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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Em 2003, o álcool fez Vítor atear o fogo. Agora, a PJ suspeita de mão muito mais profissional

Alcoolizado e apenas com um isqueiro, Vítor provocou prejuízos de 26 milhões de euros, em 2003. Este ano, alguém quis garantir que Vila de Rei, Sertã e Mação ardiam de novo — e de forma profissional.

Estava em liberdade condicional pelo crime de fogo de posto quando chegou o verão de 2003. Toldado pelo álcool e de isqueiro na mão, Vítor A., à data com 35 anos, puxou o fogo em duas aldeias do concelho da Sertã, não longe da aldeia onde vivia. Depois deixou que o vento e o mato fizessem o resto, levando as chamas a encontrarem-se e a lavrarem juntas até aos concelhos de Mação e Vila de Rei, num cenário semelhante ao do último sábado, o primeiro grande incêndio do ano.

Ao juiz que o condenou a uma pena máxima de 12 anos de cadeia, Vítor admitiu o que fez, sem culpa nem explicações. Na região não é caso único. Há quem se lembre do idoso, cego de um olho, que andou anos “a botar fogo” até que a polícia o descobriu. Alegou que recebia dinheiro de alguém que vinha numa carrinha branca e que o dinheiro lhe servia para o vinho.

O incêndio que ateou durou três dias, segundo a acusação, e deixou prejuízos de 26 milhões de euros a 477 pessoas. Só em Mação arderam 21 mil dos 40 mil hectares da área total do concelho, incluindo duas casas de férias e cinco palheiros em Cardigos e 18 casas (algumas delas abandonadas) e arrecadações na freguesia de Amêndoa.

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Não é estranho, por isso, que a memória desse fogo tenha voltado com o incêndio deste fim de semana. Com frentes ativas em Sertã, Vila de Rei e Mação, as comparações foram imediatas. Mas, neste grande incêndio, que levou três dias a controlar, a PJ acredita que houve uma mão muito mais profissional que a de Vítor A., a avaliar pelos artefactos pirotécnicos ali encontrados. Foram cinco fogos postos praticamente ao mesmo tempo em locais estratégicos que o fizeram juntar-se num só, tornando-se o maior do ano. O fogo fez 41 feridos, queimou 9.500 hectares — em parte de área que estava a renascer depois dos incêndios de junho de 2017 — e destruiu pelo menos duas casas de primeira habitação.

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Ignições simultâneas e em locais estratégicos

Naquele vale impenetrável entre as aldeias de Vilar do Ruivo e Monte Novo, na Fundada, concelho de Vila de Rei, já só existem esqueletos de árvores carbonizadas. Foi ali um dos pontos de ignição do fogo que se iria alimentar de pinheiro bravo e eucalipto, ameaçando casas e populações. Jorge Lopes, 58 anos, funcionário de uma junta de freguesia do concelho vizinho, na Sertã, ainda pegou numa carrinha com água para proteger uma casa de segunda habitação localizada em Ereira, mesmo na fronteira com Vila de Rei. Temia o que viria a acontecer, que o fogo montasse até ali: “Os bombeiros chegaram rapidamente e mandaram-me embora. O fogo chegou a estar controlado. Mas reacendeu”.

O tempo estava seco e quente e havia vento. Jorge Lopes voltou para casa, na aldeia do Nesperal, quando voltou a ver fumo. Era outro fogo, desta vez posto ali mais perto, na estrada íngreme que chega a uma pequena ponte de pedra sobre uma ribeira e que liga o Nesperal à aldeia da Rolã. Aqui registaram-se duas ignições, uma em cada lado da ponte, para garantir que o fogo crescia. “O meu filho é bombeiro e ligou-me a dizer que o fogo andava também ali”, conta, enquanto limpa com uma máquina as ervas junto à estrada, a pedido de um morador, assustado com os últimos dias.

Luísa de Jesus, vestida de negro e de corpo curvado pela idade, que revela mais do que os 60 anos que diz ter, estava sentada à sombra do alpendre da sua casa, na aldeia de Rolã, quando viu a coluna de fumo. Levantou-se, percebeu que vinha da zona da ponte de pedra, mas rapidamente começou a ver bombeiros e meios aéreos no combate e acalmou. Ainda assim, as chamas chegaram ao seu quintal. Dois dias depois de o fogo ter passado por ali, e enquanto pasta um rebanho de cabras, Luísa não estranha que, por detrás do fogo, haja mão criminosa. “É sempre assim”, desabafa, conformada. “Esta noite voltou a acontecer, mas foi por causa da trovoada”, ressalva.

