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Bernardo Sassetti em palco, ao piano, no final de 2006, poucos meses antes do concerto na Culturgest agora lançado em disco
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Bernardo Sassetti em palco, ao piano, no final de 2006, poucos meses antes do concerto na Culturgest agora lançado em disco

Bernardo Sassetti em palco, ao piano, no final de 2006, poucos meses antes do concerto na Culturgest agora lançado em disco

Bernardo Sassetti: um concerto, um disco e um trio para celebrar "o rapaz que nunca parou de evoluir"

Em 2007 celebrou 10 anos de trio na Culturgest. O concerto está agora em disco e é apresentado no mesmo palco. Estivemos no ensaio com João Paulo Esteves da Silva, Carlos Barretto e Alexandre Frazão.

— É muito triste, mas eu gosto muito deste.
— Também gosto.

João Paulo Esteves da Silva e Carlos Barretto falam sobre “Outro Lugar” como um dos temas a incluir no repertório do concerto que vão dar esta quarta-feira em Lisboa, no grande auditório da Culturgest, em homenagem a Bernardo Sassetti. Pianista e contrabaixista aguardam pela chegada do baterista, Alexandre Frazão, para começarem o ensaio.

Barretto e Frazão faziam parte do trio de Sassetti que, em 2007, deu um concerto de celebração dos seus 10 anos de existência precisamente na Culturgest e cuja gravação acaba de ser editada em disco pela Clean Feed Records. “O disco intitula-se simplesmente Culturgest, 2007 pela dificuldade que é dar um nome ao filho de outro, neste caso a um disco do Bernardo, sabendo-se o quanto ele ligava aos detalhes”, explica, via email, Pedro Costa, da Clean Feed. “Optámos por uma coisa meramente descritiva. A profundidade está toda na música.”

“Posso tocar o solo ‘Sonho dos Outros’ lá pelo meio”, sugere Esteves da Silva ainda no início do ensaio. Ao que Barretto contrapõe: “tem muita tristeza aí…” O pianista não desarma e lembra que vão homenagear Sassetti, que não se trata de uma festa. Sassetti morreu em 2012 aos 41 anos, na sequência de uma queda numa falésia do Guincho.

A capa do disco agora editado pela Clean Feed, com a gravação do concerto do Bernardo Sassetti Trio na Culturgest em 2007

A questão da tristeza vai ser discutida durante todo o ensaio. “O último disco dele, Motion, ouço aquilo e é uma espécie de… é premonitório. Faz-me muita confusão”, confidencia Esteves da Silva. “‘O Homem que Diz Adeus’ já está do outro lado da tristeza. O homem que diz adeus estava sempre a sorrir e a dizer adeus, mas é uma história tão triste.”

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“Não era o facto de a música dele ser triste, era ter espaço. Tinha cada vez mais silêncio. O que levava à sensação de que era triste”, defende Carlos Barretto. Os dois músicos debatem a diferença entre tristeza e melancolia. “A melancolia, para mim, é tristeza em potencial. Ou um prazer com a tristeza, se quiseres”, considera Esteves da Silva.

Bernardo Sassetti: os discos póstumos que aí vêm, o humor “sempre presente” e o piano que o levou aos Açores

Numa pequena sala de canto de um espaço de rés-do-chão da Rua Marquês de Ponte de Lima, à Mouraria, uma rua que a descer tem a igreja da Graça, imponente, a ver-se de entre as árvores de um lado e do outro do passeio, um piano vertical tem o tampo do teclado levantado e, encaixado atrás, está um livro de cuja capa apenas consegue ler-se Tolstoi.

As paredes do compartimento de ensaio encontram-se remendadas com diferentes composições de azulejos e, junto ao canto da janela, está montada a bateria. A luz quente do candeeiro de teto, feito de vime, dá um tom especialmente dourado aos tambores cor de mel. É como se a bateria estivesse em palco, iluminada a meia-luz, à espera de começar a atuar.

João Paulo Esteves da Silva começa a tocar no piano. O corpo do som saído das teclas é maior que a pequena sala. Esteves da Silva toca o tema “Reflexos Movimento Circular”, do álbum Motion, e Barretto entra de mansinho com os graves do seu contrabaixo. “Hoje não vou falhar notas. Amanhã espero falhar notas”, diz Esteves da Silva a brincar.

