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Lula da Silva não tem dúvidas de que será o próximo Presidente do Brasil e que o azar do seu Corinthians — que esta quarta-feira perdeu a Copa do Brasil frente ao Flamengo — não se repetirá no dia 30. “Eu vou receber a faixa”, afirma ao Observador, admitindo ainda assim que o país está a viver uma eleição muito disputada.
E a sua última manhã de campanha no Rio de Janeiro, acompanhada pelo Observador, é o reflexo de como não vai tirar o pé do acelerador até ao momento em que os brasileiros forem novamente às urnas depositar o seu voto — na segunda-feira vai ser discutida a estratégia para a última semana.
Vindo do Rio Grande do Sul e já a preparar ações em Minas Gerais, o antigo Presidente brasileiro começou o dia com uma conferência de imprensa num hotel em Copacabana e antes de partir para São Gonçalo — município da área metropolitana do Rio onde Bolsonaro há dois dias encheu um recinto — aceitou falar em exclusivo com o Observador. Diz que Bolsonaro faltou ao respeito a Portugal e deixou uma garantia: caso ganhe as eleições, as relações com Portugal serão privilegiadas. Quanto ao Brasil, diz que o país “precisa abrir mão do ódio”.
Entrevista ao Observador: “Eu vou receber a faixa”
Nos últimos meses assistimos a momentos de tensão entre os dois países — um almoço com o Presidente da República de Portugal que foi cancelado por Bolsonaro e alguns outros episódios durante as comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil. Caso ganhe as eleições, o que fará para reforçar as relações entre o Brasil e Portugal ?
A primeira coisa que posso dizer é que acompanhei a vinda do Presidente de Portugal ao Brasil e vi a falta de respeito do Presidente Bolsonaro com o Presidente de Portugal e com Portugal.
A segunda coisa é que o Brasil nunca teve contenciosos e mantém boas relações com o mundo inteiro. Nós nunca tivemos um problema. No tempo em que eu era Presidente, visitámos muitos países e recebemos muita gente aqui. E a relação com Portugal tem que ser uma coisa irmã. Tem de ser uma coisa mais privilegiada, não só porque a língua é mais fácil, mas porque temos uma relação de 500 anos com Portugal que não se pode menosprezar.
Eu tive uma relação extraordinária com todos os governos portugueses. Tive muita, mas muita relação, com todos os primeiros-ministros, socialistas, mais da direita, mais de centro. Nunca deixei de ter boas relações com Portugal. Acho que esse é o papel do Brasil, até porque nós fazemos parte dos países de língua africana [referência à Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa]. E precisamos até fazer com que a nossa língua seja uma língua oficial da ONU, e para isso a gente tem de estar junto.
Recebeu Presidente português na visita em que o Presidente Bolsonaro desmarcou o encontro. Foi uma conversa já de preparação para um cenário futuro como Presidente?
Recebi duas vezes o Presidente de Portugal e receberei a terceira e a quarta vez. Porque acho que é um processo de educação, é um processo de respeito receber um representante de um outro Estado que veio ao seu país conversar com você.
Ouça aqui a entrevista exclusiva de Lula da Silva ao Observador
Lula da Silva garante: “Eu vou ganhar as eleições” no Brasil
De uma coisa o povo português pode ter certeza se nós ganharmos as eleições: a nossa relação com Portugal será privilegiada e será uma relação de muita harmonia. Porque nós sabemos o significado do Brasil para Portugal e de Portugal para o Brasil. Precisamos sempre estar juntos.
Referiu-se esta manhã, na conferência de imprensa, à eleição como estando a ser “parelha”, mas em momentos anteriores já havia dado a sua vitória como certa. Está a adotar um discurso mais cauteloso, devido à evolução das sondagens?
Não. Eu vou receber a faixa, vou ganhar as eleições. O problema é que a eleição é muito disputada. Nós temos um adversário que está utilizando a máquina do Estado como jamais foi utilizada em todo o século de República neste país.
Como assim?
Eu tenho dito que se juntar todos os presidentes desde o primeiro Presidente, que foi o Marechal Deodoro da Fonseca, até agora nenhum deles — nem mesmo todos juntos — gastou o que está gastando este Presidente. Ele utiliza a máquina pública, o Estado, o aparelho de Estado, todo santo dia.
E mesmo assim, nós vamos ganhar as eleições. Vamos ganhar as eleições, porque esse país precisa abrir mão do ódio e privilegiar o amor.
A comparação com o que se passa no Reino Unido
Antes da curta entrevista ao Observador, o candidato respondeu a algumas questões dos jornais e televisões brasileiras e internacionais, onde explicou que na segunda-feira serão delineados os planos para os últimos dias de campanha, frisando, numa das suas respostas, que os mais recentes dados das sondagens devem servir como alerta: “A eleição está muito ‘parelha'”.
