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Andreia Reisinho Costa/Observador

Andreia Reisinho Costa/Observador

As celebridades desceram à terra (e ao Facebook). Acabou-se o mistério?

O mistério e o glamour de outro tempos ficaram em suspenso, colados à tela do grande ecrã. Hoje as celebridades parecem estar cada vez mais acessíveis e, para alguns, demasiado expostas.

Contas no Twitter e no Instagram, páginas de Facebook e canais de Youtube. Famoso que é famoso está pronto a partilhar com a comunidade de fãs o mais recente feito, seja o dia passado na praia ou a salada de almoço num dia de verão. O mistério colado à vida privada das celebridades ficou, em alguns casos, para trás, e o glamour que persiste está à distância de um clique. Está, há quem pense, perto demais.

Recuemos algumas décadas: conhecer os interesses, gostos e paixões de algumas celebridades era coisa tão rara como um ano ser declarado vintage no mundo dos vinhos. Nomes como Cary Grant ou Clark Gable faziam parte de uma lista de atores cujo estrelato era inegável. Eram tidos como deuses na terra, com aparições esporádicas e uma vida mediática seguida de perto pelos poderosos estúdios de Hollywood que os controlavam ao milímetro, palavra do crítico de cinema Eurico de Barros.

O controlo apertado servia para criar uma imagem “distante e limpa” dos contratados e diz respeito ao já apelidado star system dos anos de ouro de Hollywood, um método usado pelos estúdios para lançar jovens e promissores atores — a ideia era mergulhá-los em glamour e dar-lhes uma imagem distinta, a roçar a perfeição. Havia, inclusive, cláusulas morais adicionadas aos contratos que obrigavam as mulheres a serem, em público, umas autênticas ladies, enquanto os homens tinham, nas mesmas circunstâncias, de vestir a pele de gentlemen.

Rock Hudson

Hulton Archive/Getty Images

Rock Hudson foi um dos atores sujeito a este sistema. À data eram poucos os que sabiam que a estrela era homossexual, uma realidade oculta que contrastava com a imagem viril que era projetada cá para fora. Hudson chegou a casar-se com uma secretária do estúdio para o qual trabalhava e foi só após a sua morte — o ator morreu de SIDA — que se descobriu a verdadeira orientação sexual. “Com o declínio dos grandes estúdios isso acabou. Os atores começaram a ter mais autonomia e isso vem desembocar neste atual período de sobre-exposição”, argumenta o crítico. Onde antes havia um controlo total, agora “é cada um por si”.

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A vida privada de Hudson esteve, bem ou mal, durante muito tempo no segredo dos deuses, coisa que talvez hoje acontecesse com maior dificuldade. Nos dias que correm sabe-se instantaneamente quando a cantora norte-americana Taylor Swift começa uma relação — e, já agora, quando a termina, poucos meses depois. E também se está permanentemente a par da mais recente extravagância do clã Kardashian — essa tinta nunca pára de correr.

20 fotos

Para efeitos deste artigo pesquisou-se na internet, em inglês, a palavra “celebridades” seguida da dupla “mistério e glamour”. Um dos primeiros resultados foi um fórum como tantos outros, onde se destacava o comentário de um utilizador que alegava que as celebridades eram bem mais divertidas quando partilhavam menos, quando eram mais misteriosas, numa altura em que a imaginação era das poucas ferramentas capazes de retratar a esfera privada de uma estrela.

A presença das redes sociais tem provado a sua enorme utilidade no crescimento de negócios e projeção de marcas. A mesma lógica aplica-se às celebridades, ainda que se possa questionar se a constante partilha de uma estrela pode ou não afetar a relação desta com os fãs. Para Eurico de Barros, isto reflete uma ilusão de proximidade e de intimidade. “As pessoas expõem demais e quando fazem disparates isso é amplificado. Claro que há atores discretos, mas a tendência agora é para a sobre-exposição”, repete Eurico de Barros, referindo que o mau uso das redes pode até danificar uma carreira. “Há famosos a pedir desculpa por coisas que disseram publicamente. Estamos no extremo oposto de quando os estúdios todo-poderosos controlavam as carreiras.”

