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Das fundações em crise ao futebol, com paragem na Web Summit e no festival de fado. O que andou a Santa Casa a apoiar

Dos patrocínios às subvenções, a Santa Casa dá todos os anos mais de 100 apoios e financiamentos. Já foram quase 10 milhões de euros em 2019, mas o valor está a cair.

Na hora de aperto financeiro, a gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) quer reduzir a longa fatura de apoios a entidades e eventos, além de por a casa em ordem no que toca a decidir onde devem estar as prioridades, quem deve ser apoiado, com que valores e com que objetivos. A provedora Ana Jorge apontou grandes discrepâncias nos valores dados em patrocínios a federações desportivas que vão desde os 20 mil aos 500 mil euros e cuja razão “não é entendível”.

Novo modelo para atribuir apoios

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A provedora Ana Jorge sublinhou em várias entrevistas que a instituição está a trabalhar num novo modelo com critérios claros e públicos para os interessados possam concorrer e para haja mais transparência. Estas razões foram avançadas a propósito dos patrocínios ao desporto, mas a revisão dos apoios vai chegar a todas as áreas, da cultura e espetáculos a eventos, passando também por subvenções que não têm uma natureza comercial de retorno ou visibilidade para a marca. Ainda que com crivos distintos. Um dos critérios destacados por Ana Jorge é o apoio fazer sentido no que toca à missão central da Santa Casa, mas esta é vasta e cobre o apoio social aos mais vulneráveis (desde pessoas com deficiência a idosos e crianças), a saúde, a educação, a responsabilidade social e a cultura, para além, é claro, do desporto.

Há pelo menos dois tipos de classificação para estes apoios da SCML, pelo menos do ponto de vista da sua divulgação pela instituição que no seu site disponibiliza a lista das subvenções anuais concedidas desde 2019 até 2022. Já os patrocínios comerciais — onde se inserem os contratos e protocolos com as federações desportivas — são confidenciais e não são tornados públicos.

Na entrevista à Rádio Observador, a provedora revelou que os patrocínios ao desporto até agora suportados pela Santa Casa (e que a partir de 2024 vão ser partilhados com o Estado) rondam os três milhões de euros por ano.

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Mas quem mais tem vindo a receber os apoios da Santa Casa? Que valores têm sido atribuídos? E que setores e atividades estão mais representados?

Uma lista provisória dos patrocínios do departamento de jogos sociais a que o Observador teve acesso relativa a 2022 mostra que estes ascenderam a 5,3 milhões de euros. Juntam-se a quase 900 mil euros de patrocínios da própria Santa Casa, nos quais estão incluídos apoios financeiros a festivais de música, à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e à Fundação da Liga Portuguesa de Futebol (composta pelos clubes de futebol).

Segundo estas duas listas de patrocínios, os montantes mais altos atribuídos no ano passado tiveram como destino a Federação Portuguesa de Futebol (cerca de um milhão de euros), a Olivedesportos Publicidade e Televisão  (1,076 milhões de euros), TVI (605 mil euros) e Global Notícias  (449 mil euros).

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No caso das empresas de media, os patrocínios cobrem parcerias editoriais, nomeadamente no que toca à transmissão de eventos desportivos e acompanhamento de atividades da Santa Casa. O contrato com a Olivesdesportos envolve a utilização de painéis de leds publicitários nos jogos de futebol. Com os grupos Global Notícias (dona do DN e do JN) e TVI há patrocínios dos Jogos Santa Casa a eventos de Natal.

Espetáculo de vídeo mapping "Amália", sobre a fadista Amália Rodrigues, durante o último dia do Festival Santa Casa Alfama, na fachada do Terminal de Cruzeiros de Lisboa, 03 de outubro de2020. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Na lista constam ainda financiamentos da ordem dos 300 mil euros para a Música no Coração, a promotora de festivais e espetáculos que é responsável pela organização do festival com o nome da Santa Casa, o Santa Casa Alfama. O primeiro grande festival dedicado ao fado nasceu com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos em 2013, mas com a reestruturação de 2017 o banco público deixou de apoiar esta iniciativa que em 2018 passa para a esfera da Santa Casa. A 10.ª edição vai realizar-se no final de setembro.

Também estava previsto um apoio de cerca de 300 mil euros para a Podium Eventos que organiza a Volta a Portugal em Bicicleta e 363 mil euros para a Fundação do Futebol – Liga Portugal, a entidade criada pela Liga (onde estão os clubes de futebol) para promover ações de responsabilidade social. E foram transferidos 211 mil euros para a organização da Jornada Mundial de Juventude sob a forma de patrocínio e parceria.

Algumas destas contribuições são públicas e podem ser consultadas na lista de subvenções disponível no site da SCML, mas nem todas. Por exemplo, os patrocínios às federações desportivas, aos meios de comunicação social e ao promotor do festival Caixa Alfama não constam, apesar de estarem aí patrocínios a outros festivais, embora de menor impacto financeiro (na casa dos 20 mil euros), como o Marvão Internacional Festival, o Festival de Cinema de Terror de Lisboa (o MotelX) e o espetáculo de homenagem a Simone de Oliveira no Coliseu.

Ausências e diferenças que mostram que as discrepâncias nos valores e nos critérios de publicidade dos apoios da Santa Casa não se limitam ao desporto.

Da lista pública, o apoio à Fundação da Liga de Futebol foi o mais elevado no ano passado, 418 mil euros, sendo justificado com um protocolo de “cooperação baseado na partilha de valores e no peso da cultura do futebol que pautou a execução do projetos que promovam valores essenciais para uma sociedade mais equilibrada: respeito, educação, tolerância e compromisso”.

