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Entrevista ao designer português de moda, João Magalhães, no seu novo estúdio. Sozinho, criou a sua própria marca, a Morecco que se iníciou como uma marca de acessórios, mas evoluiu até apresentar a primeira coleção completa de pronto-a-vestir, e a estar presente na Moda Lisboa. 14 de Outubro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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O criador português inaugurou um atelier em Lisboa com a amiga e também designer Mafalda Froes.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O criador português inaugurou um atelier em Lisboa com a amiga e também designer Mafalda Froes.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

João Magalhães inaugura atelier em Lisboa. "É loja, é galeria e não é uma discoteca, ao contrário do que as pessoas poderiam esperar de mim"

Construiu tudo ao lado de Mafalda Froes, criadora da White Raven, e aproveitaram a ModaLisboa para inaugurar o espaço na Rua das Trinas, onde vendem as suas marcas e expõem artistas de várias áreas.

De uma infância com mais de 30 mudanças de casa — foram tantas que nem sabe o número certo — ergueu um castelo pouco convencional. Se todas as carreiras se constroem um bocadinho por acaso, como acredita, a sua é o resultado de um puzzle cheio de peças improváveis, todas elas com cores e padrões que colidem, tal como as suas coleções. São o resultado de uma vida passada entre Lisboa e Londres, de um curso de Arquitetura que nunca viu o canudo, de saídas à noite, de tentativas e erros.

João Magalhães, de 34 anos, era uma criança “estranha”, nas suas próprias palavras. Gostava das brincadeiras dos rapazes e das raparigas, andava no râguebi e no ballet ao mesmo tempo. “Acho que qualquer criança que cresceu e foi adolescente nos anos 90 e início dos 2000 sofreu de bullying, sobretudo se era um bocadinho diferente, como eu”, conta ao Observador numa conversa a propósito do novo atelier que inaugurou no número 102 da Rua das Trinas, em Lisboa, no último dia da 59.ª ModaLisboa.

“É loja, é galeria e não é uma discoteca, ao contrário do que as pessoas poderiam esperar de mim”. Se a infância do criador português foi marcada por alguma instabilidade, deu-lhe em troca facilidade em fazer amigos e uma vida social bem recheada, com os contactos certos. Foram eles, acredita, que o empurraram para a ModaLisboa em 2015, na altura ainda com a marca Morecco. Só a partir de 2019 é que apareceu em nome próprio.

Entrevista ao designer português de moda, João Magalhães, no seu novo estúdio. Sozinho, criou a sua própria marca, a Morecco que se iníciou como uma marca de acessórios, mas evoluiu até apresentar a primeira coleção completa de pronto-a-vestir, e a estar presente na Moda Lisboa. 14 de Outubro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Divide o espaço com a White Raven

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Na Rua das Trinas, aproveitou a última edição da ModaLisboa para apresentar a sua nova coleção — “Tell Me You’re Cool Without Telling Me You’re Cool” — e inaugurar com a amiga Mafalda Froes, criadora da White Raven, um atelier que pode ser visitado por marcação, onde está todos os dias. “As pessoas já não precisam de andar atrás de mim para comprar as minhas coisas”.

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Mas não é só um atelier, como explica. “Lojas em Lisboa há muitas, a maioria aborrecidas. Queremos oferecer uma experiência que seja um bocadinho mais do que só vender roupa”. O espaço tem, assim, uma componente museológica, quer ser um ecossistema de artistas, dar-lhes espaço, e já conta com várias peças artísticas expostas, que podem ser vistas por quem os visitar. “Amanhã até vamos jantar para falarmos da nossa programação cultural.”

"Lojas em Lisboa há muitas, a maioria aborrecidas. Queremos oferecer uma experiência que seja um bocadinho mais do que só vender roupas"
João Magalhães

Olhando para as Suas coleções, é impossível não perguntar: já era um miúdo com imaginação?
Era, sem dúvida. Era dos melhores alunos em artes, mesmo na primária. Os professores comentavam muito a minha expressividade e a minha capacidade de abstração. Lembro-me de ler isso anos mais tarde, nos relatórios que os professores enviavam para os pais. Isso começou desde novo e acompanhou-me. A partir dos 15 anos, comecei a achar que não, que queria ir para Economia e ser um grande gestor. Até que, no final do secundário, no 11.º ano, percebi que não gostava nada do que estava a fazer e decidi mudar para artes.

