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Era o terceiro fim de semana de votações no Clube de Campismo de Lisboa. Depois de as urnas passarem pelos parques de Ferraguro, Melides, Costa Nova, Costa Velha e Almornos, este domingo os sócios preparavam-se para exercer o direito de voto na sede, junto ao Areeiro, no centro de Lisboa. Mas às 10h00, quando era suposto começarem a votar, vários agentes da Divisão de Investigação Criminal PSP de Lisboa entraram pelo edifício para uma grande operação de buscas, o que obrigou a mudar todos os planos. Ao que o Observador apurou, em causa estarão suspeitas de irregularidades, nomeadamente a eventual duplicação de cartões de sócios, o que poderá ter estado na origem de fraudes em Assembleias Gerais.
E não foi apenas em Lisboa que a PSP esteve, tendo feito buscas nos vários parques do clube — em Lagoa (Ferragudo), em Grândola (Melides), em Almada (Costa de Caparica) e em Sintra (Almornos) —, além de levar a cabo outras diligências, que permitiram apreender vários documentos, incluindo os cadernos eleitorais, além de aparelhos eletrónicos.
Poucas horas depois, a comissão eleitoral viria esclarecer o porquê de o último domingo de eleições não ter sequer arrancado: “Quando esta comissão se preparava para dar início à ultima sessão do ato eleitoral, na sede do clube, irrompeu uma força policial munida de um mandado de busca e apreensão, cuja execução era incompatível com o funcionamento do ato eleitoral, pelo que este não chegou a iniciar-se e veio a ser suspenso por decisão desta Comissão Eleitoral”.
O Observador questionou a Procuradoria-Geral da República sobre quais os crimes sob investigação, mas até à publicação deste artigo não recebeu qualquer resposta. Já a Direção Nacional da PSP, contactada pelo Observador, confirmou ter realizado buscas no âmbito de inquérito do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, em vários pontos do país, sem adiantar mais pormenores.
Como e onde decorreram as eleições?
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No primeiro fim de semana de eleições para os órgãos sociais do Clube de Campismo de Lisboa no quadriénio 2024/2028 (18 e 19 de maio), as urnas estiveram no parque de campismo de Ferragudo, no sábado; e no de Melides, no domingo.
No segundo fim de semana de votação (25 e 26 de maio), os sócios puderam votar na Costa de Caparica: no sábado no parque da Costa Nova; e no domingo no parque da Costa Velha.
Neste último fim de semana (1 e 2 de junho), as urnas já tinham passado pelo parque de Almornos, no sábado, e no domingo preparavam-se para abrir no edifício sede do clube, junto ao Areeiro, em Lisboa.
A suposta fraude que deu início à investigação
A investigação terá arrancado com um episódio, no mínimo, caricato. Numa Assembleia Geral, de março de 2023, um sócio credenciou-se e entregou o cartão de um amigo que iria representar, mas foi-lhe dito que esse amigo já estava credenciado. “Na altura foi feita uma reclamação, foi chamada a PSP para tomar conta do ocorrido. E depois o sócio que pediu para se fazer representar foi chamado e confirmou que tinha mandatado a pessoa que não se pôde credenciar”, explica ao Observador Jorge Freitas, candidato da Lista B nestas eleições. Na prática, alguém já se teria credenciado para se fazer passar por ele.
No comunicado da comissão eleitoral, disponível no site do Clube de Campismo de Lisboa desde esta manhã, confirma-se que as buscas agora realizadas foram desencadeadas por “uma denúncia sobre duplicação de cartões de sócio, na reunião da Assembleia Geral realizada a 25.03.2023”, sem mais detalhes. Mas Jorge Freitas lembra-se bem do caso, até porque foi uma das testemunhas do sócio a quem não foi permitido o credenciamento e tem criticado o facto de não ser exigido uma procuração nestas situações.
