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Inflação já cortou um salário em 14 à função pública, pensionistas e setor privado?

O senhor cortou um salário em 14 aos funcionários públicos e aos pensionistas e às famílias do setor privado cortou também quase um salário. É a austeridade socialista que os senhores tentam esconder, mas penaliza as famílias.”

Joaquim Miranda Sarmento (PSD)

Joaquim Miranda Sarmento, o novo líder parlamentar do PSD, voltou a trazer para a discussão parlamentar a inflação e a consequente perda de poder de compra em Portugal. Segundo o social-democrata, a inflação “já está nos 9%” e a política de António Costa faz com que “funcionários públicos e pensionistas este ano perdem poder de compra de um salário em 14”, assim como o setor privado.

É verdade que a inflação já cortou à volta de 7% (1 em 14) do salário dos funcionários públicos, dos pensionistas e dos trabalhadores do privado? Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em junho (os dados mais recentes), a inflação fixou-se em 8,7%, o valor mais alto desde dezembro de 1992, se tivermos em conta o índice de preços no consumidor (IPC) e em 9% se olharmos para o índice harmonizado (o IHPC), aquele que é usado para as comparações internacionais. Quer isto dizer que, em junho de 2022, os preços estão mais caros 8,7% (ou 9% no caso do IHPC) em relação ao que estavam em junho de 2021.

A inflação é boa ou má para as contas públicas?

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Comecemos pelos funcionários públicos. Estes trabalhadores viram o salário subir 0,9% em janeiro por decisão do Governo. Alguns vão progredir este ano por via da avaliação da carreira, mas não todos — as carreiras gerais, por exemplo, que representam 45% do emprego público, não progridem porque o ciclo avaliativo de dois anos está este ano a meio (ou seja, as progressões só terão efeitos em 2023). Nesses casos em que não há progressão, subtraindo os aumentos de janeiro de 0,9% a uma inflação de 8,7%, verifica-se que os impactos no poder de compra são superiores a 7%. Ou seja, um salário em 14, como diz Joaquim Miranda Sarmento.

Já nos casos em que há lugar a aumentos através das progressões, e uma vez que não são conhecidas as percentagens de aumento por esta via, não é possível verificar se as declarações do deputado social-democrata são verdadeiras.

Há outros casos, de trabalhadores tanto do público como do privado que recebem o salário mínimo — que em janeiro subiu 6% de 665 euros para 705 euros. Um aumento de 6% já permite mitigar mais uma inflação de 8,7%, ainda que não totalmente. Nestes casos, face à situação destes trabalhadores em junho de 2021, a afirmação de Joaquim Miranda Sarmento não é correta.

O Governo estima que, além dos 0,9%, as remunerações na função pública subam, no peso total, 2,5% — por via do aumento do salário mínimo, das progressões e promoções, da mitigação do congelamento da carreira dos professores e outras carreiras especiais e “outras valorizações”. Mesmo que um aumento de 2,5% fosse verdade para todos os trabalhadores, apenas reduziria o impacto da inflação para 6,2%, quase um salário em 14.

No que toca aos trabalhadores do privado, os últimos dados do INE (que incluem público e privado) revelam que no primeiro trimestre do ano os salários subiram 2,2%, mas em termos reais, isto é, contando com o efeito da inflação de 4,3% registada naquele trimestre, caíram 2%. Estas estimativas já têm, portanto, em conta o aumento do salário mínimo em janeiro.

Há outro ponto que não foi referido pelo deputado: é que não é certo como é que a inflação vai evoluir no resto do ano, havendo instituições internacionais que apontam para um abrandamento (no caso do IHPC, o Governo estima que se fixe em 4% no total do ano, enquanto a OCDE aponta para 6,3%, o Banco de Portugal fala em 5,9%, o FMI em 6,1% e a Comissão Europeia, a última a rever a projeção, em 6,8%).

Assim, se é certo que a inflação está a ter impactos fortes no poder de compra, não é tão certo que este ano todos os trabalhadores, do público e do privado, e pensionistas vejam um corte equivalente a um salário (ou uma pensão) em 14. A evolução da inflação não é certa, com algumas instituições a apontar para abrandamentos na segunda metade do ano; assim como também não é certa qual está a ser a evolução dos salários no privado e no público, se considerarmos as promoções ou progressões.

ESTICADO

Aumento “brutal” da inflação foi impulsionado pelo custo das importações de energia?