Viveu um início de vida em Londres, dos 2 aos 12 anos. Porque é que foi para lá?
Os meus pais separaram-se e o meu padrasto era inglês. Fui com o apoio da minha família paterna, porque o meu pai também estudou em Londres e havia uma grande ligação da minha família portuguesa a Inglaterra. Tive uma educação muito anglo-saxónica.

As primeiras memórias são todas lá?
Sim, só aprendi a falar português aos 12 anos. A minha primeira língua foi o inglês, tanto que leio mais em inglês do que em português. Tenho memórias muito românticas dessa altura, que devem ter influenciado o meu trabalho. Houve uma fase mais remota e bucólica da minha infância, até aos 7 anos, em que vivi numa aldeia com uma forte veia artística chamada Cotswolds, onde vivem muitos artistas, como a Kate Moss. Tenho memórias de atravessar campos cheios de flores para ir para a primária, de morar numa casa com um telhado de colmo. Essas memórias do campo também estão ligadas ao meu universo visual. Eu sou muito de cidade, mas tive esse período, em que estava ligado a esse universo.

A dada altura, a minha mãe e o meu padrasto tiraram-me da escola durante um ano para irmos viajar.
João Magalhães

Também viveu num barco.
Dos 2 aos 3 anos vivi no barco do meu padrasto. Já devo ter mudado de casa mais de 30 vezes. Em criança, estávamos sempre a mudar de sítio. A dada altura, a minha mãe e o meu padrasto tiraram-me da escola durante um ano para irmos viajar. Com tudo o que isso tem de bom e de mau — porque também havia muita instabilidade — tive muitas experiências atípicas em miúdo que influenciaram o meu trabalho até hoje e que me dão facilidade noutras áreas, como a fazer amizades ou a falar com pessoas, porque tinha de me readaptar constantemente.

O que é que motivava todas essas mudanças?
Ter pais malucos (risos). Houve imensos vais e vens. Vim para Portugal aos 12 anos, depois, fui para a Escócia, voltei para Portugal aos 13 anos e fiquei até aos 18 anos, antes de voltar para Inglaterra já em adulto. O meu pai morreu. Na altura, tivemos problemas familiares que nos obrigaram a vir e foi uma experiência um bocado violenta.

Violenta em que aspeto?
Foi um bocado violento quando fui para um liceu português, porque não percebia nada dos códigos sociais. Já tinha estado em Portugal quase dois anos numa escola inglesa, mas não era a mesma coisa. Tive de me adaptar a toda uma nova realidade. O bullying numa escola portuguesa não é igual ao bullying numa escola inglesa. Foi duro, mas positivo em algumas coisas. Transformou-me numa pessoa muito flexível. Tive uma infância e adolescência um bocado voláteis, mas que me deram muitas ferramentas.

Entrevista ao designer português de moda, João Magalhães, no seu novo estúdio. Sozinho, criou a sua própria marca, a Morecco que se iníciou como uma marca de acessórios, mas evoluiu até apresentar a primeira coleção completa de pronto-a-vestir, e a estar presente na Moda Lisboa. 14 de Outubro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Os contactos que fez na indústria ajudaram-no a chegar à ModaLisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O bullying foi uma experiência que viveu na pele?
Acho que qualquer criança que cresceu e foi adolescente nos anos 90 e início dos 2000 sofreu de bullying, sobretudo se era um bocadinho diferente, como eu. Fui uma criança um bocado estranha, estava no râguebi e no ballet ao mesmo tempo. Sempre fui difícil de encaixar e fazia por isso, não gostava de me conformar, gostava das brincadeiras dos rapazes e das raparigas. Também tinha dificuldades de língua. Só me tentei conformar em adolescente, como estratégia de sobrevivência, para me integrar. Hoje em dia, há mais mecanismos para incluir crianças que fogem ao standard, mas nessa altura não havia tanto. Sofri um bocadinho, sobretudo na escola portuguesa, mas dei a volta. Não é um assunto que hoje me pese muito. A dada altura, no fim de adolescência, vinguei-me e fiz eu um bocadinho de bullying, numa fase infeliz. Acho que todos passámos por essas coisas.