A análise detalhada da lista de subvenções distribuídas pela Santa Casa da Misericórdia nos últimos quatro anos mostra que o montante dos apoios financeiros já está em queda desde pelo menos 2020, o que bate certo com a narrativa de que os problemas de liquidez da instituição começaram com a pandemia (que abriu um buraco nas receitas dos jogos sociais que tem vindo a diminuir, mas que não está totalmente tapado).

Em 2019, foram transferidos quase 10 milhões de euros através de quase 200 apoios ou pagamentos. Mais do que o número de subvenções é o valor total atribuído que tem estado em queda para 7,8 milhões de euros em 2020, 6,6 milhões de euros em 2021 e cerca de seis milhões de euros no ano passado.

O Observador foi também verificar quem são, ao longo destes quatro anos, as entidades mais financiadas pela Santa Casa e no topo da lista surgem uma fundação e uma associação que, por razões distintas, entraram em desequilíbrio financeiro e tiveram de ser resgatadas pela intervenção da SCML.

Uma foi a Raríssimas, a associação de apoio a crianças com doenças raras cuja presidente foi afastada devido a irregularidades na gestão. Com a fuga dos mecenas, a Santa Casa entrou em força com financiamentos que totalizaram os 2,8 milhões de euros desde 2021. Entre 2019 e 2021, o apoio financeiro à Casa dos Marcos, que acolhia crianças e respetiva famílias, ascendeu a 1,8 milhões de euros. A ajuda cessou em 2021 por a Santa Casa ter concluído que a direção era contra o seu apoio.

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Já o apoio de tesouraria à Fundação Ricardo Espírito Santo Silva prossegue, quase dez anos depois do colapso do Grupo Espírito Santo que era o financiador desta fundação vocacionada para as artes decorativas e para o restauro. Nos últimos quatro anos, foram transferidos 1,875 milhões de euros para assegurar a sustentabilidade da instituição.

Embora com valores menos expressivos, há mais fundações financiadas todos os anos pela Santa Casa. Uma presença constante é a já referida fundação da Liga de Futebol que entre 2020 e 2022 recebeu apoios de quase um milhão de euros, com maior peso para o valor do ano passado. A Santa Casa deu também apoios mais pontuais e menos expressivos às fundações do Benfica e do Sporting para projetos concretos como iniciativas contra o abandono escolar.

São também de destacar, pela frequência anual, os apoios dados às fundações Fernando Pádua na saúde (prevenção de doenças cardiovasculares), Amália Rodrigues na cultura e Associação Salvador (de apoio a pessoas com deficiência motora), embora com montantes bem abaixo dos 100 mil euros. Há também protocolos para a promoção de espetáculos musicais com as fundações Gulbenkian e Casa da Música. A SCML tem patrocinado igualmente a Festa do Jazz, o festival de música de Leiria e o Portugal Rugby Youth Festival. Ainda na música, têm sido dados apoios à associação de orquestras sinfónicas juvenis.

Já no que toca a associações, destacam-se pela dimensão e regularidade os apoios concedidos à Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal e à Associação de Apoio à Vítima. A Santa Casa tem dado igualmente contributos relevantes para a distribuição de alimentos pela Cruz Vermelha com incidência na região da grande Lisboa e para a reabilitação do Convento dos Cardães no Bairro Alto, também em Lisboa.

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Nos patrocínio de eventos, a Santa Casa é um dos patrocinadores regulares da Web Summit com valores superior a 100 mil euros nos anos de realização física do evento (que foi digital em 2020) entregues à Connected Intelligence, a empresa que realiza a conferência de startups e teconologia.

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Na lista dos maiores beneficiários encontramos ainda o programa Projetos de Impacto, de promoção do empreendedorismo desenvolvido em parceria com o Montepio, e a ProChild CoLab, uma associação não lucrativa que gere um laboratório colaborativo para promover estratégias contra a pobreza infantil e exclusão social, juntando parceiros públicos e privados. Na lista das maiores subvenções anuais surge ainda a Media Capital por causa do patrocínio ao concurso Talentos Santa Casa para distinguir jovens.

Dentro dos apoios da Santa Casa podemos encontrar destinos tão variados como o pagamento de prémios a personalidades da medicina e dos cuidados vocacionados para os mais idosos, a realização de eventos como a semana da reabilitação urbana, estágios para jovens em empresas, programas de apoio residencial a idosos em bairros de Lisboa, ações de combate à exclusão social em bairros problemáticos e contra o abandono escolar e a criação do Observatório da Luta contra a Pobreza. Ou até à edição anual da revista “Não caia nisso” da Sociedade Portuguesa de Ortopedia.

Quando acontecem crises específicas, a Santa Casa também avança. Teve um papel significativo na gestão de equipamentos sociais no quadro da pandemia — quando apoiou com 50 mil euros em assinaturas cada um dos principais grupos de comunicação social, incluindo o Observador. Atribuiu mais de um milhão de euros em fundos para associações das regiões do interior afetadas pelos incêndios de 2017, financiou bolsas para estudantes sírios e prestou assistência financeira a portugueses residentes em Moçambique que foram afetados pelo furacão Idai em 2019.

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Mas a maior fatia das subvenções públicas atribuídas durante os últimos quatro anos acaba por ir parar ao universo das misericórdias portuguesas, tendo como principais finalidades a reabilitação e requalificação de equipamentos sociais — sobretudo lares de terceira idade e apoio a idosos e creches — e o restauro de igrejas. No entanto, também estas verbas, que em 2019 representaram mais de 3,5 milhões de euros, têm vindo cair para ficarem em menos de um milhão de euros em 2022.

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