Todos sabemos que os efeitos da guerra não se contêm nas fronteiras da Ucrânia, têm um efeito global e por isso têm também um efeito em Portugal. Efeito que se traduz, desde logo, num brutal aumento da inflação impulsionado pelo custo das importações, em particular da energia.”
António Costa, primeiro-ministro

Na intervenção inicial, o primeiro-ministro, António Costa, falava sobre as ajudas concedidas por Portugal à Ucrânia devido à guerra que tem efeitos também por cá. Foi nesse sentido que referiu que o aumento da inflação — que caraterizou como “brutal” — foi impulsionado “pelo custo das importações, em particular da energia”.

Os dados mais recentes apontam para um índice de preços no consumidor de 8,7% em junho ou de 9% se tivermos em conta o índice de preços harmonizado (que é usado nas comparações internacionais). No destaque de junho não há referência ao efeito das importações de energia sobre a inflação. Questionado pelo Observador, o INE responde que “não é possível” quantificar esse efeito. “Podemos quantificar o contributo dos preços da eletricidade, do gás ou dos combustíveis no comportamento do IPC/IHPC, mas não em função da origem (produção nacional ou importações)”, indicou.

Em relação à energia, o destaque do INE  refere que o índice relativo aos produtos energéticos aumentou para 31,7% face a período homólogo — o valor mais elevado desde agosto de 1984 —, mais do que os 27,3% do mês anterior. Já a variação média dos últimos doze meses nos produtos energéticos foi de 16,8%, acima dos 14,9% do mês anterior.

Ao Observador, o INE acrescenta que para a inflação homóloga de 8,7% a energia contribuiu com 2,52 pontos percentuais, tendo os combustíveis rodoviários tido o maior contributo (1,39 pontos percentuais), seguido da eletricidade (0,66 p.p.), do gás natural e de botija (0,39 p.p.) e da rubrica “outros combustíveis” (0,08 p.p). Mas diz não ser possível quantificar qual a origem desses produtos, se nacional ou importação.

O efeito do aumento dos preços de energia pode também ter sido indireto nomeadamente sobre os preços dos bens alimentares. Mas, mais uma vez, não é claro que o grande impulso tenham sido as importações, sobretudo de energia.

ESTICADO

A carga fiscal dos combustíveis desceu 18 pontos percentuais?

A redução de 18 pontos percentuais da carga fiscal sobre combustíveis, permitindo poupança de 16 euros num depósito de 50 litros de gasolina ou 14 euros num depósito de 50 litros de gasóleo.”

António Costa, primeiro-ministro

António Costa, na sua intervenção inicial, voltou a referir este dado que já tinha afirmado no debate da moção de censura do Chega no passado dia 6 de julho.

Motivou um confronto de ideias, neste Estado da Nação, com André Ventura do Chega, que acusou Costa de tapar o sol com a peneira em relação à subida de preços nos combustíveis: já está acima de dois euros no gasóleo “o mais caro de sempre” e está em 2,26 euros na gasolina.

António Costa disse não esconder que está caro mas reiterou que a carga fiscal desceu 18 pontos percentuais. O Observador, no debate da moção de censura, já tinha feito o fact check deste dado.

Nessa altura, o Observador comparou a carga fiscal por cada litro de combustível na segunda semana de outubro de 2021, antes de ser decidida a primeira descida do imposto, e o peso que os mesmos impostos (IVA e ISP) tinham no preço final na última semana de junho. A carga fiscal da gasolina caiu de 58% para 40% e a do gasóleo baixou de 53% para 35%. As contas que Costa referiu estão corretas. Mas, nesse debate, o Observador catalogou de esticado a intervenção do primeiro-ministro, na medida em que Costa deixava entender que tinha acontecido por via de intervenção do Governo.

Para a descida da carga fiscal contribuiu a redução do imposto petrolífero e o congelamento da atualização da taxa de carbono, mas há um outro fator a ter em conta: quanto maior o preço antes de impostos, menor o peso dos impostos no preço final.

Combustíveis mais caros, pior aeroporto do mundo, apoios à agricultura. Seis Fact Checks ao debate da moção de censura ao Governo

Ou seja, nem tudo é explicado, quando se olha para a diminuição da carga fiscal, pelo que se faz ao nível de impostos, mas em relação à descida de 18 pontos percentuais a afirmação é verdadeira.

CERTO

Ajudas às banca entre 2008 e 2018 davam para pagar 800 anos de Porta 65?