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O candidato da Lista A — apontada pela oposição como uma lista de continuidade de uma direção que está no poder há mais de duas décadas —, João Correia também confirma o que terá estado no centro deste inquérito, dizendo achar que tudo estará relacionado “com cartões”. “Mas isso os serviços do clube é que têm de responder por essas situações. Eu não tenho conhecimento de que haja alguma irregularidade”, diz ao Observador.
Candidatos desconhecem irregularidades nas eleições em curso
No dia da operação, nem Jorge Freitas (Lista B), nem João Correia (Lista A) estavam na sede. Tudo o que sabem sobre aquelas diligências, foi o que lhes contaram depois. Apesar de estar por dentro de tudo o que aconteceu em março do ano passado e de já ter alertado para o risco de fraudes nas Assembleias Gerais, o candidato da Lista B garante ao Observador desconhecer irregularidades neste processo eleitoral agora suspenso, até porque ninguém pode votar por ninguém.
“Relativamente a estas eleições, a minha perceção é que têm decorrido sem haver possibilidade de algo irregular ter acontecido — está tudo controlado pelos mandatários das listas. Para votar, as pessoas têm de apresentar o cartão de sócio e o cartão de cidadão”, começa por esclarecer, adiantando que “as urnas ficaram [durante estes três fins de semana de eleições] à guarda de uma empresa de segurança privada”. “A minha perceção é que, em termos destas eleições, não foi possível ter acontecido nada de errado”.
Ainda que não consiga explicar o porquê de tudo ter acontecido em pleno ato eleitoral, o mesmo candidato diz acreditar que não esteja em causa o processo levado a cabo nos últimos dias: “Penso que se estivesse em causa este ato eleitoral, que as autoridades teriam levado as urnas com os votos, o que não aconteceu. Aliás, a empresa de segurança teve de ser contactada de novo para vir recolher as urnas, algo que não estava previsto”. Além disso, diz, apesar de terem sido “levados cadernos eleitorais”, “foi autorizado que fossem tiradas cópias autenticadas para ficarem no clube, para ficar em aberto a possibilidade de se concluir a sessão eleitoral”.
Eleições serão retomadas apesar de investigação
A versão acaba por ser confirmada pela posição oficial da comissão eleitoral: “Entre os objetos, outros materiais e documentos, foram apreendidos os cadernos eleitorais que se encontravam em utilização no processo eleitoral, após preservação de uma cópia integral desses cadernos, bem como das urnas com os votos expressos nas sessões anteriores, que não foram apreendidas”.
Esta comissão vai mais longe ao afirmar mesmo que, “salvo se vier a surgir algum impedimento judicial”, pretender “convocar para data tão breve quanto possível a realização da referida última sessão de votação na sede do clube, o que será feito com a maior divulgação possível”.
O Observador tentou obter alguns esclarecimentos adicionais por parte da direção do Clube de Campismo de Lisboa, por email e por telefone, não tendo recebido qualquer resposta até à publicação deste artigo.
As eleições que estavam adiadas desde a pandemia
Detentor de um grande património, o Clube de Campismo de Lisboa tem assistido a umas eleições aguerridas, com duas listas na corrida para os órgãos sociais no quadriénio 2024/2028. Ao Observador, João Correia, da Lista A, afasta a ideia de a sua lista ser de continuidade, dizendo que essa é uma imagem que a oposição tem querido dar durante a campanha, dizendo mesmo que a “atual direção tem um ciclo que agora termina”.
Por outro lado, Jorge Freitas, sócio há dezenas de anos, tem se apresentado como um candidato de mudança, dizendo ter já denunciado várias situações que considera não estarem a ser bem conduzidas pela atual direção, “que está lá há 22 anos” — estas eleições já deveriam ter acontecido há dois anos, mas foi decidido prorrogar o mandato por conta das limitações impostas pela pandemia de Covid-19.
O candidato da Lista B lembra ainda que estas eleições não são as eleições de um clube comum, mas as de um “clube que gere cinco parques de campismo em vários pontos do país, que tem um orçamento de cinco milhões por ano e um património grande, de mais de 30 milhões. Além de ter 120 empregados”.