Acha que essa diferença não se sentia tanto em Londres?
Pelas conversas que entretanto fui tendo com amigos de lá, acho que em Portugal as pessoas são mais conformistas. Os ingleses têm mais a tradição de estimular a individualidade e a excentricidade, faz parte da cultura deles. Vê-se isso, por exemplo, na gama cultural inglesa, que é vastíssima e impactante no mundo inteiro. O ensino das artes é muito estimulado lá, mesmo na primária e no secundário, se tens facilidade para isso, és incentivado. Em Portugal, é uma disciplina vista como da treta e a mensagem que nos transmitiam era que “se queres ir para Artes, vais morrer à fome, se fores para Economia, vai-te correr bem a vida”.

Estava a sair à noite. Vivi com pessoas transgénero sem saber que o eram, conheci pessoas de todos os tipos de etnias, sexualidades e identidades de género. Tive experiências que me abriram imenso a cabeça.
João Magalhães

E acabou mesmo por ir para Economia.
(Risos). Fiz o 10.º e o 11.º em Economia até que, no verão do 11.º para o 12.º percebi que não era nada daquilo que eu queria. Pensei: “Eu detesto isto, porque é que eu estou a fazer isto? É muito aborrecido.” Fiz testes psicotécnicos e deram-me alguma facilidade em quase tudo, mas sobretudo em artes. Tive de repetir um ano para conseguir algumas equivalências para seguir Arquitetura que, segundo a minha família, era o curso que me ia dar bases artísticas com uma componente profissional mais segura. O que é um grande disparate, porque hoje em dia existe um excedente de arquitetos gigantesco em Portugal precisamente por causa desse pensamento. Tenho muitos amigos arquitetos e quase nenhum seguiu essa área. Comecei a estudar Arquitetura, percebi que também não era bem aquilo que queria, fiz as malas e fui quatro anos para Londres.

O que esteve a fazer nessa altura em Londres?
Oficialmente, a estudar, mas isso nunca aconteceu (risos). Estava a sair à noite. Como vim de uma família criativa, bastante liberal e privilegiada em todos os níveis, estava a viver realidades que nem conhecia. Vivi com pessoas que eram transgénero sem saber que o eram, conheci pessoas de todos os tipos de etnias, sexualidades e identidades de género. Tive experiências que me abriram imenso a cabeça. Percebi que afinal o mundo era muito mais além daquilo que eu conhecia. Saía muito à noite, fiz alguns contactos porque comecei a fazer styling, a ter mais noção do que era a indústria da moda. Foram 4 anos, até que a minha família me disse “menino, ou estuda ou trabalha”. E decidi voltar para Portugal.

Entrevista ao designer português de moda, João Magalhães, no seu novo estúdio. Sozinho, criou a sua própria marca, a Morecco que se iníciou como uma marca de acessórios, mas evoluiu até apresentar a primeira coleção completa de pronto-a-vestir, e a estar presente na Moda Lisboa. 14 de Outubro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O atelier pode ser visitado por marcação

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Foi aí que criou a Morecco, um bocadinho como brincadeira?
Começou tudo em 2015 ou 2016 como uma brincadeira paralela com uma amiga, em que vendíamos golas em pelo e lenços enquanto eu estava a acabar o curso. E, de repente, a coisa começou a ganhar forma.

Não acabou o curso de Arquitetura?
Não. Conhecia muitas pessoas em indústrias criativas e comecei a perceber que não fazia sentido obrigar-me a fazer mais um ano e a pegar numa tese se não era nada disso que eu queria. Depois, a minha amiga saltou fora e comecei a fazer roupa mesmo e a apresentar com esse nome na ModaLisboa. Acho que todas as carreiras começam um bocadinho por acaso,

\mas é um acaso que não é, porque o meu caminho sempre me conduziu neste sentido. E como eu sou muito teimoso e não lido bem com autoridade, nunca deixei que ninguém me aconselhasse e fui cometendo sempre os meus erros, fui tentando e errando e a coisa foi ganhando forma.

Mesmo o tempo que passou em Londres foi uma espécie de escola da vida.
Completamente. Não estou a menosprezar o ensino formal, até porque candidatei-me duas vezes à Central Saint Martins e não entrei, mas há muitas experiências que acrescentam à minha capacidade de raciocínio e conceptualização que aprendi por mim mesmo. Fiz muitas viagens de vários meses sozinho pelo mundo fora, de mochila às costas, onde treinei muito o meu olho. Fui fazendo uma formação própria à minha maneira, porque tive meios para o fazer e o apoio da minha família.

