O Estado deve promover modelos de negócio mais sustentáveis, defende Miguel Coleta, diretor de sustentabilidade da Philip Morris International. “O business as usual [tudo como dantes] é um beco sem saída do ponto de vista económico, social e ambiental”, afirma.
Esta foi uma das ideias-fortes da conversa “O Planeta Terra Neste Novo Futuro”, organizada pelo Observador em parceria com a Tabaqueira, que decorreu a 18 de novembro através de videoconferência, com moderação de João Miguel Santos, da Rádio Observador. Além de Miguel Coleta, também Helena Freitas, coordenadora do Centre for Functional Ecology e professora na Universidade de Coimbra, fez parte do painel de oradores, que tinha ainda prevista a intervenção de António Costa Silva, CEO da Partex, que acabou por não se juntar à conversa devido a problemas técnicos.
O impacto da pandemia da Covid-19 na biodiversidade — nos oceanos, na terra, no ar —, o papel das empresas neste contexto e as estratégias corporativas face ao futuro foram os temas de partida.
“As políticas públicas têm de ser indutoras das melhores práticas” ambientais por parte das empresas e dos consumidores, defendeu Helena Freitas, indicando que “há subsídios perversos aos combustíveis fósseis e à agricultura”. Ressalvou que “a transição é complexa e exigente” e nem todos os países estão igualmente preparados. “É preciso ter prudência, para que isto não traga maior desigualdade social. Há um risco nesta transição e cabe aos Estados garantir que não deixamos muita gente para trás.”
Referindo-se em concreto ao impacto da Covid-19, os dois intervenientes concordaram que o relógio do carbono não parou e que as crises climática e da biodiversidade continuam, apesar dos indicadores positivos que resultaram dos meses de confinamento na primeira vaga da pandemia.
“Houve uma série de limitações que a pandemia impôs e que tiveram um efeito ambiental imediato”, levando à redução das emissões de dióxido de carbono, referiu Helena Freitas, que citou estimativas recentes do Global Carbon Project: uma redução na ordem dos 7 a 8% nas emissões durante o primeiro semestre de 2020, devido ao fechamento das economias e à drástica redução na circulação automóvel e dos transportes. “É ótimo, mas claramente insuficiente, porque é temporário”, acrescentou Miguel Coleta, para quem que a descarbonização da economia, ou seja, a mudança de paradigma na atuação das empresas e dos cidadãos, é cada vez mais urgente. “Continuamos com níveis recorde de gases na atmosfera com efeito de estufa. Apesar da pandemia, atingimos este ano o valor mais alto dos últimos três milhões de anos. A acumulação a longo-prazo continua”, sublinhou o diretor de sustentabilidade da Philip Morris International.
Pode por isso dizer-se, e Helena Freitas defendeu-o, que o cenário para a próxima década, na sequência dos Acordos de Paris, de redução para metade de emissões de carbono “é um objetivo tremendamente ambicioso e muito exigente, porque obriga a uma mudança radical nas atividades e nos comportamentos”.
De resto, os estudos mostram uma correlação entre a violação do espaço ambiental e a ocorrência de surtos ou epidemias. “É previsível que estas situações de saúde pública possam acontecer com maior frequência e porventura com maior expressão” no futuro, apontou a professora da Universidade de Coimbra. “Independentemente da pandemia, mas certamente que a pandemia nos confronta com a nossa condição biológica”, teremos de nos aproximar mais da natureza, com respeito, porque só assim nos aproximaremos também “da nossa própria condição humana”, acrescentou.
“Hoje, temos na Europa uma agenda ecológica fantástica, com um caminho de compromisso com o planeta, desde a aposta nas energias renováveis, até à Estratégia de Biodiversidade 2020”, mas “esta agenda não contempla um conjunto de regras que façam com que respeitemos outros territórios com os quais temos relações comerciais”, pelo que “não é aceitável que estejamos a assumir uma agenda europeia e permitamos que esta agenda seja lesiva dos interesses de outras comunidades e territórios”, defendeu Helena Freitas. Como exemplo, a professora deu a importação atual de cerca de um terço da carne consumida pelos europeus, com origem nos países do Mercosul, ou seja, da América do Sul: “Sabemos perfeitamente que esta importação significa uma desflorestação muito intensa e inaceitável de algumas florestas tropicais, para expansão da agro-pecuária. Não há qualquer controlo sobre a forma como essa produção é feita, nem estamos a pensar se estamos a pôr em causa a floresta e as comunidades indígenas. A Europa sabe que não pode ser assim”.
Miguel Coleta deixou nota de que “a nossa consciência coletiva mudou para melhor”, apesar de a mudança dos hábitos individuais ser ainda “um processo lento”, que depende das empresas, mas fundamentalmente dos decisores políticos, através dos organismos reguladores do mercado: “com boas decisões, baseadas na evidência científica, vamos poder construir uma sociedade melhor, mais inclusiva e seguramente mais sustentável”.