“No que diz respeito a fechar a mão aos portugueses e a abrir a quem não precisa, recordamos que entre 2008 e 2018, o país gastou com a banca mais de 18 mil milhões de euros, um valor que dava para pagar quase 800 anos de Porta 65 Jovem”.
Inês Sousa Real (PAN)

A deputada Inês Sousa Real, do PAN, confrontou o primeiro-ministro sobre as ajudas do Estado à banca, referindo que na década que começou em 2008 e terminou em 2018, estas ascenderam a 18 mil milhões de euros. Os números podem ser verificados no parecer do Tribunal de Contas à Conta Geral do Estado de 2018.

De acordo com a entidade, nesse ano, e “desde 2008, as despesas líquidas com as intervenções públicas, destinadas a apoiar o sistema financeiro, totalizaram 18 292” milhões de euros. Dizem respeito, sobretudo, aos compromissos assumidos com a alienação do Novo Banco, mas também com o BPN e a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.

Ajudas do Estado à banca custaram mais de 18 mil milhões na última década

Esta parte da afirmação é, portanto, verdadeira. Já em relação ao Porta 65 Jovem, que se destina a apoiar o arrendamento de jovens até aos 35 anos, tinha, no Orçamento do Estado para 2021, uma dotação de 23,5 milhões de euros. O que multiplicado por 800 totaliza 18,8 mil milhões. As contas de Inês Sousa Real são, por isso, verdadeiras.

CERTO

PIB per capita cresceu 20% entre 2015 e 2019?

O país não empobreceu, o PIB per capita dos portugueses cresceu 20%, entre 2015 e 2019, e mesmo com os dois terríveis anos da pandemia, em 2020 e 2021, o PIB per capita dos portugueses aumentou 18% relativamente a 2015.”

António Costa, primeiro-ministro

Num despique com o deputado social-democrata Joaquim Miranda Sarmento, o primeiro-ministro assegurou que Portugal “não empobreceu” e que o PIB per capita até “cresceu 20% entre 2015 e 2019” e 18% em 2020 e 2021 face a 2015. Será verdade?

Os dados do Eurostat sobre o PIB per capita, expressos em paridade de poder de compra, dizem que não. Em 2015, o PIB per capita português fixou-se em 21.300 PPS (uma unidade monetária artificial utilizada na UE para comparações europeias e que elimina as diferenças no nível de preços nos países) em 2015, aumentando 15,49% em 2019, para 24.600. Portanto, abaixo dos 20% referidos por António Costa.

Já em 2021, ficou por 24.000 PPS, 12,7% acima do valor de 2015, e não 18% como disse o primeiro-ministro. Os 18% também não se verificam quando a comparação é feita entre 2015 e 2020: nesse período, o aumento é de apenas 7%.

Já depois da publicação deste artigo, o gabinete do primeiro-ministro disse ao Observador que António Costa se referia ao PIB per capita nominal. E, de facto, tendo esses dados em conta a afirmação do primeiro-ministro é verdadeira.

Só que, ao Observador, o economista da Nova SBE Pedro Brinca diz que o PIB nominal não é uma boa medida da efetiva melhoria da economia e do bem-estar na vida das pessoas. Isto porque ignora os efeitos da inflação. Pedro Brinca dá um exemplo: “O PIB nominal entre 1995 e 2014 duplicou. O problema é que dessa duplicação do PIB, 80% foi inflação. Ou seja, dentro da ideia de que o PIB mede bem-estar só houve um aumento de 20% nesses 20 anos”, explica.

Por isso, acredita que o indicador mais correto será o PIB expresso em paridade de poder de compra, como o Observador analisou, ou o PIB real. “A paridade de poder de compra tipicamente é usada para comparar, no mesmo ponto no tempo, países diferentes. Normalmente, para o mesmo país ao longo do tempo usa-se o PIB real, mas o conceito é muito semelhante [ao PIB em paridade de poder de compra]. Enquanto um controla para as diferenças de preços no espaço, outro é para as diferenças de preços no tempo”, indica. E acrescenta: “Só o PIB real é que mostra, no mesmo país, ao longo do tempo, o crescimento da riqueza disponível para os cidadãos” porque já tem em conta o impacto de inflação.

Mas mesmo se tivermos em conta o PIB real, medido pelo Eurostat, a afirmação de António Costa está errada. De acordo com estes dados, entre 2015 e 2019, o PIB per capita aumentou 12,3% (e não 20%). E comparando 2021 com 2015, um ano ainda de pandemia, também houve subida, mas não chega aos 18% mencionados pelo governante — fica em 7,8%.

ENGANADOR

Fact check atualizado com resposta do gabinete do primeiro-ministro e alterada a classificação de “errado” para “enganador” por considerarmos que o indicador utilizado por António Costa não é o que melhor espelha a riqueza gerada para os cidadãos

Em 2006, António Costa acabou com carreira de guarda florestal?