“O Bernardo é daqueles músicos insatisfeitos”, complementa Esteves da Silva. “Somos muito diferentes como músicos, apesar de nos cruzarmos aqui e ali, mesmo do ponto de vista do estilo. Mas há uma coisa que é sempre comum: somos pessoas que não estão bem no sítio onde estão e estão sempre à procura de outra coisa.”

Do repertório escolhido faz também parte “O Homem que Diz Adeus” (Motion). Sem a harmonia dada pela bateria – Frazão ainda não chegou –, os sons desnudados e proeminentes do piano dão a ver o pendor clássico, mais do que jazzístico, das composições de Sassetti de final da carreira. Barretto mantém o seu som na penumbra, como se fosse sempre esse o lugar a que o contrabaixo se relega.

“As coisas dele foram-se aproximando cada vez mais da música clássica. Descobriu o [Federico] Mompou [compositor catalão], apaixonou-se pela música do Mompou. Ele é um rapaz que, mesmo estilisticamente, nunca parou de evoluir”. Não é a primeira vez (não seria a última) que, durante a tarde, Esteves da Silva se refere a Sassetti no presente.

“Ele era muito novo e cheio de talento. Começou a escrever música muito cedo, também”, conta Carlos Barretto. “A princípio, gostava muito de música latino-americana, salsa. Gravou o Salsetti [1994].” Esteves da Silva lembra uma fase anterior do músico, a fase do hard bop, que não chegou a ser muito conhecida porque não existem gravações feitas. “Quando apareceu, tocava como o Kenny Kirkland”, extrapola Esteves da Silva.

A dada altura do ensaio, Carlos Barretto diz ter de entrar também no repertório do concerto desta quarta-feira temas da autoria do próprio João Paulo Esteves da Silva. “Tenho uma proposta, ‘Malhão, Triste Malhão’. Chega de tristezas”, propõe o pianista. Uma fileira de azulejos com cachos de uva preta pintados sobressai à vista. Esteves da Silva compôs outras duas canções que entram no alinhamento do concerto: ‘Peça em Sol Menor’ – o tom preferido de Sassetti – e ‘Peça em Sol Maior’, uma composição escrita hoje.

“Vamos apontar as coisas”, diz Esteves da Silva, referindo-se aos temas que farão parte do alinhamento. “Acho que dez é o limite”, complementa Carlos Barretto. À lista juntar-se-á também uma das canções preferidas de Bernardo Sassetti, “Little Sunflower”, da autoria do trompetista norte-americano Freddie Hubbard.

Alexandre Frazão na bateria e Carlos Barreto no contrabaixo, músicos que formavam o trio com Bernardo Sassetti, durante o ensaio com o pianista João Paulo Esteves da Silva (fotos de Vera Marmelo)

Vera Marmelo

Alexandre Frazão chega e pergunta pelo “programa das festas”. Diz não precisar de pautas, sabe ainda os temas de cor. Adapta a altura do banco e coloca alguns pratos na bateria. “Vou só pôr um acorde novo, para complicar um bocadinho mais”, diz Esteves da Silva. Tocam de novo o primeiro tema que interpretaram neste ensaio, “Outro Lugar” (do álbum Ascent, editado em 2005). O som polvilhado em mil bocadinhos, tão característico da bateria que toca jazz, começa a ouvir-se, seja através do uso de baquetas amortecidas na ponta por esponjas, seja por vassouras ou até pelos próprios dedos do baterista.

Ascent tem algo que ainda o torna o mais especial. O que se houve quando o disco roda é, na verdade, um duplo trio, já que colaboraram também nele Aida Zupancic no violoncelo e Jean-François Lézé na bateria. Já o primeiro, Nocturno (2002) fora um marco do jazz contemporâneo português pela carga especialmente cinematográfica da sua sonoridade. Sassetti participou, inclusive, no filme “O Talentoso Mr. Ripley”, de Anthony Minghella, a tocar piano.

