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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Nuno Garoupa. "António Costa só se pode queixar de ser vítima da sua inação durante oito anos em matéria de Justiça"

Nuno Garoupa defende a introdução do princípio da oportunidade no processo penal e a execução de penas após a decisão de 2.ª instância. Duas medidas, entre outras, para tornar a Justiça mais eficiente

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É uma das vozes académicas mais respeitadas quando se fala de Justiça. Doutorado em Economia e Mestre em Direito, Nuno Garoupa critica há muitos anos a ineficiência da administração da Justiça nas diversas jurisdições. Por isso mesmo, a reforma profunda da jurisdição penal que defende em entrevista ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador tem a “eficiência” como palavra-chave.

“Justiça não é eficiente mas é independente”

Eleito no segundo semestre de 2023 como presidente da Associação Europeia de Direito e Economia, Nuno Garoupa defende a introdução do princípio da oportunidade — ou seja, permitir que o Ministério Público (MP) determine quais os crimes prioritários para a investigação, em vez de ser obrigado a investigar tudo —, que se siga outros países europeus que executam as penas de prisão efetiva após o encerramento da matéria de facto (o que, em Portugal, acontece com a decisão da 2.ª instância) ou a criação de um tribunal especial para julgar os casos mais complexos da criminalidade económico-financeira. E estas são apenas algumas das medidas para promover uma maior eficiência da Justiça Penal.

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O professor da George Mason Universitty, Antonin Scalia Law School, em Virginia (Estados Unidos da América) é igualmente a favor de mudanças de ruptura na Justiça Administrativa-Fiscal e critica António Costa pela “sua inação durante oito anos em matéria de Justiça”. Eis um resumo da conversa que pode ouvir aqui na íntegra.´

Há muitos estudos de opinião que têm avaliado a percepção dos portugueses sobre a administração da Justiça e os resultados não só são negativos como têm vindo a baixar. Uma sondagem da Universidade Católica, realizada após as buscas da operação Influencer, referia que 53% dos inquiridos não acreditavam na independência da Justiça. Há razões para que os portugueses não confiem na Justiça?
Temos de distinguir as perceções da realidade, sendo que as perceções são formadas a partir daquilo que são os casos mediáticos e daquilo que é a perceção pública sobre tais casos. Ao contrário de outros subsetores do Estado — como a Saúde ou a Educação — a grande maioria dos portugueses, felizmente, nunca entrou num tribunal nem nunca teve qualquer relação direta com a administração da Justiça.

Curiosamente, diversos estudos da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Observatório da Justiça da Universidade de Coimbra indicam que os portugueses que têm contacto direto com os tribunais têm uma melhor perceção da Justiça do que aqueles que não têm contacto direto. Portanto, há aqui um problema que tem que ser assacado em parte à mensagem que a Justiça tem, e aí, obviamente, tem a ver com o mediatismo de alguns processos judiciais.

Até até somos dos países que, de acordo com estudos científicos e objetivos, têm dos tribunais mais independentes da União Europeia. A Justiça tem problemas de morosidade e de eficiência, mas não me parece que tenha problemas de independência.

Por outro lado, e sobre a questão da independência dos tribunais, penso que há aí uma enorme confusão. Até somos dos países que, de acordo com estudos científicos e objetivos, têm dos tribunais mais independentes da União Europeia. A Justiça tem problemas de morosidade e de eficiência, mas não me parece que tenha problemas de independência.

A partir do Influencer, que é um desses casos mediáticos que refere, o MP tem sido criticado por alegadamente ter sido incompetente. De tudo o que já foi noticiado sobre esta matéria, partilha destas críticas? Estamos mesmo perante um inquérito que é uma mão cheia de nada?
Temos de começar por separar aqui a questão política da questão jurídica — e grande parte dessas críticas vêm da questão política. E aqui há que recordar que o primeiro-ministro demitiu-se porque se quis demitir. Ou seja, não foi uma medida de coação imposta pelo Ministério Público (MP). Isto para distinguir de outros casos, como o caso EDP, por exemplo, em que houve uma alteração do Conselho de Administração de uma empresa cotada em Bolsa por ordem judicial — e é discutível se devíamos ter esse tipo de medidas de coação.

Não acredita que o primeiro-ministro se tenha demitido devido ao famoso parágrafo?
Acredito que o primeiro-ministro tinha as suas razões para se demitir. Agora, ele demitiu-se voluntariamente. Ninguém impôs essa demissão. E tudo o que vem depois disso são decisões do primeiro-ministro, do Presidente da República e depois de outros titulares de órgãos de soberania.