Como surgiu o convite para apresentar pela primeira vez na ModaLisboa?
Foram muitos anos de vida social dentro e fora de Lisboa e eu conhecia as pessoas certas, que acreditaram em mim e que eu não era só um miúdo que se vestia de maneira engraçada e que dizia umas coisas divertidas, mas que tinha capacidade de transformar essa informação toda numa coisa mais concreta. Reconheço que isso é um privilégio enorme. Outras pessoas não tiveram essa sorte, foram por um caminho mais tradicional e não conseguiram. De todos os alunos de moda, só alguns é que apresentam no Sangue Novo. Fui muito privilegiado, mas esse privilégio não caiu do céu. Por outro lado, fui saltando etapas e depois tive de voltar atrás. Quando apresentei pela primeira vez não sabia o que era ir a um fornecedor encomendar tecido, não sabia como se falava com fábricas. Fiz muitos erros pelo meio.

Tinha muito síndrome de impostor, achava que não tinha capacidades nenhumas e nem tinha coragem de me apresentar como designer 
João Magalhães

Porque é que achou em 2019 que fazia sentido mudar a marca para nome próprio?
Foi quando comecei a perceber que aquilo já não era uma marca, era eu. Achei que fazia sentido, apesar de todos os meus nomes serem impronunciáveis em inglês, atirei-me de cabeça. Não acho que seja uma grande vedeta, mas também quero algum reconhecimento. A marca também veio do universo social que eu construí. Tinha muito síndrome de impostor, achava que não tinha capacidades nenhumas e nem tinha coragem de me apresentar como designer até que, de repente, percebi que não era assim, que já tinha apresentado três coleções na ModaLisboa, tinha feito um curso e já sabia fazer o molde de um casaco, já tinha capacidades mais técnicas e um arcabouço que me permitia pensar que era um designer e que podia dizer o meu nome. Foi um momento de viragem. Não apresentei durante uma estação e depois voltei em nome próprio e foi notória a evolução.

Essa hesitação inicial com a mudança de nome estava relacionada com algum peso do mercado inglês para a marca?
Não necessariamente. Quando falamos de um nome difícil de dizer em inglês, falamos de todas as línguas que não sejam o português. João Magalhães é difícil em qualquer língua, até para os espanhóis. Mas também há imensos designers holandeses com nomes complicadíssimos e as pessoas continuam a comprar. Também me enerva um bocadinho esta preocupação que há sempre em Portugal com por os nomes das marcas em inglês, quando temos a quinta ou sexta língua mais falada do mundo. Mas, por acaso, calhou bem agora Portugal estar na moda, com todos os problemas imobiliários que isso traz (risos).

Acho um desfile a coisa mais entediante à face da terra. Estar a obrigar as pessoas a estarem meia hora ou 40 minutos à espera por uma coisa que dura 10 minutos e é só uma música e modelos com um ar aborrecido a andarem em frente, para mim é pouco.
João Magalhães

Num mercado pequeno e convencional como o nosso, ter um ponto de vista diferente é uma mais valia?
Quando dizem “tem um estilo tão diferente” eu digo “ai que nervos”, isso depende de pessoa para pessoa. Eu acho que tenho uma visão mais artística, menos convencional, mas acho que Portugal está a mudar muito, sobretudo em Lisboa. Moro numa zona da cidade onde andar na rua agora não é o mesmo que há dez anos. As pessoas vestem-se melhor e com mais liberdade. Quando eu era criança, a minha mãe queixava-se muito dos olhares que recebia por pintar as unhas de encarnado e às vezes usar sapatos encarnados. Vinha de Londres e lá usava o que lhe apetecia. Mas hoje Lisboa é uma cidade mais liberal e cosmopolita. Houve uma invasão de estrangeiros que, como disse antes, trazem problemas imobiliários, mas também trazem uma lufada de ar fresco à cidade. Agora, ando na minha zona e vejo rapazes de saia, tudo e mais alguma coisa. Logicamente é um nicho, se eu fosse ao interior não havia essas coisas, mas somos um país muito diferente do que éramos há uns anos. Acho que os anos 90 foram uma fase particularmente conservadora na história da indumentária e isso agora mudou.

