António Costa vai reunir a direção alargada do partido esta terça-feira, que irá discutir duas coisas: os passos para clarificar o futuro interno e o que fazer com a minoria de deputados. Nos bastidores socialistas defende-se que o que o líder fez na noite eleitoral foi pressionar o Governo e devolver a pressão em dobro ao PCP e ao BE. Costa não fechou nenhuma porta a acordos e para alguns críticos o que o socialista fez foi “ganhar tempo”, enquanto espera pelo resultado das conversas do Presidente com Passos Coelho.
O clima interno, esse, está ao rubro. Costa vai propor a marcação de um congresso e já tem um opositor declarado: Álvaro Beleza. Assis não se mexeu para já, o que dá algum fôlego a costistas, que defendem que tem de haver esta clarificação. Certo é que os críticos lhe vão apontar os erros na campanha: o discurso à esquerda, a perda do centro e a não demarcação do anterior Governo.
O que fazer com esta minoria?
Antes da Comissão Política Nacional, António Costa vai encontrar-se com os novos deputados eleitos. E para já são 85 (menos um que o PSD), o que lhe retira um argumento que foi falado: o facto de ser o partido mais votado a ser chamado a formar Governo e não a coligação. A aritmética dos números mostra-lhe que, sem contar com os deputados eleitos pela emigração, tem o mesmo número de deputados em conjunto com o BE (104) que a coligação PSD/CDS. E há quem tenha pensado nestes números logo a seguir à declaração de Costa, quando este disse que não faria maiorias negativas, sem que daí resultasse uma alternativa credível. É o BE uma alternativa credível?
No rescaldo da noite eleitoral, houve quem falasse da possibilidade de as palavras de António Costa não fecharem totalmente uma aproximação a BE e PCP… estava lá uma condição agarrada. “O PS não contribuirá para maiorias negativas que criem obstáculos sem gerarem ao mesmo tempo alternativas credíveis de Governo”, disse. Ao Observador, um socialista do núcleo duro lembrou que nas palavras de Costa se pode ler que não deita o Governo abaixo “sem que a esquerda à esquerda mostre que viabiliza uma alternativa”. Daí o líder do PS ter falado em moções de censura “construtivas”. Mas este cenário, de o PS poder formar Governo ainda este ano depois de uma rejeição do programa de Governo, foi negada por alguns socialistas na praça pública. “Como é sabido, o PS e Bloco não fazem maioria (…). Um Governo minoritário não é solução a outro Governo minoritário“, disse Vieira da Silva à Antena 1. “O PS está mais próximo da coligação do que do PCP e BE“, aconselhou esta noite na RTP Augusto Santos Silva, dando por adquirido que os socialistas não derrubarão o Governo na apresentação do seu programa.
Para a reunião desta terça-feira, haverá quem vá defender que é preciso ter em atenção que o caminho de alinhar com o PCP e o BE na tentativa de um governo de “esquerda moderada não é viável por uma maioria no Parlamento”, mas que o PS não deve fechar a porta agora.
O desafio para uma alternativa de esquerda foi reforçado esta segunda-feira pelo líder da bancada parlamentar do PCP, João Oliveira, que disse que o PS “devia tentar formar um Governo” à esquerda, e pela coordenadora do BE, Catarina Martins, que voltou a pôr em cima da mesa as três condições para conversar com o PS.
Mas para já tudo alinha pela bitola do esperar para ver, até porque o “ónus”, disse Costa, está do lado dos vencedores das eleições e o PS ainda não sabe o que farão Passos Coelho e Paulo Portas. O primeiro-ministro falou de acordos com o PS, mas não está ainda explícito quais.
Costa defendeu que PSD e CDS têm de aprender com a perda da maioria e o ex-líder parlamentar Ferro Rodrigues veio acrescentar que a situação não é comparável ao Governo de Guterres uma vez que “era uma maioria do PS que era central e tinha à direita e à esquerda partidos de oposição”, afirmou. “Hoje a situação é diferente, visto que todo o Governo está de um lado e toda a oposição está de outro. Vamos ver quais são as propostas”, disse.
