O “Presidente é como é”, disse Marcelo Rebelo de Sousa ainda esta semana para justificar porque fala com toda a gente (e com Paulo Rangel, em particular, no meio da crise política). Mas só fala do que quer. Este sábado correu todos os partidos com assento parlamentar, em audiências no Palácio de Belém (como dita a Constituição), para saber o que pensam sobre a dissolução e a data das eleições, mas nunca abriu o seu jogo, não revelou estados de espírito, e chegou mesmo a dizer que não tem uma data na cabeça — a maioria dos partidos que ouviu pediu 16 de janeiro. A única garantia que deixou foi que não vai demitir o Governo.

Em cada audiência, Marcelo colocou apenas duas perguntas: concordam com a dissolução e qual a data que defendem para eleições antecipadas. “Cumpriu o protocolo. Não deu para perceber estados de alma”, diz uma fonte ao Observador. “Foi muito cauteloso em partilhar informação sobre datas”, acrescenta outra fonte que passou por Belém este sábado e que diz que o Presidente deu mesmo ” ideia de ainda não ter uma data”.

Só foi claro sobre a demissão do Governo. De acordo com o que terá garantido nessas reuniões, Marcelo afasta por completo esse cenário, argumentando que seria um “fator de instabilidade adicional”, conta uma das fontes contactadas pelo Observador.

Apesar de ter dito, a quem o questionou nas audições privadas, não ter uma data na cabeça, o Observador sabe (e noticiou aqui) que nas conversas que teve nos últimos dias Marcelo apontou eleições para o último domingo de janeiro ou o primeiro de fevereiro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora dos partidos ouviu uma urgência maior e muito pouca sensibilidade ao argumento de dar tempo ao Parlamento para concluir alguns processos legislativos que estão pendurados em comissões. O que traz um problema adicional a Marcelo Rebelo de Sousa: que argumentos terá para contrariar a vontade maioritária dos partidos com assente parlamentar?

A saída de Marcelo para resolver berbicacho à direita 

A única deputada que recordou os processos legislativos que continuam em aberto foi a líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, ao dizer que os deputados iam “carecer de algumas semanas para concluir o que está em especialidade e as petições pendentes na Assembleia da República”.

Foi a única a manifestar essa preocupação, mas esse pode muito bem ser o principal argumento usado pelo Presidente para apontar eleições para mais tarde: dar tempo ao Parlamento. É que quando dissolver o Parlamento, começa logo a contar o limite de 55 dias para realizar eleições. Para ter eleições no final de janeiro, como parece ser essa a vontade de Marcelo, o Presidente terá de dissolver a Assembleia da República apenas no final de novembro.

Esse calendário — dissolução no final de novembro, legislativas em janeiro — não interessa de todo a Rui Rio, que quer eleições “no máximo até 16 de janeiro”. O líder do PSD quer acelerar o processo e defendeu, em declarações a partir de Belém, que não se deve “andar aqui a arrastar um Parlamento que sabe que vai ser dissolvido e sem força política”.

O discurso de Rio foi mimetizado pelo líder do CDS, que também não acolhe o argumento da legislação em falta. Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos defenderam exatamente as mesmas duas datas possíveis (9 ou 16 de janeiro) e usaram argumentos muito semelhantes — também são os dois únicos líderes partidários que enfrentam pressão interna e a ameaça das eleições.

PS atordodado, sem certezas sobre vitória e a pedir eleições depressa

A audiência de Marcelo com Rio foi a mais curta do dia. Um toca e foge onde Rio não leu nada de especial, garantindo não haver “tensão nenhuma” com Marcelo, apesar de tudo o que foi sendo dito nos últimos dias. Ainda na quinta-feira, o Observador contava e antecipava o choque frontal entre os dois, depois de vários episódios que causaram grande incómodo na direção do PSD. Ainda na sexta-feira, em entrevista à SIC, Rio mal conseguiu disfarçar a tensão que agora diz não existir e não só pressionou Marcelo a marcar eleições para 16 de janeiro, como sugeriu que, se tal não acontecesse, seria a prova provada de que o Presidente da República tinha escolhido ajudar Paulo Rangel.