Luísa de Jesus vive na aldeia da Rolã e ainda ficou com parte do quintal queimado

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O fogo que nasceu no sábado, na Fundada, em Vila de Rei, seguiu rente à Estrada Nacional 2, ameaçando as aldeias. Os bombeiros dispersaram-se e, mais do que combater o fogo, focaram-se em proteger as pessoas e os bens.  A presidente da União de Freguesias de Cernanche do Bonjardim, Nesperal e Palhais, na Sertã, confirmou ao Observador que só na sua freguesia foram postos três fogos praticamente ao mesmo tempo: Rolã, Nesperal e Ereira. E que foi num deles que a PJ encontrou alguns dos artefactos pirotécnicos. “Começaram à mesma hora em sítios estratégicos, qualquer leigo percebe que isso é estranho”, afirma Filomena Bernardo.

O vice-presidente de Vila de Rei, Paulo César, estava no Porto quando soube que o fogo andava no seu concelho. Desceu rapidamente. Ali na autarquia, apesar de o presidente da Câmara ser o responsável máximo da Proteção Civil, dividiu com ele as zonas a verificar. “O local da ignição do fogo era de difícil acesso. Era impossível chegar lá. E, quando o fogo chegou aos bombeiros, já era demais. A preocupação foi a defesa de pessoas e bens”, conta.

O autarca revela também que, nas primeiras horas, “constatou-se que por muitos meios que fossem anunciados, eles ficaram muito dispersos pelas aldeias, até que chegou a uma altura em que não havia meios”. Jorge Lopes, o funcionário de uma junta da Sertã, também deu conta disso ao Observador pelos telefonemas que o filho bombeiro lhe ia fazendo nessa noite. “Dizia que não havia homens para tudo. Sei que houve viaturas dos bombeiros que estavam encostadas há tempos. E foi tudo levado para o terreno”.

"O local da ignição do fogo era de difícil acesso. Era impossível chegar lá. E quando o fogo chegou aos bombeiros já era demais. A preocupação foi a defesa de pessoas e bens".
Vice-presidente de Vila de Rei, Paulo César

No seu gabinete na câmara de Vila de Rei, onde ainda se sente o cheiro a fumo, entranhado em tudo, Paulo César já o disse e volta a afirmar: “O Estado falhou porque não conseguiu dar os meios necessários e quando falo em Estado incluo as pessoas, as autarquias, o governo, o país inteiro”. Só no dia seguinte, quando o fogo já tinha galgado o concelho rumo a Mação, é que houve um reforço de meios no local. Nessa noite, em que poucos pregaram olho, o fogo no concelho acabou dominado, enquanto em Mação — onde a ocorrência acabou por ser autonomizada — continuava a lavrar no dia seguinte.

Jorge Lopes trabalha numa junta de freguesia da Sertã e o filho é bombeiro

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Vítor está de volta à aldeia — mas a PJ não acredita que tenha sido ele

Enquanto o fogo de Vila de Rei atingia o concelho mais próximo, o de Mação, na Sertã o fogo chegou a estar controlado, mas na tarde de domingo voltou a reacender. Na aldeia de Cardigos, em Mação, ainda nessa tarde, o fogo consumiu por completo a casa de um homem de 91 anos, que foi realojado num lar. Ali os bombeiros tentavam controlar as chamas, mas em aldeias próximas há também testemunhos de as mãos não terem chegado para tudo. Há registo de uma outra casa de primeira habitação que também foi engolida pelas chamas.

Durante os dias de incêndio, houve quem reparasse em Vítor A. a abastecer o carro de combustível, mas PJ descarta a possibilidade de o homem de estar relacionado com ele. Sobretudo tendo em conta o nível de profissionalismo encontrado na forma como o fogo deste fim de semana foi ateado e o que Vítor A. ateou em 2003. Na altura, o incendiário estava em liberdade condicional, depois de ter ateado fogo à propriedade de um padre em conflito com ele. Após cumprir parte da pena com um comportamento exemplar, saiu mas, movido pelo álcool, voltou a atear o fogo. Acabou detido pela PJ e condenado à pena máxima.

Vítor cumpriu os 12 anos de prisão — a pena completa, pelo facto de o crime ter sido cometido durante a liberdade condicional — e voltou há cerca de três anos à sua aldeia, no Marmeleiro. É certo que, na investigação de um fogo, a PJ tem em conta o histórico de todos os incendiários detidos na zona, mas nada aponta para ele.

Vítor A., na altura com 35 anos, estava em liberdade condicional, depois de ter ateado fogo à propriedade de um padre em conflito com ele. Após cumprir parte da pena com um comportamento exemplar, saiu mas, movido pelo álcool, voltou a atear o fogo. Acabou detido pela PJ e condenado à pena máxima.