Agora, em relação à questão jurídica, também temos que distinguir duas coisas. Uma é: dentro do que é a nossa realidade jurídica, o MP excedeu as suas competências? Daquilo que tenho ouvido, não me parece que alguém esteja a alegar que o MP excedeu as suas competências e cometeu ilegalidades. Evidentemente que os advogados, os arguidos e as pessoas que estão visadas nos inquéritos, têm uma versão que critica o MP. É normal que isso seja assim.

Por outro lado, o MP também já começa a ter noção de que não se pode estar a abrir inquéritos continuamente que não levam a condenações, apesar da lei obrigar a isso em nome do princípio da legalidade.

A lei portuguesa não tem o princípio da oportunidade.
Exato. Já lá vamos, porque eu sou favorável ao princípio da oportunidade. Mas há aqui um problema de credibilidade. Quando nós vivemos num país em que num ano, 2021, abrimos qualquer coisa como 4.500 inquéritos que levam a 150 ou 200 deduções de acusação e que depois levam a 20 ou 30 condenações, nós temos um problema de eficiência.

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Se a responsabilidade é do Ministério Público, se é dos tribunais, se é da legislação — isso é um debate que se tem que fazer. Agora, não é possível termos um sistema que gera 4.500 inquéritos que, grosso modo, terminam em 20 condenações.

A segunda questão prende-se com as regras que deveriamos ter para inquéritos que visam outros titulares de órgãos de soberania em funções. As coisas têm de ser feitas de outra maneira, como são feitas noutros ordenamentos jurídicos.

Influencer. “Inquérito a António Costa deve ter prioridade”

O inquérito de António Costa deveria ter prioridade?
Exatamente. Agora, nós vivemos num mundo em que vivemos. Neste caso, aliás…

É favorável a uma alteração legislativa que faça com que os processos que visem figuras do Estado, por exemplo, tenham, de facto, prioridade e passem à frente dos outros?
Sou favorável a isso, mas como sou favorável à criação de uma secção especializada — e até provavelmente à criação de um tribunal especializado na criminalidade económico-financeira e outras matérias criminais complexas.

E aqui quero acrescentar que, se há alguma coisa de que António Costa se pode queixar é de ser vítima da sua inação durante oito anos também em matéria de Justiça. Porque se tivesse feito muitas das coisas que, aliás, prometeu na campanha eleitoral, se calhar metade deste problema estaria resolvido.

Influencer. Costa suspeito de prevaricação devido a “lei malandra” negociada por Galamba e João Tiago Silveira

Há muitas vozes que defendem o reforço do poder hierárquico do MP. O PS e o PSD acordaram na Assembleia Constituinte um corte com o modelo da ditadura que subordinava o MP ao Ministério da Justiça. É necessário regressar um modelo a dessa natureza?
Temos que distinguir a questão que tem a ver com a organização formal do MP e aquilo que é a cultura que se instalou no MP, que ela própria, na minha opinião, não é diferente da cultura que está instalada na administração pública portuguesa. Logo, não ponho de lado que seja possível fazer algumas alterações legislativas que melhorem o controlo hierárquico.

Aliás, se bem me lembro, a atual procuradora-geral [Lucília Gago] tentou, através de uma circular, criar essa hierarquização dentro do Ministério Público. Que, aliás, todos os partidos vieram logo criticar. Os mesmos partidos que agora criticam que não exista a tal hierarquização.

Há um problema que se prende com as carreiras dos procuradores, as suas promoções são largamente decididas por senioridade, e não por uma avaliação quantitativa e qualitativa de desempenho.

Se há alguma coisa que António Costa se pode queixar é de ser vítima da sua inação durante oito anos também em matéria de Justiça. Porque se tivesse feito muitas das coisas que, aliás, prometeu na campanha eleitoral, se calhar metade deste problema estaria resolvido.

Deveríamos ter esse tipo de sistema em Portugal?
Sim. Agora, a verdade é que quando isso foi feito para os professores, o país levantou-se. Quando foi feito para outras áreas da administração pública, o país levantou-se. É normal que os procuradores sejam parte dessa cultura.

