Ainda não se pode falar em guerra aberta, mas as eleições para a liderança do Automóvel Clube de Portugal (ACP) prometem dar que falar. A 30 de abril, e pela primeira vez em muitos anos, Carlos Barbosa (Lista B) enfrentará oposição e terá de discutir nas “urnas” o seu futuro à frente da associação. Todavia, e já com o processo eleitoral em curso, há um dado que está a dividir as duas listas concorrentes: houve sócios que receberam em casa dois boletins de voto iguais – os dois da lista B.

Esta é, pelo menos, a versão defendida pela lista liderada por António Raposo Magalhães – e já contestada pelo atual líder da instituição (ver em baixo). O gestor da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que, juntamente com Rui Madeira, arquiteto e ex-campeão mundial de ralis, encabeça a alternativa a Carlos Barbosa, contou ao Observador que as suspeitas de uma eventual irregularidade nos boletins de voto começaram “na sexta-feira”, quando recebeu “um telefonema de um sócio de Coimbra a queixar-se que tinha recebido dois boletins da mesma lista”.

Na posse desta informação, os representantes de António Raposo Magalhães encetaram “uma série de contactos” e conseguiram apurar que teria havido outros casos semelhantes. Mais: nesse mesmo dia, o ACP já teria recebido queixas de vários sócios, “através do callcenter, do email e mesmo presencialmente”, que apontavam no mesmo sentido. Então, os alarmes dispararam.

O processo de votação para a presidência do ACP não é presencial. Durante o processo eleitoral, os sócios do Clube recebem, juntamente com a revista da associação, um folheto com as duas candidaturas e dois boletins de voto. Depois de escolherem a lista em que desejam votar, enviam por correspondência o boletim de voto selecionado para a morada registada para o efeito. No final, cabe à comissão eleitoral contar os votos e anunciar o vencedor.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora, a lista liderada por António Raposo queixa-se, precisamente, da atuação da comissão eleitoral. “Não me pergunte porquê, mas ninguém da direção ou da comissão eleitoral nos informou de nada”, garantiu Raposo Magalhães. Para o gestor da CGD a comissão eleitoral tinha obrigação de relatar o que estava a acontecer, até porque é composta por “funcionários do Clube próximos da atual direção” e, portanto, face às queixas registadas, não tiveram a “hombridade” de informar a lista concorrente.

“Sinceramente, neste momento, não quero pôr palavras em cima da mesa que depois me possa vir a arrepender. Mas esta situação é muito grave. Estamos a começar muito mal e este caso é uma nota muito negativa“, afirmou.

No entanto, a hipótese de impugnar as eleições não está, neste momento, nos horizontes da equipa de António Raposo. “No domingo vamos reunir com os nossos juristas e perceber o que pode ser feito. Mas na segunda-feira vamos [começar por] apresentar uma reclamação junto da presidência do clube e da comissão eleitoral e pedir que a documentação entretanto enviada seja totalmente anulada e que se proceda à impressão de um novo boletim diferente do anterior, que chegue a casa dos sócios em igualdade de circunstâncias”, explicou o gestor.

Só três queixas, diz Barbosa

Contactado pelo Observador, o atual presidente do ACP começou por negar que houvesse “qualquer irregularidade” e contou a sua versão do que terá realmente acontecido. O ex-vice presidente da área comercial do Sporting explicou ao Observador que tinham recebido “queixas de apenas três sócios” que reportaram três situações diferentes: o primeiro recebeu apenas boletins de voto da lista A, o segundo apenas da lista B e um terceiro recebeu os boletins corretos mas com um envelope referente ao Círculo dos Leitores.

Ou seja, defende Carlos Barbosa, o problema está relacionado com o processo de “envelopagem”, um “processo automático” da “única responsabilidade” da empresa distribuidora. O presidente da associação fez também questão de lembrar que este caso não é único na história das eleições, e que, “mesmo quando não havia listas da oposição”, houve casos de sócios que receberam em casa boletim de votos com problemas. Por isso, Carlos Barbosa admitiu que, nos próximos dias, “possa haver mais sócios” nesta situação.

Em relação ao facto de quer a direção do Clube, quer a comissão eleitoral não terem avisado a lista concorrente, o presidente da associação foi claro: “Não me competia a mim fazê-lo. Eu fiz aquilo que devia ter feito que era certificar-me que toda a gente recebia corretamente os boletins de voto”.

Quando foi conhecida a intenção de António Raposo de avançar para as eleições como alternativa a Carlos Barbosa, fontes próximas da candidatura explicaram ao Expresso que queriam, entre outras coisas, “renovar” e “restaurar a transparência” do ACP. Teceram, ainda, duras críticas à atual liderança, acusando o antigo dirigente do clube leonino de estar a usar o Clube como “púlpito de afirmação pessoal”. Além disso, a gestão de Carlos Barbosa, acusam os opositores, está manchada por processos de “alienação do património” da associação, nomeadamente “do edifício em frente à sede em Lisboa, na Rua Rosa Araújo, por €4,5 milhões”, assim como “das sedes de Coimbra e de Braga”, além de uma tentativa de vender no Porto.