Humphrey Bogart

Mitchell/Getty Images

Mística e mistério são palavras que Júlio Isidro anexa sem hesitações às celebridades dos anos de ouro de Hollywood. O apresentador de 71 anos resgata da memória a admiração por Humphrey Bogart — cujo último filme estreou, faz este ano, seis décadas — para comentar que não queria saber dos cigarros que o ator fumava ou dos copos de whisky que bebia. Isidro construiu uma imagem de Bogart — tal como de Marlon Brando e de John Wayne — com base no que o viu fazer. Pouco lhe interessava o que havia por detrás do estrelato; pouco lhe interessava os motivos por que “Bogie” foi levado pelo cancro, que lhe chegou a custar o esófago e dois gânglios, pouco depois de completar 57 anos.

Bogart morreu em 1957, oito anos depois de a protagonista de “África Minha” e de “As Pontes de Madison County” nascer. Meryl Streep, a grande Meryl Streep, “não é famosa, é uma grande atriz”, defende Júlio Isidro, colocando-a num patamar de estrelato ao qual, hoje em dia, poucas e poucos parecem conseguir ascender, apenas sonhar. Precisamente por isso, perguntamos ao apresentador português o que vai acontecer às gerações futuras que não vão ter oportunidade de viver a fama de outros tempos, impregnada de mistério e de mérito (não desfazendo profissionais de relevo nos dias que correm, tal qual um Leonardo DiCaprio).

“Vão perder a ilusão, que é uma coisa que não perdi. Já vi 50 vezes o Casablanca e continuo a gostar”, responde Júlio Isidro, que faz um salto dramático para o cinema português. “O que é que me interessou saber que o Vasco Santana teve inúmeras aventuras? Certo que é uma ternura saber que o António Silva era bombeiro, mas é agora que se sabe. O que me interessa é o mito que Beatriz Costa criou de si própria.”

Beatriz Costa

wiki commons

Para Isidro o futuro imediato vai ter uma lacuna considerável, com a ausência do que considera serem “celebridades institucionais”, e usa a geração das suas filhas, ambas adolescentes, para se explicar: “O Justin Bieber, que é um cantor vulgaríssimo, é o exemplo da fama que resulta de se dar uma chapada no jornalista, etc. Os fãs parecem sobreviver aos seus maus comportamentos, como se a fama se conquistasse pelo choque. Não, a fama conquista-se pelo afeto. O nosso presidente [Marcelo Rebelo de Sousa] roubou-me o conceito: eu faço televisão com afeto, ele faz presidência com afeto.”

“O Justin Bieber, que é um cantor vulgaríssimo, é o exemplo da fama que resulta de se dar uma chapada no jornalista. Os fãs parecem sobreviver aos seus maus comportamentos, como se a fama se conquistasse pelo choque. Não, a fama conquista-se pelo afeto."
Júlio Isidro

Redes sociais que desfazem o mito

Para muitos Dakota Johnson é apenas a rapariga envergonhada que se despe sucessivas vezes no filme “As 50 Sombras de Grey”. Para outros é a filha do duo de atores Melanie Griffith e Don Johnson, que muito furor já fizeram em Hollywood. Aos 26 anos, Dakota é de uma geração de atores muito diferente da dos seus pais, não que a idade do bilhete de identidade esbata a “velha alma” que a caracteriza: no início do ano, a atriz contava em entrevista à revista do site Net-a-Porter que ainda aspirava aos anos dourados do cinema, quando existia uma aura de mistério associada aos grandes atores.

“[Hoje em dia] já não há mistério, já não há elegância. Os Globos de Ouro, por exemplo, costumavam ser tão especiais. Era uma altura em que podíamos ver as nossas pessoas favoritas, que estavam a fazer os nossos filmes favoritos, a interagir uns com os outros; (…) a serem atraentes e encantadores. Não se viam atores a não ser que eles estivessem na passadeira vermelha, eles não eram continuamente fotografados. Agora qualquer pessoa pode tirar uma fotografia minha e eu posso tirar uma fotografia de qualquer pessoa, a qualquer momento. Sinto que algo se perdeu. É um bocadinho de magia que está a fugir por entre os dedos.”

Talvez o glamour de outros tempos esteja em falência com o domínio dos smartphones, das redes socais e dos media que tornam público todos os esgotamentos nervosos e/ou comportamentos mais erráticos das celebridades que, curiosamente, parecem ser amadas por serem ou agirem como nós, comuns mortais. Esta é a teoria em jogo no artigo “The Changing Nature Of Fame” publicado em julho deste ano na página Highsnobiety, dedicada à descoberta de novas tendências em diversos segmentos, da moda à arte e à música.