Fonte da PJ disse ao Observador acreditar estar perante um “incêndio de foro doloso”, ou seja, de natureza criminosa. “Os pontos de ignição que foram eleitos para potenciar o incêndio mostram algum conhecimento. Não parece tratar-se de uma situação fortuita”, alertou. A investigação está a cargo da PJ de Coimbra. Os inspetores encontraram em três locais de ignição artefactos pirotécnicos com retardadores, permitindo assim que os fogos deflagrassem simultaneamente.

“Nem os mortos escaparam”

Artur António, 79 anos, ainda está massacrado com a memória da noite anterior. Quando começa a descrever a forma como tentou salvar a sua casa e como perdeu as suas herdades, não contém as lágrimas. É segunda-feira, ainda de manhã, mas o calor já sente forte. Está no cemitério de Cardigos com a mulher, Maria Martins, a concertar a campa dos pais e dos sogros, onde as fagulhas também chegaram. “Nem os mortos escaparam”, desabafa Maria, visivelmente agastada.

Na tarde anterior, quando o fogo chegou à aldeia de Azinhalete, agarrou na mangueira e em baldes de água e salvou o que pôde. “O meu vizinho improvisou uma bomba de água em cima da carrinha. Conseguimos proteger as casas, mas as herdades não”, relata Artur, amargurado. “Tive as chamas aos pés, usei tudo: terra, água, ramos”. Perdeu dezenas de oliveiras que, no ano anterior, lhe deram azeite. Um sobrinho salvou os animais que tinha, mas ficou sem pasto para os alimentar. “Se não o arranjar, eles morrem à fome”. E terá havido casas de segunda habitação que não se salvaram.

— E os bombeiros?
— Ligámos para o 112, para os bombeiros de Mação e disseram-nos sempre que estavam ocupados. Nunca apareceu ninguém, relata Artur, já reformado da TAP.

O casal, que há pouco tempo comemorou 50 anos de casado, tem ali casa, mas vive nos arredores de Lisboa. “Em 2003 foram os meus filhos que assistiram ao fogo, agora fomos nós. Eles telefonavam-nos para irmos embora, mas eu não podia deixar aquilo que demorei tantos anos a construir”.

O casal que tem uma segunda habitação em Azinhalete e que teve que salvar os seus bens sem ajuda dos bombeiros

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Em Azinhalete e nas aldeias próximas, o cenário impressiona. Cheira a fumo e salvou-se pouco mais do que casas e hortas onde se mantiveram os sistemas de rega ativos para fugir ao fogo. Um dia depois de o incêndio que veio de Vila de Rei ter passado por ali, há equipas de bombeiros pré-posicionadas para garantir o combate rápido em caso de reacendimentos. Há carros de corporações tão diferentes como Vialonga, Alpiarça, Dornes ou Espinho. E uma carrinha da junta de freguesia anda pelas aldeias a fazer um levantamento dos estragos.

Artur e Maria preparam-se para fazer as malas e arrancar para Lisboa. Parece que a noite foi amiga dos bombeiros e que o fogo está controlado. Pelas 8h00, a partir da Sertã, a Proteção Civil fazia um balanço da situação e revelava que as frentes de Vila de Rei e Mação estavam dominadas a 90%. Mas que se esperava “um dia difícil”. Pelas 11h00 começam reacendimentos. Quatro horas depois vê-se o fogo descontrolado, que nasceu na Fundada, em Vila de Rei, a chegar à aldeia de Roda, em Mação.

A grande vivenda amarela cravada entre pinheiros e eucaliptos é, na verdade, um lar que acolhe 16 idosos. Os estores estão fechados para que os idosos não se apercebam do pesadelo que começou ainda no dia anterior. Lá dentro, uma animadora tenta distraí-los, mas sabe que se apercebem que algo está a acontecer, pelo desespero dos funcionários e o som dos meios aéreos, que são indisfarçáveis.

O lar da aldeia de Roda esteve cercado pelas chamas durante dois dias

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Já no domingo as chamas tinham andado por perto, ameaçando as traseiras do lar. Na segunda-feira o fogo parece ter cercado por completo as instalações. Primeiro chegam meia dúzia de viaturas do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro da GNR. Olham de frente para as chamas, à espera de as poderem “agarrar”. Ao mesmo tempo ouve-se nos intercomunicadores que a aldeia de Casais de São Bento, ali perto, também já está cercada. São 17h00, os termómetros chegam quase aos 40 graus e o fogo aproxima-se, com matéria combustível que o alimenta e o torna mais feroz.