A forma como apresenta os desfiles também foge ao convencional. No ano passado, pôs uma banda a tocar na ModaLisboa.
Eu acho um desfile a coisa mais entediante à face da terra. Para um jovem designer como eu, acho que só acrescenta valor se apresentar uma nova experiência às pessoas sobre o que vai na minha cabeça e a narrativa que estou a tentar contar. Estar a obrigar as pessoas a estarem meia hora ou 40 minutos à espera por uma coisa que dura 10 minutos e é só uma música e modelos com um ar aborrecido a andarem em frente, para mim é pouco. Se puder dar uma plataforma a bandas, a DJs ou a skaters, como já fiz, isso é bom para todos. Adoro complicar. Para a apresentação deste novo atelier, fui eu que desenhei as luzes com um amigo. Tudo isso dá mais trabalho, mas também é enriquecedor, porque aprendo coisas novas.

Durante a apresentação da nova coleção, na ModaLisboa

MELISSA VIEIRA/ OBSERVADOR

Vamos então falar sobre esta nova coleção. Resolveu juntar tudo na inauguração do atelier. Fazia mais sentido do que ir para o recinto da ModaLisboa?
Este atelier é um projeto em conjunto com uma amiga, que é a Mafalda Froes, da White Raven. Foi ela quem me desafiou a ter um espaço mais a sério em Lisboa. Eu estava cheio de medo da responsabilidade e do investimento, mas ela insistiu e disse-me que, se depositasse a energia e me atirasse de cabeça, tudo ia correr bem. Fizemos, desenhámos e construímos tudo juntos. Depois, as obras em Portugal são para demorar duas semanas mas acabam por demorar dois meses e achei que a ModaLisboa fazia sentido ser lá, era um incentivo para nós os dois, para por o pé no acelerador e ter um deadline. Eu adoro deadlines, é como trabalho melhor. Antigamente, as pessoas tinham de andar atrás de mim para lhes vender alguma coisa, agora podem dirigir-se à Rua das Trinas, 102, e eu estou lá. Aproveitam e conhecem também o trabalho da Mafalda, que é muito interessante.

A nova coleção recebeu um nome muito curioso, “Tell Me You’re Cool Without Telling Me You’re Cool”.
Eu acho que a moda não tem que ser política, nem tem que ser um statement, mas eu gosto sempre de fazer um statement. Tudo na nossa vida hoje em dia, o que compramos de roupa e o que pomos nas redes sociais, acontece porque queremos ser cool. Sobretudo no segmento de clientes que me procura mais. Uma pessoa muito beata, que passa o dia todo em casa com 3 filhos, se calhar também gosta, mas não é quem mais me procura. Vai sempre ser uma mulher ou um homem com uma vida social, que gostam de aparecer. Achei graça a esta ironia, porque no fundo andamos todos numa correria para sentirmos que estamos frescos e na crista da onda, sobretudo na minha geração e na geração abaixo. E o que é que uma nova loja quer sempre ser? Cool. E vender. Este verão foi aquele em que fui a mais festivais e ouvi mais música, vi muitas novidades e descobri muitas bandas novas. Isso também está muito associado à coisa de ser cool, não é?

Entrevista ao designer português de moda, João Magalhães, no seu novo estúdio. Sozinho, criou a sua própria marca, a Morecco que se iníciou como uma marca de acessórios, mas evoluiu até apresentar a primeira coleção completa de pronto-a-vestir, e a estar presente na Moda Lisboa. 14 de Outubro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Um recanto do atelier

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Essas idas aos festivais inspiraram o próprio processo criativo?
Sim, de forma muito inconsciente. Eu só me apercebo das coisas mais tarde, porque trabalho de forma muito intuitiva. Nem sei porque é que quero fazer as coisas, não as estudo. Não tenho uma metodologia muito científica, o meu método é espontâneo. Acabei por me aperceber que uma mistura de sabores e cheiros, emoções e sons que tinha na minha cabeça — e que acumulei ao longo dos últimos meses — foi muito importante nesta coleção. Depois, eu gosto sempre de misturar coisas que não têm nada a ver, como chapéus de casamento desconstruídos em coisas que se podia usar num festival. Gosto sempre de criar contrastes entre conceitos e ideias.

E mesmo nos próprios tecidos, não é? Os materiais usados nas luvas não têm nada a ver, teoricamente, com os das calças de zebra cheias de glitter.
Mas no final funciona, não é? Há sempre um momento antes de apresentar as coleções, sobretudo à medida que fico mais ousado nas coisas que faço, em que penso “ai meu Deus, nada vai bater com nada”. Mas depois, não sei porquê, faz imenso sentido. Não sei como, mas efetivamente leopardo com sapatos japoneses, com chapéus Luís XV fazem imenso sentido.

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