“Temos de ter princípio da oportunidade e execução da pena após a decisão da 2.ª instância”

Vamos falar de celeridade. Os tempos médios de resolução da Justiça Penal em Portugal são de cerca de um ano. Comparam bem com a média europeia, mas os tempos médios de resolução dos chamados processos de criminalidade económico-financeira ultrapassam os 10 anos. Qual o tempo razoável para uma decisão transitada em julgado?
Os nossos tempos de resolução são equiparáveis aos dos países de ordenamento semelhante ao nosso, como o espanhol, o italiano e o francês. Recordo-me de processos como o do caso Sarkozy (em França), ou o do processo Rodrigo Rato (em Espanha) ou dos vários processos que Silvio Berlusconi teve em Itália, são exemplos que toda a gente consegue lembrar-se, e são processos que normalmente levaram 2/3 anos.

2 ou 3 anos para uma decisão transitada em julgado?
Não, até termos uma decisão de primeira instância. Atenção, nestes países, a sentença pode ser executada quando a segunda instância confirma. Depois há aqui outra questão: se não é de executar sentenças na segunda instância e depois permitir….

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Quando a matéria de facto está encerrada?
Sim. Executar a sentença e depois permitir que os cidadãos exerçam os seus direitos de recurso até ao tribunal superior que entenderem. Já deveríamos ter tido essa discussão. Uma vez mais, esta é a nossa cultura política: chegámos atrasados.

Ou seja, Espanha e França e Itália — em virtude até da Operação Mãos Limpas em 1992 —, foram alterando a sua estrutura, o seu ordenamento jurídico e até a sua organização judicial para prevenir, reprimir e penalizar a grande criminalidade financeira e a corrupção de forma eficiente. Nós só começamos a ter esta discussão com 10 ou 15 anos de atraso.

Portanto, a minha intuição será que dentro de 15 ou 20 anos estaremos ao nível que estes países estão neste momento. O problema é que nós vamos sempre na última carruagem destas questões.

Quer dizer, esses três países, aliás como o Brasil, já passaram de um sistema de princípio de legalidade para um princípio de oportunidade mitigado. Nós não conseguimos. A última vez que esta discussão foi feita aqui, foi há dois anos, na Estratégia Nacional contra a Corrupção, e não se conseguiu vencer isso.

Parece que a nossa Justiça não entra para a União Europeia e ainda está no tempo da CEE.
Em parte é isso. Aliás, a única questão aqui é que, a União Europeia também não tem sido muito exigente com a nossa Justiça. Mais uma vez, eu acho que tem a ver com a pequenez do nosso país. Porque, de facto, os relatórios que a União Europeia e a OCDE têm feito sobre a nossa Justiça, em grande parte não refletem aquilo que é a nossa perceção interna dessa Justiça.

Por outro lado, e apesar da lentidão dos processos económico-financeiros, o tempo médio de resolução de todos os processos penais, compara bem com a União Europeia.
Exato. Mas nós temos que separar aqui aquilo que é o processo penal de tudo o que não é criminalidade económica e, digamos, os processos mediáticos.

Realmente, os tempos não parecem ser grande preocupação. De todo em todo. E onde, francamente, estamos nas médias europeias. A questão é perceber porque é que parece funcionar nuns casos e não funciona nos outros.

Espanha, França e Itália — em virtude até da Operação Mãos Limpas em 1992 —, foram alterando a sua estrutura, o seu ordenamento jurídico e até a sua organização judicial para prevenir, reprimir e penalizar a grande criminalidade financeira e a corrupção de forma eficiente. Nós só começámos a ter esta discussão com 10 ou 15 anos de atraso.

E por que razão é assim na Justiça comum e o contrário nos casos económico-financeiros?
Porque, obviamente, a assimetria de meios que o MP tem com o acusado ou o visado ou o arguido é enorme nos casos da Justiça comum e é não é assim nos casos da criminalidade económico-financeira porque os arguidos são gente que, em geral, tem recursos — financeiros e mediáticos. Isso reequilibra os pratos da balança, o que, obviamente, arrasta e dificulta os processos.

Não estou a dizer que se deve limitar as garantias de defesa. Não, não se trata disso. Agora, tem que ser pensado se no caso deste tipo de processos [económico-financeiros], não seria mais adequado ter um processo penal especializado, eventualmente com tribunais especializados.

Um tribunal equivalente à audiência nacional, por exemplo, a Espanha.
Exatamente. Só para este tipo de situações, onde poderíamos incluir também outros tipo de processos igualmente complexos. Porque no caso espanhol — e esse não é um problema nosso —, foram incluídas questões de terrorismo, etc, etc, etc, que facilitaria, portanto, essa questão.

Aliás, falta concluir o edifício jurídico-legal que se iniciou nos anos 90 com a criação do DCIAP e do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Claro, exatamente.

Falta o tribunal de julgamento.
Exato. Com a criação desse tribunal, estariam garantidas condições para o nosso processo penal possa ser muito mais rápido do que é neste momento.