Começam, então, a chegar carros de bombeiros de várias corporações. Seguem-se descargas dos meios aéreos e consegue controlar-se aquela frente de fogo sem evacuar o lar.

Em Casais de São Bento, no entanto, a situação parece mais crítica. Ali e nas duas aldeias mais próximas, Chaveira e Chaveirinha, a frente de fogo que segue em direção a Proença-a-Nova é ameaçadora. Há casas evacuadas, os acessos às aldeias estão cortados por motivos de segurança. Há sete meios aéreos que operam em simultâneo e fazem descargas sucessivas. Pelas 19h00, em Chaveira, a GNR, por precaução, pede a todos que tenham os carros ali estacionados para os direcionarem para a saída da aldeia, oposta à frente de fogo. O fumo é denso, há dificuldade em respirar.

Uma mulher de cabelo loiro e calções de ganga não quer falar aos jornalistas porque está demasiado nervosa. Teme pela casa do irmão, emigrado, que tem uma frente do fogo nas traseiras. “Não percebo porque eles não vêm para aqui”, grita, enquanto corre para os bombeiros e pede ajuda, e volta à casa sem saber o que fazer para evitar a tragédia que se desenha na sua cabeça.

“Tive as chamas aos pés, usei tudo: terra, água, ramos”.
Artur António, dono de uma casa na aldeia de Azinhalete

Entre os populares surgem sempre críticas de que os bombeiros não chegam. A Proteção Civil avisa que é impossível ter bombeiros em todo o lado e que, à data, estão mais de 1300 operacionais no terreno. O presidente da Câmara de Mação, Vasco Estrela, é o principal crítico. “Então que digam quantos destes 1300 operacionais são, de facto, bombeiros que estão a combater o fogo”, testemunhando também ele que houve aldeias completamente desprotegidas. A forma desprendida com que falou sempre à comunicação social acabou por ser criticada pelo próprio ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita, que o acusou de se comportar como um comentador.

Mas parece ter havido um cenário idêntico em Vila de Rei. “Quem tinha que estar no território não estava e, mais uma vez, os meios não chegavam. Passei por aldeias onde não havia ninguém”, garantiu ao Observador Paulo César, vice-presidente desta autarquia.

Confrontado com este género de afirmações, Belo Costa, o comandante operacional da Proteção Civil responsável pelo combate a este fogo — e a quem coube fazer os balanços sobre o evoluir da situação —, lembrou que é normal que as pessoas não percebam as “operações desta natureza”, que envolvem um conjunto de autoridades que têm atribuições próprias. Mas toda a operação montada exige grande coordenação. A alimentação dos operacionais, por exemplo, ou o abastecimento de combustível dos meios de combate “foi um exercício de grande complexidade”, disse.

O fogo foi completamente dominado na zona da aldeia de Chaveira, em Mação, com recurso a meios aéreos quase em simultâneo

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Os interesses económicos do fogo

No alto da aldeia de Chaverinha, Lurdes Domingos está impecavelmente vestida. É a dona da farmácia de Cardigos, onde, no dia anterior, as chamas lhe bateram literalmente à porta. Os avós eram dali, mas Lurdes agora vive em Vila de Rei, onde também tem outra farmácia. O terreno que herdou, e onde o marido plantou medronho, está carbonizado. Ambos têm uma teoria: há mão criminosa no fogo porque há todo um interesse económico para que ele aconteça. “Isto faz mexer a economia, os subsídios que vêm da UE, os materiais que as pessoas compram, como as mangueiras, os madeireiros que compram a madeira mais barata porque é para fazer papel, o combustível para abastecer todas as viaturas, o comércio que funciona com toda esta afluência de pessoas”, exemplifica.

E não só. Há também quem fale das máquinas de rasto, que ajudam no combate ao fogo depois de ele estar dominado. “O aluguer destas máquinas custa milhares de euros. Há toda uma indústria relacionada com o fogo”, lembra ao Observador uma fonte autárquica.

O terreno foi uma das maiores dificuldades dos operacionais

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Foi precisamente aqui, nas aldeias de Chaverinha, Chaveira e Casais de São Bento, as três contíguas, que os bombeiros conseguiram travar o fogo. Na noite de segunda-feira, a meteorologia mudou. Choveu, mas também trovejou. Alguns raios chegaram mesmo a provocar reacendimentos. Pelas 13h00 de terça-feira, porém, no briefing dado aos jornalistas a partir da Sertã, o comandante Belo Costa, ao lado de representantes do Exército, da GNR, dos bombeiros e do INEM, dá a informação que se esperava há três dias: o fogo está finalmente dominado. Foi apaziguado ali, perto da casa do emigrante, irmão da mulher loira que passou a tarde numa correria temendo o pior.

