nesse local que lhes estava proibido, Bruno de Carvalho, Alexandre Godinho, Luís Gestas e Trindade de Barros “incentivaram os sócios contra a Mesa da Assembleia Geral” (como se foi percebendo também pelos vídeos que iam começando a circular”;

Ponto 4 (Das publicações em redes sociais). Ao longo da Assembleia Geral, Bruno de Carvalho publicou mais de 20 posts no Facebook com várias críticas e insinuações a propósito de eventuais anomalias que poderiam estar a decorrer, tendo feito ainda duas enormes publicações após a reunião magna e depois do anúncio de Sousa Cintra como líder interino da SAD;

Ponto 5 (Dos comportamentos ocorridos no dia 17 de agosto de 2018). Sabendo que estavam proibidos de entrar nas instalações do Sporting, Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho, invocando ter na sua posse uma sentença judicial que contrariava aquilo que tinha sido sufragado por mais de 71% dos associados, foram a Alvalade reclamar a liderança do clube, algo que se prolongou depois para a comunicação social, criando instabilidade nos funcionários e atletas do Sporting. Depois, foi também enviado o tal email ao Montepio onde era pedido que as contas bancárias do Sporting e da SAD por todos os que estariam a violar a dita decisão do tribunal. “A Comissão de Gestão tomou conhecimento de que os visados Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho, fazendo-se valer da mesma certidão de registo de entrada de uma providência cautelar, tentaram voltar a ter acesso às contas bancárias do Sporting Clube de Portugal e da SAD, invocando uma qualidade que não desconheciam não deter”, diz a nota de culpa, prosseguindo: “Até pelas explicações que os serviços jurídicos do clube lhe tinham dado, os visados Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho (este último, advogado) não podiam desconhecer que o registo da providência cautelar não tinha tal efeito útil. Desta forma, tratou-se de um ato deliberado, voluntário e consciente, visando expressamente prejudicar o clube e a SAD, bem como causar instabilidade junto da Comissão de gestão, trabalhadores e opinião pública, como, aliás, conseguiram”;

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Ponto 6 (Do domicílio profissional sito nas instalações do clube). Alexandre Godinho, advogado, manteve o domicílio profissional registado na Rua Professor Fernando da Fonseca – Piso 3, Escritórios SAD – Estádio José Alvalade sem a necessária autorização do clube, não respondeu quando questionado a esse propósito, sendo acusado de deslealdade e conflito de interesses.

“Os comportamentos assacados aos sócios participados são de molde a afetar de forma irreversível a manutenção da condição de sócios, atenta a manifesta gravidade”, diz a nota de culpa, que faz também uma ressalva a propósito de um eventual argumento de recurso que poderia ser utilizado: “”A circunstância de os visados terem, entretanto, sido suspensos não afasta a aplicabilidade dos estatutos e do regulamento disciplinar, uma vez que foi, justamente, invocando e abusando de prerrogativas que detinham que conseguiram praticar parte substancial dos factos aqui imputados”. Balizando algumas das infrações, é ainda acrescentando que a perturbação da Assembleia Geral é um ilícito previsto no artigo 516 do Código das Sociedades Comerciais; que o empurrão é uma ofensa à integridade física de um sócio e que o facto de Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho se intitularem com qualidades que sabem não deter pode configurar o crime de usurpação de funções.

“Em termos temporais esta nota de culpa abrange, fundamentalmente, as ações, com diversos graus de empenhamento, a propósito da Assembleia Geral de 23 de Junho, com a continuação da tentativa de obstaculizá-la, a divulgação, contra o decidido na própria AG, do que se passava na mesma; a entrada sem autorização na mesma, por porta destinada apenas à segurança e pessoas autorizadas; a constante desobediência da medida de suspensão preventiva; o incentivo às pressões sobre a mesa; abrange também factos mais recentes como a entrada em Alvalade com o anúncio de uma decisão judicial que, pura e simplesmente, não existia ou a tentativa, gorada, de bloqueio das contas bancárias do Sporting , no que se pode considerar usurpação de funções, uma vez que Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho se apresentaram com presidente e vogal do Conselho Directivo do SCP, o que é manifestamente falso”, resumiu a Comissão de Fiscalização em comunicado, explicando que “todos os visados têm, a partir de agora, dez dias úteis para responder à nota de culpa, podendo consultar os respetivos autos e requerer as diligências probatórias que entendam pertinentes”.

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“Perguntam-nos sobre uma pretensa nova nota de culpa a Bruno de Carvalho. Ainda não tomámos conhecimento dos papéis em causa. Se vier a confirmar-se o recorte que sobre o assunto tem sido anunciado pela imprensa, o absurdo raiará o cómico. Se tal suceder, logo tomaremos a devida posição”, comentou José Preto, advogado de Bruno de Carvalho.