Carlos Diogo Santos e João Porfírio, enviados especiais do Observador ao Rio de Janeiro, Brasil
Poucas horas depois do debate que juntou todos os candidatos à Presidência da República, na TV Globo, Lula da Silva participou num evento num hotel na zona Sul, ao lado do candidato que apoia na corrida a governador do Rio de Janeiro. Marcelo Freixo (PSB) é o homem que o Partido Trabalhista (PT) escolheu derrotar o candidato apoiado por Jair Bolsonaro, Cláudio Castro (Partido Liberal, PT). As sondagens, porém, têm dado o candidato do PL à frente de Freixo, ainda que indiquem como provável uma segunda volta.
Num estado considerado reduto de Bolsonaro, a hipótese de uma segunda volta é vista como uma vitória. O Observador pediu entrevista a Caio Castro e Marcelo Freixo, tendo o segundo aceitado falar no final do encontro com Lula da Silva, na última sexta-feira de manhã.
Como é que se explica que o resultado nas sondagens sobre o Rio não acompanhe o resultado nacional, dado que o senhor, que tem o apoio de Lula da Silva, segue em segundo lugar? E qual é a relevância que o Rio de Janeiro tem para o PT?
O Rio de Janeiro é importante para o Brasil, porque em qualquer lugar do mundo — não é diferente em Portugal –, quando você fala do Brasil, a primeira imagem que se tem é a do Rio de Janeiro. É um cartão postal, só não pela beleza natural, mas porque é um lugar muito importante, que influencia o país inteiro. E esse Rio não pode continuar a ter uma máfia a governar o Estado. Neste governo, são já cinco secretários importantes presos — como o da Educação, Saúde e Segurança. Nós precisamos de mudar essa gestão no Rio de Janeiro. Há 40 anos que a esquerda não vence uma eleição aqui, há um poder estabelecido aqui que é muito forte.
Considera que está prestes a derrubar esse poder estabelecido?
Pela primeira vez, conseguimos fazer uma aliança, reunindo todo o campo progressista, dialogando com o centro, uma aliança que é também com a sociedade. É isso que faz com que a gente agora tenha uma hipótese real — o que não significa que a gente já esteja em primeiro e que ganhe no primeiro turno. O Rio não é a mesma realidade do Brasil, no geral. O Lula governou esse país, o Lula está voltando para derrotar o Bolsonaro, que é daqui do Rio de Janeiro. Essa expressão da extrema direita brasileira nasce no Rio de Janeiro, nasce numa sociedade que é muito vinculada ao domínio de território pelo crime. No stablishment do Rio, crime, polícia e política não se separa. Então, derrotar isso dentro da democracia não é uma tarefa fácil. E diria que é por isso que a gente não consegue acompanhar o mesmo cenário das sondagens para a presidência da República.
Mas, então, ter a hipótese real de ir à segunda volta, já é uma vitória para si nesta altura?
É e a pesquisa está indicando um segundo turno [uma segunda volta]. E as sondagens indicam o segundo turno entre mim e o atual governador, que é vice do governador que foi afastado — e que tem dentro do seu governo todos os setores que foram presos nos últimos anos. A diferença no segundo turno é de oito pontos apenas, o que é muito possível de uma reversão.
Ali dentro, durante a conferência de imprensa em que estava sentado ao lado de Lula da Silva, falou-se do Rio de Janeiro como uma bolsa bolsonarista? Revê-se então nessa expressão?
A gente vai ter uma escolha nessa eleição — se o Rio vai continuar sendo um espaço para alimentar o bolsonarismo e tentar inviabilizar o governo Lula ou se vai ser um estado aliado do presidente Lula para mudar a história do Brasil. É por isso que a eleição no Rio é tão importante.
E concorda com a análise de que das favelas pode vir uma surpresa positiva para o PT?
É muito difícil você entender a cabeça do eleitor em véspera de uma eleição. Uma coisa é a pesquisa, que eu respeito, tem uma ciência, outra é o que a população que não aparece nas pesquisas está pensando. Acho que as favelas são vítimas de muita violência política no Rio de Janeiro, no estado inteiro, e a gente espera que essas favelas votem com esperança e com coragem.
Estamos na reta final. Acredita na hipótese de Lula ganhar na primeira volta?
Acredito muito que o Lula possa vencer no primeiro turno, isso é decisivo. Se o Lula não vencer, vai ser uma diferença pequena, isto no primeiro turno. Mas eu acho que, concretamente, a gente pode ter essa vitória, que seria muito importante: mais importante do que vencer no primeiro turno pelo Lula, é o quanto é importante a derrota do Bolsonaro no primeiro turno. Eu acho que o Brasil precisa dar um recado para o mundo que uma extrema-direita violenta, autoritária, machista, racista — como essa que a gente tem visto — não pode ter viabilidade eleitoral. Então o Bolsonaro perder no primeiro turno é muito importante. Mais importante que a vitória do Lula é a derrota do Bolsonaro no primeiro turno.
Ali dentro, falou do governo Bolsonaro como um projeto autoritário. Mas é preciso não esquecer que foi um projeto que ganhou após anos de governo PT — e de forma democrática. O PT que o apoia aprendeu, na sua opinião, com esse sinal que a população deu forma clara quando elegeu Bolsonaro?
Claro. Só com concertar que o que Bolsonaro herdou não foi um governo do PT, foi um governo do Michel Temer, que foi um golpe na Dilma — um episódio que a gente não pode esquecer na história do Brasil. Bolsonaro sucedeu ao golpe do Temer. Houve uma rutura democrática…
… mas na época havia já um claro descontentamento com o PT.
Não há dúvida disso e esse descontentamento de que fala é anterior ainda, vem de 2013. As manifestações de 2013 foram manifestações que a esquerda nunca conseguiu compreender na sua dimensão. Havia uma crise de representatividade que envolvia uma crise de comunicação, uma crise de identidade muito mais profunda e que não está resolvida ainda. A gente ainda precisa entender o que se passou e precisa ‘ressignificar’ a política.
Insisto, porque não me respondeu claramente: acha ou não que foi aprendida alguma lição com o sinal que a população deu ao escolher Bolsonaro?
Eu não sou daqueles que acha que a violência faz a gente aprender alguma coisa. Eu não trato, nem nunca tratei, meus filhos com violência para que eles aprendessem alguma coisa. E acho que no processo político o que a gente viveu foi uma violência muito profunda e que o trauma não necessariamente educa. Mas, para ser claro: sem dúvida alguma nós cometemos erros. O Bolsonaro não venceu só pelos seus méritos, ele venceu também pelos nossos erros. Sobre esses erros, tenho certeza de que a gente aprendeu.
Para terminar, Lula diz estar muito otimista com o seu resultado. Isso coloca alguma pressão nas suas costas, tem medo de o desiludir?
Não, não, imagina. O Lula é meu amigo e tem um carinho muito grande por mim. E isso é algo por que eu tenho muito orgulho. Eu só cheguei onde cheguei por causa do apoio dele. Ele é uma figura singular na história do Brasil e caminhar ao lado do Lula é muito importante para mim. A gente fez um comício no início dessa campanha, no centro do Rio, e eu lembrei que em 89 eu estava ao lado do meu irmão, que foi assassinado, a assistir a um comício dele [Lula] do lado de baixo. Por isso, se eu estou com ele hoje lá em cima, falando para tanta gente, é porque a gente construiu esse caminho. Então, o apoio do Lula só nos traz felicidade e alívio. Não há qualquer peso.