Mas há ainda outra espera: a do que Cavaco Silva dirá a Passos Coelho. Um deputado socialista diz ao Observador que espera que o Presidente da República exija uma maioria estável no Parlamento o que exigiria um acordo com o PS. Certo é que Cavaco Silva sempre falou na necessidade de um Governo com condições de governabilidade e pode insistir num entendimento entre PSD, PS e CDS. Não seria aliás, inédita, a tentativa.
Mas para se entender o que pode estar a passar pela cabeça do secretário-geral do partido pode recordar-se o que disse Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa no primeiro discurso após a noite eleitoral. Aos microfones das comemorações do 5 de outubro, o socialista defendeu “negociações pluripartidárias” porque “nenhum partido tem o direito de deixar o país refém da instabilidade e da sucessão de crises políticas”. O recado também era para dentro: cautela e caldos de galinha.
Congresso, mas só depois das presidenciais
Outro dos assuntos em cima da mesa na reunião dos socialistas esta noite será a clarificação interna. António Costa ouviu os críticos, que prontamente lhe exigiram responsabilidades, e decidiu avançar com a convocação de um congresso extraordinário que será precedido de congressos nas federações distritais também. A data não será certa, mas deverá ser só depois das eleições presidenciais. Um calendário que deverá ter o acordo dos críticos, que também concordam que esse congresso não deve prejudicar o ciclo das presidenciais e fragilizar ainda mais o partido, dividido entre a candidatura de Maria de Belém Roseira e do independente Sampaio da Nóvoa.
Costa disse que fica, mas esta terça-feira conheceu logo o adversário que irá disputar contra si – a não ser que candidato melhor posicionado, leia-se Francisco Assis – as diretas antes do congresso: Álvaro Beleza. E Assis mantém-se para já em silêncio e não tem dado indicações aos mais próximos que queira avançar para a liderança do partido, pelo menos para já. No dia de amanhã não marcará presença em Lisboa. Apesar de não fazer parte da Comissão Política Nacional – que reúne esta terça-feira -, há muitos socialistas que esperam que tome uma posição pública sobre as eleições deste domingo. Para já, o eurodeputado não parece disposto a entrar na disputa.
E há muitos socialistas que têm defendido a continuidade de António Costa. Um deles foi Manuel Alegre que defendeu a continuidade do líder socialista até porque o PS “não implodiu”. Outro foi Ascenso Simões. O ex-diretor de campanha de costa e cabeça-de-lista por Vila Real diz que Costa “fez bem”, mas que deve continuar a maturar a decisão “porque é mais difícil, mais exigente e mais desconfortável o caminho que se segue do que aquele que aqui nos trouxe”. Se “vier a identificar razões de saída, agora ou mais tarde, o PS não deve caminhar para a estagnação e deve dar um salto geracional sem qualquer medo”, defendeu no Facebook.
Os erros de Costa
Mas haverá ainda tempo para falar do passado. O que correu mal para o PS ficar seis pontos percentuais atrás da coligação? Os críticos têm uma lista: o ziguezague entre uma radicalização à esquerda (fechar a porta à viabilização do OE 2016) e o impulso do centro (com o cenário macro-económico de Mário Centeno), os problemas de organização (a polémica dos cartazes, colocar cabeças de lista de distritos rivais a discursar no terreno ao lado), pouca marcação em relação ao dia a dia da campanha do PàF, insuficiência em mostrar o lado mau dos quatro anos de governação, hesitações nas propostas (como na segurança social), permitindo que o discurso do medo feito por Passos e Portas colasse no eleitorado, dar gás ao BE ao elogiar o Syriza. São estes os principais pecados capitais de Costa, segundo conversas do Observador com ex-dirigentes de António José Seguro.
“Terão falhado muitos aspectos e não foram nem os episódios dos cartazes nem as deficiências de organização que levaram ao descalabro. Esta história feia começou mal e tropeçou nas últimas semanas numa estratégia incompreensível e desgarrada do entendimento dos cidadãos. Os portugueses nunca quiseram um PS radical, do contra pelo contra e cego à realidade do país”, defendeu, em artigo de opinião no Observador, Óscar Gaspar, ex-dirigente de António José Seguro.