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"Fantasmas do Império" é o documentário que quer contar uma história dos filmes coloniais: "Portugal tem a mania do segredo"

Ariel de Bigault confronta cineastas com as imagens dos seus filmes e as imagens dos filmes coloniais. De quem são? Para quem foram feitas? E como nos chegam hoje? Falámos com a realizadora.

Ariel de Bigault é francesa, mas tem fortes ligações com Portugal (como aliás se percebe na resposta à primeira pergunta que nos dá nesta entrevista). O seu interesse pelas antigas colónias portuguesas vem de há muito e em “Fantasmas do Império” – que se estreia em sala esta quinta-feira, 3 de junho — explora algum do cinema que foi feito no século XX durante a ditadura, para o mostrar não só aos espectadores, mas também a realizadores e a quem mais tenha por ofício o cinema. No documentário, Bigault coloca cineastas a ver, a refletir e a falar sobre os filmes que construíram o tempo que retrata. O objetivo não é o confronto, é tentar perceber as origens, o legado e a influência das imagens que recolheu e compilou.

Ao longo de “Fantasmas do Império”, Ariel de Bigault entrevista sete realizadores que têm filmes sobre o passado colonial português: Fernando Matos Silva, João Botelho, Margarida Cardoso, Hugo Vieira da Silva, Ivo M. Ferreira, Manuel Faria de Almeida e Joaquim Lopes Barbosa. Contou com a ajuda de José Manuel Costa (diretor da Cinemateca), a investigadora Maria do Carmo Piçarra e os atores Ângelo Torres e Orlando Sérgio para orientar o espectador nesta viagem.

Não é um filme com respostas. Antes, faz perguntas que, espera a realizadora, tenham reflexo junto de quem vê. É um filme sobre como lidamos com estas imagens, com a perceção que o espectador tem delas e sobre como se entendiam antes e se entendem hoje. As respostas encontram-se ao longo do filme e são menos políticas do que se possa imaginar. “Fantasmas do Império” quer que nos confrontemos com as imagens concretas, as que vemos na tela e as que estão na nossa memória.

[o trailer de “Fantasmas do Império”:]

Qual é a sua relação com Portugal?
Foi um pouco por acaso que vim para aqui há muitos anos. A minha formação de base é a representação. Não só, mas sobretudo essa. E de um ponto de vista mais teatral. Vim para Portugal, emprestaram-me uma câmara, fiz um filme em Super 8. Trabalhei bastante em teatro, com a Comuna, a Cornucópia, fiz muitas coisas ligadas ao teatro, não necessariamente como atriz. Mas quis voltar ao cinema, comecei a fazer pequenos filmes, documentários sobre crianças. Depois fui para o Brasil, voltei para cá e fiz o filme “Afro Lisboa”. Mais tarde fui fazer o filme “Canta Angola”, em 2000. Isso vem na sequência da coletânea que fiz de música angolana [Músicas Urbanas de Angola 1956-1998]. Voltei e fiz o “Margem Atlântica”, que é uma continuação do “Afro Lisboa”, é um filme já sobre os artistas de origem africana, ligados a África, como a Mariza, José Eduardo Agualusa, Kalaf, João Afonso. Esta ligação entre os diferentes países, este passado é fascinante, bem como a respetiva projeção no presente.

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Em “Fantasmas do Império” há algumas boas perguntas que são lançadas. Por exemplo: a quem pertenciam as imagens que vemos, de países distantes em terras distantes?
Essa pergunta é feita pelo José Manuel Costa e também pelo Hugo Vieira da Silva.

Sim. A ideia é tentar perceber quem fez as filmagens que vemos e para quem foram feitas. Que perspetiva tem sobre algumas dessas perguntas?
Não posso dar mais respostas do que as que estão no filme. Posso é esclarecer. Mostrei os filmes a todos os realizadores. Quando eles concordam em fazer parte deste projeto, tiveram acesso ao guião e tinham também a estrutura do filme, que foi a estrutura que realizei e montei. Escolhi alguns filmes que mostrei a todos os realizadores. Os cineastas sabiam que não iam falar sobre os filmes deles, mas sabiam que iriam situar a perspetiva dos filmes que fizeram face à dos filmes coloniais ou sobre a colonização. Para quem eram feitos esses filmes antigos? Alguns foram feitos para um público mais ou menos largo, a partir dos anos 1940, há filmes que têm alguma difusão em cinema, outros tiveram uma vida na televisão. Os primeiros são encomendados pela Agência Geral do Ultramar, os de 1920, 1930. E muitas pessoas que iam fazendo filmes a pedido. A ideia era divulgar junto da população de Portugal o que se passava noutras paragens. Agora, até que ponto chegaram junto da população portuguesa? Alguns devem ter sido programados nos cinemas, algumas vezes.