Nem de propósito, faz pouco tempo Susana Romana assinou um artigo no Observador sobre Britney Spears, a eterna princesa da pop, descrevendo a vaga saudade que tinha em recordar a vida publicamente desvairada da cantora por contraste ao excessivo controlo exercido sobre tantas outras artistas: “Numa altura em que as estrelas pop do momento — como a omnipresente e control freak Taylor Swift — levam quase a desporto olímpico a supervisão de tudo o que é publicado sobre elas, há alguma saudade em recordar a cantora de “Toxic” em 2007, desvairada da vida, guarda-chuva feito sabre de luz improvisado, a bater em fotógrafos e a rapar o seu próprio cabelo no cabeleireiro Esther’s, na Califórnia”.

Jennifer Lawrence na cerimónia dos Óscares de 2012

Kevin Winter/Getty Images

Nem mais. Há celebridades que são continuamente elogiadas pela sua autenticidade. É o caso da atriz Jennifer Lawrence, cujas piadas e expressões faciais pouco convencionais têm feito a delícia de muitos. Não esquecer da vez em que Lawrence caiu em plenas escadas quando se preparava para receber, em 2012, o Óscar de Melhor Atriz Secundária pelo seu papel no filme “Guia Para Um Final Feliz”. A queda emocionante e emocionada só nos fez gostar mais dela — e Jennifer continuou a cair em passadeiras vermelhas e a subir na escala da popularidade global (em 2016 foi outra vez a atriz mais bem paga do mundo).

É importante lembrar, tal como faz João Pedro Ferreira, fundador e CEO da agência de comunicação Keep it Real, que as redes sociais são fundamentais para promover o trabalho e também para projetar uma imagem real das figuras públicas. Mas…porquê real? A resposta traz clareza: “É certo e sabido que muitas vezes as figuras públicas são acompanhadas por uma imagem distorcida ou pelo seu passado, pelos trabalhos que fazem (ou fizeram), pela comunicação social ou simplesmente por opiniões pessoais formadas pelo grande púbico.” É por isso que as redes sociais são vistas como uma oportunidade única, até porque, de uma maneira ou de outra, tudo acontece ou vai parar ao universo digital.

“Deverá existir um princípio básico na relação [celebridade-fãs] que não pode ser desrespeitado, que é a transparência. Trabalhamos no sentido de comunicar as celebridades enquanto pessoas normais, com hábitos muitas vezes iguais aos nossos.”
João Pedro Ferreira, CEO da agência de comunicação Keep it Real

Sim, já não vivemos na época do secretismo mas, segundo João Pedro, as pessoas “vivem aterrorizadas pelo mistério e querem saber tudo sobre tudo“. E sobre todos. Daí que a estratégia da autopromoção de figuras públicas nas redes sociais passe pela humanização das mesmas: “Deverá existir um princípio básico na relação [celebridade-fãs] que não pode ser desrespeitado, que é a transparência. Trabalhamos no sentido de comunicar as celebridades enquanto pessoas normais, com hábitos muitas vezes iguais aos nossos, expondo tudo isso de forma a que exista uma aproximação natural entre figura pública e a respetiva comunidade.”

A estratégia descrita serve para quebrar o paradigma do endeusamento da celebridade, mas até aqui há coisas a evitar, desde a publicação de fotografias de família ou de locais privados habitualmente frequentados à partilha de opiniões sobre temas sensíveis à sociedade — e aqui o futebol anda lado a lado com a política e a religião, uma vez que a “rede social (ainda) não será o melhor lugar para abrir o livro de vida de quem quer que seja”.

Mais, hoje em dia, as celebridades são pouco relevantes a não ser que dissequem a sua própria fama, lê-se ainda no artigo publicado no Highsnobiety. Aquilo que parece ser um contrassenso é mais facilmente explicado quando temos em conta o filme-musical e o álbum “Lemonade” de Beyoncé, que parece ser sobre uma relação tão conturbada tal como a da própria artista com o companheiro de 12 anos — um tal de Jay Z. Outro exemplo mais óbvio é o projeto “Famous” de Kanye West, cantor que “juntou” numa mesma cama personalidades como George W. Bush, Donald Trump, Anna Wintour, Rihanna, Caitlyn Jenner ou Bill Cosby.

Parece óbvio que estamos perante um conceito de fama muito diferente, com celebridades cada vez mais públicas e cruas, uma realidade que terá vindo para ficar. O glamour de outros tempos fica reservado para a memória de quem os viu ou viveu, e ainda na mensagem subliminar que um Casablanca desperta a cada visualização, mesmo que a fita já tenha rodado umas 50 vezes, como diz Júlio Isidro. Afinal, we‘ll always have Paris.

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