O responsável que deu a cara pela operação lembra que as principais dificuldades no combate, além do calor e do vento, foram as características do próprio terreno, que impediram um combate mais eficaz. Por outro lado, os próprios bombeiros começam a acusar o cansaço, mesmo sendo rendidos. Aliás, do balanço de 41 feridos, há um homem que sofreu queimaduras graves ao tentar salvar um trator, os outros foram vítimas de pequenos traumatismos ou de exaustão. Paralelamente, a Proteção Civil montou um Núcleo de Apoio Psicológico para ajudar a população e os próprios bombeiros. “Não há registo de nenhum caso extraordinário, mas têm estado a intervir junto das populações”, disse na última aparição pública, às 13h00 de terça-feira.

Segundo o Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais, o primeiro grande incêndio do ano engoliu 9500 hectares de floresta, metade da área que já ardeu em todo este ano de 2019.

A farmácia de Lurdes, em Cardigos, teve as chamas à porta

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As lições dos fogos de 2017

Quando o fogo em Pedrógão Grande ainda ia nas primeiras horas de tragédia, já o local era visitado por membros do Governo e pelo Presidente da República. Aquelas presenças acabariam por ser avaliadas como negativas, por obrigarem a empenhar meios para os receber.

Menos de 24 horas depois do primeiro grande incêndio do ano deflagrar, o ministro da Administração Interna apareceu na sede da Proteção Civil em Carnaxide para falar sobre o fogo que lavrava em Vila de Rei, na Sertã e que alastrara a Mação. Logo ali, Eduardo Cabrita deixou claro que não se deslocaria ao teatro de operações de imediato, porque essa foi uma das recomendações feitas pela comissão independente que avaliou os fogos de 2017. Contudo, assegurou, o Secretário de Estado da Proteção Civil estaria nas imediações do incêndio, “na zona da Sertã, a acompanhar os trabalhos de rescaldo”. A visita do ministro ficaria para terça-feira, já com o fogo estava dominado. Nessa tarde passou pelos postos de comando de Vila de Rei, de Sertã e de Mação.

Também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, absteve-se de ir ao terreno, embora tenha deixado uma mensagem institucional aos operacionais. Logo no domingo visitou o ferido grave que se encontrava internado no Hospital de São José.

O último briefing à comunicação social onde foi dado conta de que o fogo estava finalmente dominado

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No terreno houve bombeiros, autarcas e militares que se queixaram de falhas pontuais do SIRESP, outra questão apontada nos grandes incêndios de 2017 e que levou a uma melhoria do sistema. Foram, no entanto, falhas pontuais na primeira ligação, que parecem ter sido resolvidas prontamente. Apesar de permanecerem as críticas relativamente à falta de meios, neste grande incêndio percebeu-se que os bombeiros focaram-se mais em evacuar aldeias — e mesmo praias fluviais — em perigo e a proteger as pessoas. Terá também havido um reforço mais rápido de bombeiros no local.

"Os pontos de ignição que foram eleitos para potenciar o incêndio mostram algum conhecimento. Não parece tratar-se de uma situação fortuita", alertou.
Fonte da PJ

Permanecem, ainda assim, coisas por fazer. A começar pelo cadastro dos terrenos.

A lei do Sistema de Informação Cadastral Simplificada foi aprovada pela Assembleia da República depois dos incêndios de 2017 em conjunto com outros diplomas para a reforma da floresta. No entanto começou a ser aplicada apenas em concelhos onde tinha havido registo de fogos naquele ano. Vila de Rei ficou de fora.

O vice-presidente da câmara, Paulo César, explica que, neste momento, há grandes áreas de terreno que são, na verdade, “microfundios” , às vezes com “50 m² e 15 proprietários”. Outros não se sabe sequer a quem pertencem e, por isso, é difícil manter os terrenos limpos de matéria combustível. Sem este primeiro passo “é difícil planificar ou ordenar a floresta”. Na sua opinião, o cadastro é uma ferramenta fundamental para depois se poder ordenar o território, com a definição de zonas onde se pode plantar e o quê. “E esse processo não se faz num ano”, adverte.

A par de toda esta reforma, o autarca lembra também que a própria moldura penal prevista para o incendiário devia ser revista. Neste momento, a pena máxima é de 12 anos e, normalmente, quem é detido é quem põe o fogo. Dificilmente se chega a quem pagou para pôr o fogo, o que acredita acontecer. “A moldura penal tem que ser exemplar. Para mim é tão terrorista quem põe uma bomba num centro comercial como quem põe um fogo”.

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