Esta quarta-feira, a mais recente sondagem da Datafolha, encomendada pela Globo e pelo jornal Folha de São Paulo dava conta de uma intenção de voto em Lula da Silva de 49% na segunda volta, mais 4% do que em Jair Bolsonaro. Como a margem de erro é de 2% para cima e para baixo, a diferença entre ambos está no limite dessa margem.
Lançando duras críticas à máquina montada pelo seu adversário, Lula defendeu ainda que a embaixadora da Venezuela no Brasil foi usada por Bolsonaro na resposta à mais recente polémica a envolver o atual Presidente – o Chefe do Estado associou imigrantes de 14 e 15 anos que vivem numa comunidade de Brasília à prostituição, algo que, segundo o próprio, se apercebeu porque entrou na casa delas depois de ter “pintado um clima”. Na conferência de imprensa, Lula da Silva não deixou de criticar toda a situação, lembrando inclusivamente que aquela diplomata foi nomeada pelo autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, opositor ao regime de Maduro.
“Nós sabemos como ele age, mas ninguém estava preparado para enfrentar a monstruosidade rede mentirosa assim”, disse Lula, lembrando a relevância de ter um Governo forte: “Na Inglaterra a primeira-ministra renunciou, porque não tem tamanho para enfrentar os problemas económicos que a Inglaterra tem. E nós temos legado que nos faz ter a certeza de que os conseguiremos enfrentar”.
Na mesma conferência defendeu ainda que é preciso tomar medidas urgentes em relação às armas, porque, diz, “quem está a adquirir armas não são as pessoas honestas, mas o crime organizado” e que é preciso olhar para os toxicodependentes como “pessoas que precisam de tratamento”. “A geração de emprego é outra das minhas obsessões”, rematou, não sem antes — e sem que qualquer jornalista o tivesse questionado — falar sobre o jogo que marca a atualidade no Brasil em tom de brincadeira: “Na verdade foi o Corinthians que facilitou”. Um momento que gerou risos dentro da sala.
O esquema de segurança
Depois de receber a imprensa, a comitiva de Lula da Silva partiu para São Gonçalo — onde na primeira volta Bolsonaro alcançou 50,09% dos votos e o candidato do PT 42,4%. O passeio pelo centro da cidade estava agendado para as 12h00. Mas a essa hora, a coluna de carros onde seguia estava ainda a entrar na ponte de 13 quilómetros de extensão que liga o Rio de Janeiro a Niterói.
A coluna de carros em que seguia o antigo Presidente brasileiro era composta por três Toyota Corolla, um Mitsubishi Pajero, um Mitsubishi Outlander, todos blindados e com as luzes azuis da Polícia Federal, e uma ambulância. Os carros e motas que se cruzaram com a comitiva no início da ponte tiveram de aguardar até que esta se distanciasse, sempre com batedores da Polícia Civil em motas a garantir que nenhum carro furava o perímetro montado. Lula da Silva demorou cerca de 13 minutos a cruzar a ponte, seguindo sempre dentro dos limites de velocidade impostos: 80 quilómetros por hora. Chegou ao centro de São Gonçalo quando o relógio marcava as 12h28.
A multidão que o esperava e a provocação dos apoiantes de Bolsonaro
Antes de chegar ao centro da cidade, à Praça Estephânia de Carvalho — conhecida como praça Zé Garoto —, onde o aguardava um mar de gente, Lula da Silva passou ainda por uma carrinha com quatro ou cindo apoiantes de Bolsonaro — que minutos depois haveriam de passar em jeito de provocação junto da multidão que estava ali para ver o candidato do PT, gerando alguma tensão e o arremesso de águas. Mas nessa altura já não se via sequer o carro em que seguia o ex-Presidente do Brasil.
No seu discurso à multidão vestida de vermelho e branco, Lula criticou as medidas económicas do atual governo, prometeu o aumento do salário mínimo e ainda disse que o seu governo vai acabar com a exploração sexual de menores no país, no que pode ser visto como uma indireta à polémica sobre as menores venezuelanas que envolve Jair Bolsonaro.
Enquanto falava, num dia em que o Rio de Janeiro acordou com sol de verão, a multidão ia reagindo de forma eufórica. Algumas pessoas tiveram mesmo de ser assistidas pelas equipas de emergência, devido ao calor e aos empurrões.
Pouco antes das 14h00 já tinha terminado o discurso do candidato do PT, e era preciso ser rápido, porque à tarde havia mais uma ação, uma caminhada em Padre Miguel, um bairro da zona Oeste do Rio de Janeiro.
O Observador pediu também uma entrevista a Jair Bolsonaro, mas ainda aguarda resposta