“É evidente que não há Justiça sem política e não há política sem Justiça”

Vamos falar da Operação Marquês. O inquérito demorou quatro anos e três meses e terminou em outubro de 2017. Depois tivemos de esperar quase um ano para a fase de instrução criminal começar — tendo durado, a própria instrução, dois anos e sete meses. Já há quase três anos que estamos à espera do começo do julgamento e vamos conhecer esta semana a decisão da Relação de Lisboa sobre a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa. Contas feitas: cinco anos depois da acusação, a democracia ainda não conseguiu julgar José Sócrates. Esta é uma espécie de prova final de que o nosso processo é inoperante para os grandes casos?
É sintomático, sim. Vamos pôr em perspectiva. Nenhum país lida bem, obviamente, com processos que visam um antigo primeiro-ministro ou um atual primeiro-ministro. É verdade que Espanha, França e Itália já tiveram vários casos e, de alguma maneira, já aprenderam a lição.

A segunda questão tem a ver com um problema que é complicado de resolver: não podemos ter juízes com opiniões diametralmente opostas sobre qual é o direito processual penal vigente, que foi um pouco o que aconteceu com os dois juízes mediáticos [Carlos Alexandre e Ivo Rosa] de um mesmo tribunal [Tribunal Central de Instrução Criminal].

Em que um era a noite e o outro era o dia.
Exatamente. É normal que haja doutrinas diferentes e que haja algum pluralismo, mas não pode ser o dia e a noite. O próprio sistema tem que resolver, de uma vez por todas, que há doutrinas diversas, mas não podem divergir ao ponto de um estar sistematicamente a boicotar o que o outro está a fazer.

Com a saída dos dois, parece que isso deixou de acontecer.
Isso fez com que existisse uma grande melhoria: os atuais juízes não são mediáticos. Depois há outra questão: aquele disparate do “há política o que é da política, há Justiça o que é da Justiça”. É evidente que não há Justiça sem política e não há política sem Justiça.

O caso Sócrates, o caso Manuel Pinho, e agora também a Operação Influencer debilitam mais a credibilidade do Ministério Público (MP) do que a credibilidade do PS. E isto é um grande problema, porque o MP não consegue cumprir as expectativas que são criadas quando se abrem estes inquéritos. Se as expectativas não são cumpridas sucessivamente, isso cria um problema de credibilidade.

Olhando para essa questão. O PS tem sido muito resiliente aos casos judiciais, como o caso Sócrates, o caso Manuel Pinho, agora também a Operação Influencer que envolve António Costa e vários ex-ministros seus. Consegue perceber essa resiliência do PS?
Neste momento, estes inquéritos debilitam mais a credibilidade do Ministério Público (MP) do que a credibilidade do PS. E isto é um grande problema, porque o MP não vai a votos.

E qual é a razão para isso?
O que estamos a discutir aqui é o facto de o MP não conseguir cumprir as expectativas que são criadas quando se abrem estes inquéritos. Se as expectativas não são cumpridas sucessivamente, isso cria um problema de credibilidade. Por outro lado, o PS tem sido muito bom em separar-se desses casos e das pessoas envolvidas. O que faz com que o PS não seja só mais resiliente. O PS tem características diferentes de partidos congéneres, como o PS italiano, o PASOK (Grécia) ou até o próprio PS francês.

Agora, não penso que esse fenómeno seja restrito exclusivamente ao PS. Criou-se a perceção de que todos os partidos são iguais — que é errada. Por exemplo, há um cartaz do Chega que diz que “pagamos muitos impostos para pagar a corrupção”, o que é falso. Mas 99,9% dos portugueses subscrevem aquela frase e pensam que temos níveis de corrupção dos países mais pobres — que antigamente se designavam de economias em vias de desenvolvimento. E não estamos. Em termos de inquéritos e de corrupção dos nossos agentes políticos, não estamos muito diferentes dos outros países.

Mas temos um problema de impunidade porque o sistema judicial é inoperante no combate à grande corrupção. É essa a perceção do cidadão comum.
E essa impunidade tem duas componentes. Tem esta componente da impunidade sancionatória penal mas tem a impunidade eleitoral. E aqui há que responsabilizar os eleitores. Nós temos de fazer um discurso oposto aos populistas, que falam da elite malvada vs o povo bom. Não, aqui há, de facto, uma responsabilidade dos eleitores que são extremamente complacentes com a corrupção.

