A loucura está instalada nos EUA. Há quem acampe à porta da loja para agarrar um Stanley cup, há quem tenha chorado desalmadamente quando encontrou um exemplar dentro dos embrulhos de Natal. Há fenómenos difíceis de explicar e este é um deles: como é que uma marca com 111 anos viu as vendas dispararem 1.027% em apenas 4 anos (sim, mais de 10 vezes) por causa de um copo térmico?

@patricksandersq94

This little girl’s reaction to getting her very own pink Stanley Cup, for Christmas, will have your heart exploding with joy???????? #fyp #StankeyCup #Christmas #MerryChristmas

♬ original sound – PatrickSandersQ94

“Quando tinha 11 anos, pedia bonecas. As meninas com 11 anos de hoje pedem copos (…) Percebo que os presentes possam gerar reações emotivas nos jovens, mas ver os miúdos da geração Alpha a soluçar por garrafas de água é bastante surpreendente“, comentou sobre o fenómeno Casey Lewis, analista de tendências da juventude, em entrevista ao Business Insider.

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Por que foi que um copo térmico se tornou tendência entre a miudagem? Lewis propõe uma teoria: “É possível que tenha passado de mães da geração millennial, apesar de isso desafiar o modo como as tendências normalmente se desenvolvem — na minha experiência, a maioria começa com os jovens cool e depois, assim que passam para baixo (para os miúdos mais novos) e para cima (para os adultos), os jovens cool seguem em frente.”

@victoria_robino_26

#fyp #fypシ゚viral #target #targetfinds #stanleycup #stanley #stanleytarget #valentinesday #stanleyvalentinesday

♬ original sound – Victoria Robino

A 1 de janeiro, a Stanley lançou uma edição especial em magenta para o Dia dos Namorados. Os clientes correram para a Target e lançaram-se às prateleiras, forçando os funcionários a aplicarem um limite de dois copos por pessoa, para evitar açambarcamentos. Dias depois, na véspera do lançamento de uma edição especial com a Starbucks, um pai relatou no TikTok a noite em que acampou com a filha à porta da loja às 1h40 para serem os primeiros na fila na manhã seguinte — e garantirem um dos cobiçados modelos de edição limitada.

As coisas já estavam a correr bem para a marca quando, em novembro passado, um vídeo do TikTok mostrou como um copo térmico sobreviveu praticamente ileso a um incêndio num carro, preservando o gelo no interior. Se foi sorte, acaso ou simulação, provavelmente nunca o saberemos. O que se sabe é que o vídeo teve mais de 94 milhões de visualizações e gerou alarido suficiente para chegar à Stanley, que, sabendo surfar a onda deste milagre do marketing, se ofereceu para enviar uma série de copos e pagar um carro novo à autora.

@dailymail

@Danielle says the ice in her Stanley cup survived a CAR FIRE that incinerated her vehicle – but left the insulated container completely intact. #fyp #stanleycup #carfire #accident #wholesome

♬ original sound – Daily Mail

Um pouco por todos os EUA, mas especialmente em áreas suburbanas e cidades universitárias, os Stanley são o acessório indispensável do momento. Com centenas de cores disponíveis, muitos colecionam-nos, dedicando porções consideráveis da casa, estantes e armários, para exibir os seus copos como troféus de mérito, organizados por cores, inutilizados. “De quantos copos reutilizáveis precisa uma pessoa”, questiona quem se depara com o fenómeno. “De todos”, respondem os fanáticos.

Holly Snyder, criadora de conteúdos no TikTok, admitiu à Dazed ter 539 copos Stanley em casa. Carolina Kyung, também influencer, afirmou à mesma revista ter mais de 100 unidades. Nessa rede social, é fácil tropeçar em vídeos onde os clientes (fãs?) ostentam as suas vastas coleções.

@justtkass

I think i may have too many ???? stanleycup funny fyp

♬ original sound – South Park

A marca dos campistas e dos “colarinhos azuis”

Fundada em 1913, a Stanley especializou-se na produção de garrafas térmicas para pilotos da II Guerra Mundial e “colarinhos azuis”, expressão que, nos EUA, se refere aos operadores de trabalhos manuais pesados, agricultores, mineiros, construtores. Com isolamento a vácuo e forrados em aço inoxidável, os copos prometem manter a temperatura das bebidas quentes ao longo de sete horas ou das bebidas frias por 11 horas.

