A campanha de Marisa Matias pode resumir-se em duas fases, correspondentes às duas últimas semanas. Uma primeira de ações mais localizadas, com eleitorados mais definidos e sem mobilização de massas. A segunda, correspondente à segunda semana, contou com uma aposta forte em arruadas e visitas a mercados e feiras, promovendo o contacto popular e investindo num formato mais telegénico.
Quando as sondagens e as reações estavam no ponto, a campanha abrandou, entrou em piloto automático, e chegou a esta sexta-feira com o Bloco de Esquerda bem posicionado para eleger dois ou três mandatos. E com as expectativas em alta. Embora para fora o discurso se mantenha acautelado — “respeitamos as sondagens, mas os votos não são nossos, são das pessoas”, repetiu insistentemente Marisa Matias — a confiança crescente no seio da comitiva bloquista tornou-se indisfarçável. Sobretudo nos últimos três dias.
É neste clima de esperança que o BE encerra a sua campanha esta sexta-feira. Primeiro com uma arruada na Rua de Santa Catarina, no Porto, que voltou a correr bem à candidata; e, depois, com o comício de encerramento em Coimbra, cidade da cabeça-de-lista do partido para estas eleições europeias.
A opção por assumir esta dicotomia de ritmos entre a primeira e a segunda semana de campanha foi arriscada. Arrancar com uma mobilização aparentemente escassa podia trazer a imagem de uma candidata que não sai da zona de conforto e que apenas fala para eleitorados que lhe são favoráveis. Algo que acabou por não acontecer porque nas outras campanhas se assistia a um conjunto de ataques pessoais que deixavam Marisa Matias de fora desse tipo de campanha.
Quando a campanha ameaçava tornar-se previsível e morna, a comitiva foi para a rua e apostou no contacto popular. Um tipo de iniciativa em que a candidata costuma sair-se bem. Mas havia um outro fator que o Bloco de Esquerda queria testar nestes contactos: como tinha ficado o capital que a candidata conseguira obter em 2016, quando se candidatou às presidenciais?
De acordo com as sondagens e com a reação das ruas, esse capital mantinha-se intacto. Eram bons números — 10,12% — e replicá-los nestas eleições seria um novo bom resultado para o partido. Estando ainda fresco, era só não o estragar. Foi isso que o Bloco de Esquerda fez. No domingo haverá a resposta definitiva sobre se esta tática foi eficaz.
Alto. Arruada na Rua de Santa Catarina. O contacto com os apoiantes do BE no Porto tinha sido o momento alto da campanha das legislativas de 2015. Nesta campanha o objetivo era, com as devidas diferenças de mobilização entre os dois atos eleitorais, replicar o momento. Com Catarina Martins e Marisa Matias a liderar a comitiva que desceu a Rua de Santa Catarina esta tarde foram vários os momentos em que a candidata foi interrompida no percurso para ser cumprimentada ou para tirar uma fotografia. Desciam uns metros, uma interrupção. Tanto a coordenadora do BE como a eurodeputada paravam longos segundos para ouvir palavras de força. Mesmo com a pressa de fugir à arruada do PSD que começaria instantes depois na mesma rua portuense, Marisa Matias não dizia que não a “só uma selfie” ou a um abraço. Não teve a pujança da arruada de 2015. Mas foi um bom momento da campanha.
Baixo. A primeira semana teve momentos em que as ações, apesar de direcionadas para temas europeus, não empolgavam. Os primeiros dias, que iam sendo animados por outros lados, eram algo cinzentos e demasiado formais na campanha do Bloco de Esquerda. Se tivesse ficado apenas pelo tipo de ações desses dias — visitas a fábricas ou centros de saúde — a campanha ter-se-ia tornado aborrecida e demasiado previsível.
O Bloco de Esquerda partiu com o objetivo, várias — demasiadas — vezes calado, de eleger dois eurodeputados. Nunca o disse de forma categórica nem nunca falou em números. Francisco Louçã, no fim da arruada no Parque das Nações no sábado passado, foi quem esteve mais perto de o fazer, quando reconheceu que “esse era um objetivo”. Mas não selou a questão. Até porque o discurso dos bloquistas foi sempre o de garantir que era possível “aumentar a representação”. Assim. Sem números.
Com o decorrer da campanha, e com José Gusmão presente em todas as ações, tornou-se evidente que o partido queria enviar o número dois para o Parlamento Europeu, como assumiu Fernando Rosas no comício de Leiria, ainda na primeira semana. Mas havia uma dúvida que pairava na cabeça de toda a gente: terá o Bloco de Esquerda a ambição de eleger dois ou… três mandatos? Do lado bloquista, a mesma parede: “Queremos apenas aumentar a representação”. A resposta era redonda e pouco esclarecedora. Nas entrelinhas, era possível ler mais.
As sondagens animaram o partido, algumas apontaram para a eleição de três eurodeputados e o próprio José Gusmão foi tendo mais destaque. No comício da noite passada fez provavelmente a intervenção mais politizada e com maior carga ideológica de toda a campanha. Minutos depois Catarina Martins já assumia que queria o voto também no número dois e no número três.
Depois de ter entrado para a campanha a disputar um segundo eurodeputado, o Bloco chega ao fim a querer disputar o terceiro. A campanha correu bem e elevou as expetativas. Falta domingo.
Esta fotografia pode resumir não apenas o último dia de campanha do Bloco de Esquerda, que só contou com uma arruada no centro do Porto além do comício de encerramento, mas também um pouco a campanha de Marisa Matias. Desempoeirada no que toca ao contacto pessoal e muito solicitada pelo eleitorado feminino.
Na arruada desta tarde, Marisa Matias quebrou muitas vezes a barreira de segurança improvisada por apoiantes bloquistas para cumprimentar pessoas que, ao longe, lhe diziam adeus.
A única ação da tarde foi uma arruada na Rua de Santa Catarina, no Porto, seguida do jantar-comício de encerramento na Quinta dos Jardins, em Coimbra. Com esta última viagem a caravana bloquista ultrapassou a barreira dos seis mil quilómetros. O papa-quilómetros no BE encerra com 6.087 quilómetros feitos.