“Qualquer um destes discos causou enorme impacto no jazz em Portugal que, se fosse um país mais central a todos os níveis, certamente teria muito mais repercussão internacional”, considera Pedro Costa. “O trabalho que o Bernardo fez em disco, especialmente depois de Nocturno (2002) é de uma consistência, qualidade e identidade fora do comum. O trio já levava 6 anos de atividade quando gravou o seu primeiro disco e isso é algo que não se vê muito.” E acrescenta: “O Bernardo quando gravou o Nocturno já sabia muito bem o que queria de um trio já rodado e tinha um entendimento daquela música notável. Tenho a certeza que estes discos fazem parte da melhor música feita em Portugal desde sempre.”

João Paulo Esteves da Silva: “Num ensaio de som, na Guarda, o Bernardo começou a fazer um groove e eu e o Barretto começámos a partir. Lá estava o pessoal técnico, que não nos conhecia de lado nenhum, a ver de repente o Sassetti a sair do piano e a ajoelhar-se para nos fazer vénia. As pessoas pensam que era só tristeza e seriedade, mas não é verdade. Ele punha toda a gente a rir.”

“O Bernardo é daqueles músicos insatisfeitos”, complementa Esteves da Silva. “Somos muito diferentes como músicos, apesar de nos cruzarmos aqui e ali, mesmo do ponto de vista do estilo. Mas há uma coisa que é sempre comum: somos pessoas que não estão bem no sítio onde estão e estão sempre à procura de outra coisa.” Carlos Barretto refere que Sassetti ambicionava uma renovação constante de si mesmo.

Não é a primeira vez que este trio — Esteves da Silva, Barretto e Frazão — se junta para tocar música de Bernardo Sassetti. A 24 de junho, dia de aniversário do músico, o trio tocou no Hot Clube a convite do clube de jazz lisboeta e da Casa Bernardo Sassetti.

Esteves da Silva diz não sentir necessidade de mimetizar a interpretação de Sassetti. “Não sinto pressão para tocar. Há música para fazer, a minha missão é fazer música o melhor que posso. Neste caso, tento, evidentemente, ir ao encontro da música do Bernardo”, esclarece. “Se consigo tocar a música do outro é porque na música do outro há lugar para mim, inteiramente.”

“Um bom compositor, ou um bom músico, quando tem confiança no outro, é como um bom realizador de cinema – o Bernardo adorava cinema e fotografia”, conta Alexandre Frazão. “Um realizador quando tem confiança num ator vai deixá-lo interpretar. Não vai dizer ‘pára’ ou ‘faz assim’.”

A luz branca e incisiva da máquina “ATM” instalada no outro lado da rua é tão intensa que consegue entrar janela adentro, espreitando pelo ombro de Alexandre Frazão enquanto toca. O dia começa a escurecer.

"Tenho a certeza que estes discos fazem parte da melhor música feita em Portugal desde sempre", diz Pedro Costa, da editora Clean Feed

Vera Marmelo

Frazão faz questão de não ir embora sem frizar o lado “extremamente divertido” de Bernardo Sassetti. “Num ensaio de som, na Guarda, o Bernardo começou a fazer um groove e eu e o Barretto começámos a partir. Lá estava o pessoal técnico, que não nos conhecia de lado nenhum, a ver de repente o Sassetti a sair do piano e a ajoelhar-se para nos fazer vénia. As pessoas pensam que era só tristeza e seriedade, mas não é verdade. Ele punha toda a gente a rir.” Esteves da Silva partilha também a cena recorrente que Sassetti fazia, uma vez que tinha problemas de costas: pegava numa garrafa de plástico e esmagava-a atrás do pescoço para simular que a coluna estava a partir-se toda.

O sentido de humor também foi marcante no concerto de 2007, na Culturgest. “Ele disse algumas graças – não entraram todas no disco – que algumas pessoas não perceberam. Não sabiam se estava a falar a sério ou não”, salienta Alexandre Frazão. “Há uma que acho que ficou, quando ele disse: ‘Estamos a comemorar 12 anos de trio. Mas, para ser muito honesto, são dez. Porque dois não serviram para nada.’ As pessoas ficaram sem saber se batiam palmas ou não. Era uma graça, estava a gozar.”

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