Ainda se lembra quem extinguiu guarda florestal em 2006?

André Ventura (Chega)

É também um tema que o Observador já tinha feito um fact check, a propósito de uma publicação no Facebook que questionava: “Porque acabou António Costa em 2006 com a guarda florestal (4000) deixando as pessoas e bens no interior rural agroflorestal ao dispor dos ladrões e dos terroristas incendiários!”. André Ventura, líder do Chega, aproveitou o Estado da Nação para atirar a Costa a mesma pergunta, que não teve resposta do primeiro-ministro.

Fact Check. Em 2006, António Costa acabou com carreira de guarda florestal e com os postos de 4 mil trabalhadores nessas funções?

Em 2006, António Costa era ministro da Administração Interna (MAI). Segundo o fact check já feito pelo Observador, foi o Governo em que António Costa era ministro da Administração Interna que decidiu acabar com os guardas florestais, que acabariam extintos pela não renovação dos postos. Os que existiam à data da decisão foram integrados na GNR e, de acordo com o Ministério da Administração Interna, foram 505 os elementos que fizeram essa transição (e não os 4 mil postos que o utilizador do Facebook tinha dito existirem). Mas, foi de facto nesse Governo em que António Costa foi ministro da Administração Interna que se extinguiu o Corpo Nacional da Guarda Florestal.

CERTO

Portugal aplicou três de 15 recomendações anticorrupção?

“Não podia terminar este debate sem falar de corrupção. A mesma corrupção que prometeu combater, mas todos os dias percebemos que estamos na mesma. O Governo socialista apenas implementou três das 15 recomendações em matéria de corrupção”.

André Ventura (Chega)

A acusação partiu de André Ventura. O líder do Chega não especificou a origem das recomendações, mas referia-se ao relatório publicado no início deste mês pelo Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO).

Corrupção: TI Portugal “desapontada” com falta de cumprimento das recomendações do GRECO

De acordo com este órgão de monitorização, Portugal aplicou totalmente três das 15 recomendações da GRECO. Sete destas recomendações foram parcialmente aplicadas e cinco ficaram por aplicar, segundo o relatório, relativo a 2021, deste órgão do Conselho da Europa.

Das cinco recomendações dirigidas aos deputados dos estados-membros do GRECO, Portugal não aplicou nenhuma na totalidade. Três foram parcialmente concretizadas e duas ficaram por concretizar. Já no que toca às seis recomendações dirigidas aos juízes, Portugal aplicou apenas uma na totalidade, três parcialmente e duas falharam na implementação. A afirmação de André Ventura é, por isso, verdadeira.

CERTO

Precariedade em Portugal aumentou?

Reduzimos o desemprego, aumentámos a precariedade.

Jerónimo de Sousa (PCP)

O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, garantiu, no Estado da Nação, que a precariedade no emprego está a aumentar.

O Eurostat tem um indicador sobre a precariedade no emprego que nos conta outra história. Segundo esses dados, em 2021 a precariedade em Portugal passou para 1%, face aos 1,7% no ano anterior, tendo tido o pico em 2012 e 2013, com 3,5%. Estes dados do Eurostat indicam a percentagem de empregados por conta de outrem com contratos até três meses.

Mas isto é a ponta do icebergue. Se olharmos para outros números vemos que os contratos a prazo, segundo a Pordata (com base no INE), totais (não havendo divisão do prazo), também diminuíram em 2021, para 586,6 mil, face aos 595,6 mil do ano anterior. O pico foi atingido em 2018 com 745 mil contratos a prazo. O peso dos contratos a prazo nos trabalhadores por conta de outrem foi, em 2021, 14,4%, o que compara com os 14,8% em 2020 e 18,3% em 2018.

Há ainda outro dado a verificar. O peso dos isolados nos trabalhadores por conta própria aumentou no último ano, atingindo 457,3 mil (de um total de 704,2 mil trabalhadores por conta própria), quando em 2020 foi de 438 mil e a aumentar desde 2014. Este indicador por si só não mostra precariedade. No entanto, segundo o INE, num inquérito ao emprego, mostrou um indicador novo. Dos cerca de 700 mil trabalhadores por conta própria (no inquérito estavam contabilizados 687,3 mil), 69,2 mil tinham um único cliente, o que poderá ser um indicador de um chamado falso recibo verde, ou seja, 10,4%. Esta é a primeira vez que o INE apresenta este indicador, por isso, não se percebe se tem aumentado.

Por isso, embora não haja um único indicador a mostrar a evolução da precariedade em Portugal, a maioria não indica crescimento.

ERRADO