"Quis contar a história daquilo que envolveu o fabrico destas imagens. E fiz uma encenação sobre a própria produção das imagens coloniais. Como tudo isto é encenação, também posso fazer a minha"

Há uma evolução nestes filmes, na forma como são feitos e na importância que têm.
Sim, a partir dos anos 1930, sobretudo. Salazar estava seguro da importância das colónias e de como a imagem das colónias poderia ser valorizada. No início, não há a ideia da propaganda, isto ainda nos anos 1920. Existem as ideias normais europeias, o conceito de “colonizadores”, mas a ideologia não é muito sistematizada. Começa a ser a partir de um filme sobre uma aldeia guineense. Não por uma questão de propaganda pura, mas por uma questão de dominação europeia sobre um povo que era tido como menor. E os letreiros que anunciam os filmes dizem isso. A partir de António Lopes Ribeiro sim, transformam-se em instrumentos de propaganda. Alguns têm 15, 17 minutos, será que eram projetados no cinema? Acredito que sim. O “Chaimite” foi divulgado, em 1954, já foi um filme que correu todos os liceus. O Fernando Matos Silva conta que toda a gente o viu, era obrigatório ir à sessão. A Maria do Carmo Piçarra tem um estudo aprofundado sobre isso. E há alguns filmes com um lado mais etnológico… os filmes do António Lopes Ribeiro podem ser entendidos como um pouco estranhos, porque têm um bom registo etno-sociológico, mas depois têm comentários inesperados, alguns duvidosos, até… Mas as imagens são muito boas. E nem sempre têm o lado dominador que seria de esperar.

Porquê?
Suspeito que o António Lopes Ribeiro tenha ficado fascinado, terá ficado deslumbrado. O melhor de “O Feitiço do Império”, do qual se perdeu o som, são as imagens documentais usadas. Na essência, é uma história de amor, a viagem de um português que vai para a África namorar uma portuguesa, filha de colonos, mas o realizador intercala a história com registos dos filmes documentais que eu usei aqui. Lopes Ribeiro filma em estúdio… aliás há uma cena, que não usei, em que estão os dois namorados a ver uma dança africana. Eles estão em estúdio e em contracampo estão as danças que ele mostra. Se ele introduziu um aspeto documental, é porque gostava. Não era obrigação dele, mas ele tinha esse fascínio.

"Portugal tem um problema com a conservação dos arquivos. Em Inglaterra e em França, por exemplo, conservam e não mostram, mas conservam. Portugal nem conserva. Mas parece-me que, além do excelente trabalho da Cinemateca – que recuperou muitas coisas da época –, haverá muitos filmes de família, de colonos, deve haver muita coisa."

Porque resolveu contar uma história destas imagens?
Porque é uma ótima história. Comecei a ver os filmes, já conhecia alguns, só o do Ivo e o do Hugo é que vi durante a pesquisa. Quando comecei a fazer o filme, quando tinha dúvidas… no meu guião, falo muito de imagem. Parto dos filmes, das imagens, para contar a história. E quando tinha dúvidas sobre o tempo em questão, o contexto ou a narrativa, ia à imagem: o que nos diz a imagem? O que é mais forte, o que interessa, o que nos toca? O que tem impacto e o que ia colocando no guião: isto é o início da guerra colonial, que imagens temos? É muito objetivo. Insisto nisto: não quero contar a história, nem a história colonial nem a história do cinema colonial português. Quis contar a história daquilo que envolveu o fabrico destas imagens. E fiz uma encenação sobre a própria produção das imagens coloniais. Como tudo isto é encenação, também posso fazer a minha.

Falou em imagens fabricadas. Mas nos filmes pós-25 de Abril, nos filmes dos realizadores que participam no documentário, não existe essa fabricação do imaginário do passado colonial?
A Margarida responde bem a isso, o Fernando e o João também: eles estão a fazer a sua leitura. São todos cineastas com uma postura e uma atitude diferente. Podemos não gostar dos filmes deles, essa não é a questão, mas são pessoas que assumem uma atitude, têm um projeto, não estão simplesmente a fazer uma história bonita com o tempo colonial como cenário. No caso do Ivo [“Cartas da Guerra”], ele adota, mais ou menos, o ponto de vista do António Lobo Antunes, mas não totalmente, faz um tratamento cinematográfico.

O diretor da Cinemateca, José Manuel Costa, e o ator e realizador português de origem são-tomense Ângelo Torres; a realizadora Margarida Cardoso e o ator angolano Orlando Sérgio

O Ivo a dado momento refere que não há muitas imagens da guerra.
O exército tinha… estavam guardadas perto do Jardim Botânico, num edifício que era do exército. E guardavam lá fitas antigas. Houve um incêndio em 1975, ardeu tudo. Mas Portugal tem um problema com a conservação dos arquivos. Em Inglaterra e em França, por exemplo, conservam e não mostram, mas conservam. Portugal nem conserva. Mas parece-me que, além do excelente trabalho da Cinemateca – que recuperou muitas coisas da época –, haverá muitos filmes de família, de colonos, deve haver muita coisa. Mas isso deverá desaparecer. Portugal tem a mania do segredo: se eu sei uma coisa que não sabes, eu tenho poder sobre ti.

“Fantasmas do Império”: porque o império nos atormenta?
Foi a primeira coisa que surgiu. Não é no sentido de espíritos, é no sentido de imagens, as imagens fantasmagóricas que transportamos. Mesmo os mais jovens podem ter na memória algumas imagens que aparecem no meu filme sem nunca as ter visto, sem nunca lhes terem dado atenção de facto. É uma coisa que se vai transmitindo: ou passa na televisão, ou viram um pedaço de um filme e aquilo ficou lá, na memória, como uma referência de um império que já não existe. O sonho do império não foi uma realidade, mas foi um sonho afirmado e repetido. Porque o império como ideologia existiu.

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