Durante grande parte da sua existência, o público-alvo foram campistas e adeptos de atividades ao ar livre. A grande mudança deu-se em 2017, quando o blogue The Buy Guide recomendou o modelo Quencher, com capacidade para um pouco mais de 1 litro, como sendo o melhor de todos os copos térmicos. “Todos fazem um trabalho semelhante a manter as bebidas frias, mas nem todos têm uma pega e uma palhinha seguras para colocar na máquina de lavar”, lia-se no post. O Quencher tinha sido lançado no ano anterior. Até então, ninguém parecia estar a prestar-lhe muita atenção.

Em 2019, a equipa do The Buy Guide fechou uma parceria com a Stanley para ser retalhista dos Quenchers, tornando-se rapidamente popular entre o seu grupo de leitores, maioritariamente do sexo feminino. “A marca realmente passou de um marketing,principalmente dirigido aos homens para as mulheres”, explicou ao The New York Times Shelley E. Kohan, professor na Universidade de Syracuse.

@carolinakyung

Tumbler update #stanley #starbucks #collector

♬ original sound – Carolina Kyung

As redes sociais e a cultura do consumismo

Com um valente empurrão das redes sociais, particularmente no TikTok e no Instagram, os Stanley cups (não confundir com a taça homónima que premeia o vencedor do campeonato norte-americano de hóquei no gelo) fizeram-se notar. A Stanley oferece garantia vitalícia pelas peças em aço inoxidável. Disponíveis em centenas de cores vistosas e com um design apelativo, as qualidades estéticas dos copos parecem importar mais do que as técnicas. “Tornou-se um objeto de moda, como uma carteira ou cinto”, diz Kohan.

O hashtag #StanleyTumbler (sendo “tumbler” outra palavra para copo) acumulou mais de mil milhões de visualizações no TikTok. Figuras públicas como Adele, Jessica Alba, Victoria Beckham, Shay Mitchell e Olivia Wilde também se juntaram à febre da Stanley. Em abril de 2023, a cantora britânica levou o seu copo térmico para gravar o episódio final de “Carpool Karaoke”.

James Corden deu uma ajudinha a Adele para se hidratar no último episódio de sempre do super popular “Carpool Karaoke”

Em plena pandemia, corria o ano de 2020, o Quencher tornou-se o artigo mais vendido da Stanley. No mesmo ano, contrataram um novo presidente, Terence Reilly, ex-executivo na Crocs. Entre 2020 e 2021, as vendas dispararam 275%. Entre 2019 — quando começaram a trabalhar com o The Buy Guide — e 2023, os rendimentos da empresa subiram de 73 milhões de dólares (cerca de 66 milhões de euros) para 750 milhões de dólares ao ano (cerca de 684 milhões de euros).

Embora o preço possa variar consoante cores e edições, um copo custa tipicamente 45 dólares (cerca de 41 euros). Quem não os consegue comprar pelo preço de venda está disposto a pagar bastante mais — alguns Stanley de edição limitada foram parar a plataformas de revenda por valores até 280 dólares (273 euros), de acordo com a TMZ.

A loucura está no centro de um debate aceso sobre a cultura do consumismo. Um copo reutilizável com capacidade superior a 1 litro é mais do que suficiente para satisfazer a sede de uma pessoa. Na sua génese, é um objeto que promove a sustentabilidade, reduzindo o desperdício de garrafas descartáveis. Mas não é isso que se verifica no comportamento dos consumidores que os acumulam por status. Embora funcionais e produzidos, em parte, a partir de materiais recicláveis, especialistas de consumo acreditam que muitas coleções dos copos Stanley vão, provavelmente, acabar um dia num desterro.

@mk_b11

#fyp #stanleycup #stanley #viral #target #targetmusthaves @Stanley 1913

♬ Everybody – Nicki Minaj

JB MacKinnon, autor do livro “The Day the World Stops Shopping: How Ending Consumerism Gives Us a Better Life and a Greener World”, expressou a sua preocupação em entrevista ao The Guardian: “Não estamos a conseguir nada com estes produtos e, muitas vezes, andamos para trás. Era suposto que comprássemos todos um copo reutilizável há 15 anos e o levássemos para a cova. Mas agora verifica-se uma mudança constante na estética e estilo destas garrafas, e as pessoas entram num ciclo de substituição constante.”

“Ninguém consegue usar tantas garrafas de água”, admite a analista Casey Lewis, desta vez em entrevista à Dazed. “Acho que ainda não atingimos o pico do consumismo, infelizmente. Acho que não estamos sequer perto do pico”, continua. “Mas acho que atingimos o pico [de popularidade] da Stanley.” Na entrevista ao Business Insider, que já aqui mencionámos, Lewis foi mais longe: “[Os copos] estão absolutamente de saída. Não há como subir a partir deste ponto.”