“O problema é que o Ministério das Finanças não quer pagar as suas dívidas e continua a empurrar os processos”

Falando num assunto que lhe é caro, a Justiça administrativa e fiscal. É a jurisdição com mais problemas em termos de morosidade processual. Os tempos médios de resolução em todas as instâncias de jurisdição administrativa,eram mais de 6 anos em 2018, mas agora variam entre os 7 e os 8 anos. E há casos que superam largamente os 10 anos. Estamos aqui claramente na cauda da Europa. Que soluções propõe?
Não há qualquer solução que venha a funcionar enquanto o Ministério das Finanças não assumir que vai pagar as suas dívidas. Porque o principal problema desta jurisdição é que os casos da área tributária e fiscal superam os casos administrativos — e isso não era assim.

O problema é que o Ministério das Finanças não quer pagar e, portanto, continua a empurrar os processos nos tribunais para evitar impugnações sociais, porque é melhor levar 10 anos do que pagar imediatamente a quem de direito.

O déficit orçamental agradece.
Exatamente. Porque no dia em que for feita uma reforma séria, nesse ano nós vamos ter um problema de déficit orçamental muito sério porque vamos ter que pagar tudo aquilo que lá está e que o Estado não quer pagar.

Independentemente de se criar outra instância a nível de tribunais, independentemente de se introduzir a arbitragem — do qual tenho sido crítico mas que aprecio o que têm feito —, é a questão do sistema ter aquilo que os espanhóis chamam de tribunal de defesa do contribuinte.

Na Justiça tributária o sistema deveria ter aquilo que os espanhóis chamam de tribunal de defesa do contribuinte. Em Espanha, um tribunal com essas características existe dentro da administração fiscal. Ou seja, há pessoas que não são da Autoridade Tributária que analisam recursos sobre decisões do Fisco e fazem uma segunda decisão sobre aquilo que são os indeferimentos por parte da AT. 

Em Espanha, um tribunal com essas características existe dentro da administração fiscal. Ou seja, há pessoas que não são da Autoridade Tributária (AT) que analisam recursos sobre decisões do Fisco e fazem uma segunda decisão sobre aquilo que são os indeferimentos por parte da AT.

Porque muitos dos casos que depois chegam a tribunal, são casos que as Finanças sabem que vão perder, como nós temos visto. O Estado perde entre 60% a 80% das decisões tributárias nos tribunais administrativo-fiscais.

A arbitragem e o novo tribunal de segunda instância, as grandes apostas do Governo do PS, são medidas insuficientes?
Atenção, a arbitragem foi a aposta do PSD, que depois o PS alargou.

A segunda instância é uma aposta do PS.
Essas medidas vão ter efeitos muito marginais, como estamos a ver, porque não resolvem o problema na origem: as decisões dentro da AT.

Costuma falar muito dos superpoderes da Autoridade Tributária. Houve-se muito o discurso dos advogados sobre os direitos, liberdades e garantias no processo penal, mas esse discurso não existe, de certa forma, quando falamos dos direitos dos contribuintes. O poder político deve reforçar os direitos, liberdades e garantias dos contribuintes?
Sim. Uma vez mais: o problema é que o interesse do ministério da Justiça entra em conflito com o interesse do ministério das Finanças nessa questão tributária. E as Finanças ganham sempre.

O poder político deve reforçar os direitos, liberdades e garantias dos contribuintes. Mas uma vez mais: o problema é que o interesse do Ministério da Justiça entra em conflito com o interesse do Ministério das Finanças nessa questão tributária. E as Finanças ganham sempre.

Isso é como no futebol: são 11 contra 11, mas ganha sempre a Alemanha.
Isso faz-me lembrar a questão das falências. Já tivemos várias leis das falências. E um dos problemas que se coloca e colocava na questão das falências é que normalmente na renegociação dos créditos, dos credores, havia sempre dois credores que não estavam de acordo: as Finanças e a Segurança Social. E eram os credores que eram responsáveis pela maior parte dos atrasos dos processos. Foi preciso as Finanças e a Segurança Social começarem a ceder para se conseguir resolver o problema.

Aqui, na área tributária, é exatamente a mesma. Agora, evidentemente, tudo isto tem que ser ponderado dentro daquilo que é a experiência da própria União Europeia. Porque o grande problema que se coloca aqui é a nossa competitividade. Ou seja, e além dos direitos dos cidadãos, isto é um grande problema em termos de competitividade da economia e de atração do investimento estrangeiro.

O investimento estrangeiro pede arbitragem em quase tudo, porque já não confia no sistema judicial português, mas há matérias em que não há arbitragem internacional.

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