Sempre que come uma peça de fruta, saboreia uma bebida na esplanada ou escolhe uma peça de roupa está a gastar água. Pode não a ver a jorrar da torneira como quando não a fecha ao escovar os dentes, nem a dar voltas na máquina de lavar roupa quando a utiliza por causa meia dúzia de t-shirts. Mas está a consumir água em quase todas as decisões que toma desde que acorda até se ir deitar.

Os truques básicos já todos sabemos e os elementos mais novos da família até os aprendem na escola: é preciso tomar banhos mais curtos, lavar a loiça na máquina em vez de manualmente quando isso é possível e ter atenção às descargas do autoclismo. Mas se pensarmos fora da caixa, até onde pode realmente ir o empenho de cada um na poupança de água?

Foi a pergunta que colocámos a Francisco Ferreira, professor na área do Ambiente na Universidade Nova de Lisboa e presidente da Associação Zero; e a Sara Correia, engenheira do Ambiente e técnica na mesma associação. Ambos os peritos partilharam com o Observador ideias inusitadas para poupar água — e estas são 10 soluções que podem ajudar a combater a seca.

Transforme a sua casa numa “jungle” de plantas secas. É uma moda de decoração que ganhou adeptos durante a pandemia para trazer a natureza para dentro de casa quando sair à rua não era opção: a “selva urbana” passa por decorar uma divisão com mais plantas — muito mais plantas — do que um vaso com um simples bambu-da-sorte. Se é fã desta forma de decoração, escolha plantas que necessitam de menos água, como catos ou ramos de plantas campestres secas. Se as suculentas não são do seu agrado, adote a Espada de São Jorge, a árvore da borracha, a pata de elefante ou a gravatinha. Empurre as plantas que mais gostam de humidade, como os fetos ou a areca-bambu, para a casa de banho. E na cozinha escolha loureiros.

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Não lave os dentes enquanto espera que o condicionador do cabelo atue. Parece contra-intuitivo, mas aproveitar o período de atuação de um produto para o cabelo no banho para lavar os dentes não ajuda a poupar água. Se, na pior das hipóteses, mantiver a torneira do lavatório aberta enquanto escova os dentes por dois minutos, vai desperdiçar 18 litros de água. Se o fizer no banho, onde o caudal e a pressão do chuveiro é ainda maior, serão até 50 litros de água a ir pelo cano abaixo. A solução é só uma: feche a torneira enquanto o condicionador funciona e vá armazenando a água fria que sai quando a volta a ligar para a reaproveitar mais tarde. Quanto à lavagem dos dentes, é o conselho de sempre: feche a torneira enquanto os escova.

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Faça xixi no banho. Sempre que descarrega o autoclismo está a deitar 10 litros de água pela sanita abaixo. Na maior parte das vezes não precisa de tanto — e por isso é que, entre as dicas mais comuns para poupar em casa, está o truque de colocar uma garrafa cheia de pedras no depósito para que não acumule tanta água; ou então instalar autoclismos de duplo depósito, para escolher a quantidade de água em função da necessidade real. Mas há uma forma de poupar um depósito inteiro de água para o autoclismo: urinar no banho, por exemplo enquanto lava o cabelo ou ainda se está a molhar. A urina é rapidamente desperdiçada no duche, empurrada pela água corrente, e assim até se limpa enquanto toma banho.

Não beba água engarrafada: escolha antes a água potável das torneiras. Quando vai ao supermercado e compra uma garrafa de água, não está a consumir apenas a quantidade que surge no rótulo. É que, por cada litro de água que é engarrafada, são utilizados três litros durante o processo de produção — incluindo a fabricação da própria garrafa. O melhor (e ainda por cima mais barato) é aproveitar a água que sai das torneiras, evitar as garrafas de plástico descartáveis e escolher as embalagens de vidro caso precise mesmo de comprar uma garrafa.

Diminua a “água invisível” que consome. Tem a certeza de que precisa mesmo de comprar esse berbequim para as remodelações que está a fazer em casa? E a blusa que viu na montra, faz mesmo falta no seu armário? A maior parte da água que consumimos no quotidiano não é a que se gasta a lavar a loiça, a tomar duche ou a regar o jardim: chama-se “água invisível” e esconde-se em produtos como a comida e a roupa, os livros e os telemóveis, o mobiliário ou os combustíveis. Um dos truques para diminuir a “água invisível” que consome é evitar compras desnecessárias e praticar a economia circular: talvez tenha um amigo que lhe possa emprestar o berbequim por umas horas e possa comprar uma blusa parecida em segunda mão.

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Coma mais carne de frango e menos carne bovina. Sim, os animais que consumimos na nossa alimentação também têm uma pegada hídrica, mas a produção de frango exige menos água do que a produção de carne de vaca. Entre a irrigação dos alimentos que os animais comem, a água que bebem, a limpeza das instalações onde são mantidos e todo o processo desde que são abatidos até chegarem às prateleiras dos supermercados, um quilo de frango exige o investimento de 4.325 litros de água. A mesma quantidade de carne bovina exige 15 mil litros.

Tenha atenção à quantidade de chocolate que come todos os dias. E não, desta vez não estamos a falar da dieta ou da sua saúde física: uma barra com 100 gramas de chocolate precisa de cerca de 1.700 litros de água para ser produzida. Se comer essa quantidade todos os dias durante um mês terá consumido 51 mil litros de água invisível para poder usufruir de um total de três quilos de chocolate. Tente diminuir a quantidade de chocolate que consome diariamente para metade ou então comê-lo apenas dia sim, dia não.

Beba cerveja em vez de vinho, precisamente por causa da “água invisível” que está por detrás da produção dos alimentos que consumimos. Para uma pessoa beber 250 mililitros de cerveja  é preciso gastar 74 litros de água — ou seja, quando bebe uma “mini”, está a consumir tanta água quanto a que é gasta por uma máquina para a loiça moderna em quatro a cinco lavagens. Mas um copo de vinho tem 110 litros de água por trás, uma vez que a pegada hídrica média das uvas é de 610 litros por quilo; sendo que cada quilo de uva produz, em média, 700 mililitros de vinho.

Transforme a poupança de água num jogo em família. Uma das estratégias que Francisco Ferreira partilhou com o Observador é olhar para o contador da água de cada vez que se abre a torneira — assim fica mais consciente de quantos litros gasta e de quanto dinheiro desembolsa. Um truque é fazer uma competição de banhos: cada membro da família deve anotar o valor que o contador da água marca antes de entrar para o duche e quando termina. Quem gastar menos litros de água — um duche de cinco minutos gasta, em média, 25 litros; um banho de imersão são quase 260 litros — fica isento de arrumar a cozinha depois do jantar.

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Faça uma corrida: todos os elementos da família devem tomar banho uns a seguir aos outros, sem nunca fechar a torneira. Um chuveiro padrão gasta entre 10 e 20 litros de água por cada minuto em funcionamento — por isso, quanto mais tempo esperar que a água aqueça antes de começar o banho, mais água está a desperdiçar. Uma ideia é não repetir esse processo de cada vez que alguém precisa de tomar banho: a água fria da primeira pessoa a tomar banho pode ser recolhida com alguidares ou panelas para ser reaproveitada na limpeza da casa, a rega das plantas, o autoclismo ou mesmo para beber. A partir daí, todas as pessoas devem entrar no banho o mais rapidamente possível, assim que outra sair.