Em Belém, e apesar de ter sido mais contido do que fora na entrevista da noite anterior, cada frase de Rui Rio transpirava a suspeita de conspiração de Marcelo contra a sua vontade. Por isso, estreitou ao máximo a margem do Presidente, atirando para cima da mesa o calendário que o próprio Marcelo fez, de cabeça, quando falou pela primeira vez de eleições antecipadas logo a 13 de outubro. Nessa altura, o próprio Presidente apontou eleições hipotéticas para meio de janeiro; tudo somado, Rio não vê agora “nenhuma razão de interesse nacional que leve a empurrar para a frente as eleições”.

Rio em choque frontal com Marcelo. Direção do PSD teme frete a Rangel

A questão do calendário das legislativas é importante porque se cruza diretamente com o calendário interno do PSD. De acordo com a lei eleitoral, os partidos têm de entregar as listas de candidatos a deputados até 41 dias antes da ida às urnas. Posto isto, as contas fazem-se facilmente: se as eleições legislativas forem a 9 de janeiro, o PSD teria de entregar as listas até ao dia 29 de novembro de 2021; se as legislativas forem forem a 16 de janeiro, o PSD teria de entregar as listas até ao dia 6 de dezembro. Num caso como noutro, Rangel não teria manifestamente hipótese de conduzir o processo eleitoral.

Além das listas de deputados, um calendário mais curto obrigaria a anunciar muito mais cedo eventuais coligações pré-legislativas — um dos objetivos de Francisco Rodrigues dos Santos. O líder do CDS, que esta sexta-feira travou o congresso eletivo do CDS onde enfrentaria Nuno Melo — disse isso mesmo em Belém para justificar o adiamento das eleições internas: como é defensor de um entendimento pré-eleitoral com o PSD, tem de suspender a disputa interna para estabelecer essas pontes — com eleições a 16 de janeiro, as coligações pré-eleitorais teriam de ser comunicadas ao Tribunal Constitucional também a 6 de dezembro.

Em contrapartida, e tal como acontece com Rui Rio, quanto mais tarde Marcelo Rebelo de Sousa marcar as eleições legislativas, menos força terão os argumentos de Rodrigues dos Santos para justificar o adiamento do Congresso do CDS. Daí a pressão extra sobre o Presidente da República: as eleições têm de acontecer entre 9 e 16 de janeiro.

Esquerda complica contas

Se fossem apenas os líderes do PSD e CDS a exigirem eleições a 16 de janeiro, Marcelo poderia procurar conforto noutros partidos. Acontece que PS, PCP, BE (tal como o Chega) também defenderam a realização de eleições já a 16 de janeiro — o que, em teoria, retira margem a Marcelo para marcar outra data.

A audiência mais longa do dia foi com o PS, as outras não duraram muito mais do que cinco minutos. Com o secretário-geral adjunto e a líder parlamentar do partido, Marcelo Rebelo de Sousa acabou por estar mais distendido, mas ouviu o mesmo que dos outros partidos: mais um pedido de eleições 16 de janeiro.

Ainda assim, José Luís Carneiro garantiu que o PS não tem intenção de “condicionar” o Presidente na sua decisão, embora a sua posição tenha engrossado a pressão dos partidos sobre Marcelo. Pediu eleições para 16 de janeiro para, argumentou, “garantir que tão breve quanto possível o país volta às condições de governabilidade adequadas às suas necessidades.”

À esquerda, a data apontada é a mesma, mas a argumentação é outra. Jerónimo de Sousa defendeu que as eleições “não deviam passar” dessa data. Catarina Martins disse que não deviam ser antes e aproveitou o palco em Belém para reclamar mesmo a existência ” de folga orçamental” e avançar com estes aumentos no início do ano.

Os dois encontraram-se na mesma pressão sobre o Governo, exigindo aos socialistas que cumpram as promessas prometidas, nomeadamente o aumento dos salários, em concreto do salário mínimo nacional, e das pensões.

Entre os partido mais pequenos, apenas o Iniciativa Liberal aponta para o calendário totalmente diferente dos restantes: 30 e janeiro. O PAN não exclui esta data, deixando em aberto que as eleições se realizem entre a segunda quinzena de janeiro e a primeira de fevereiro. O Chega também avançou com a data maioritária e deixou um pedido a Marcelo, para que não dê o flanco e, no fim de todas as contas, pareça que “fez o frete” a Paulo Rangel.

A decisão final é — já se sabe — do Presidente da República que está a seguir todos os passos necessários à dissolução da Assembleia da República e que já convocou reunião especial do Conselho de Estado, para o dia 3 de novembro. Depois disso, anunciará a sua conclusão.