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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"O Livre não deve votar a favor moção de rejeição do Chega à AD"

Rui Tavares diz que, se rejeição à AD partir do Chega, o "natural" é que Livre vote contra. Pede ainda que apoio à Ucrânia faça parte de acordo de nova geringonça. E admite que Livre integre Governo.

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O fundador e cabeça de lista pelo Livre, Rui Tavares, diz que, por princípio, não irá votar numa moção de rejeição a um programa de Governo da Aliança Democrática que seja proposta pelo Chega. Num Sob Escuta Especial Legislativas 2024, na Rádio Observador, Rui Tavares admite vir a participar num Governo de esquerda liderado pelo PS, mas insiste na ideia de um “acordo multilateral”. Nesse acordo, deve estar política internacional, em particular o reconhecimento da Palestina e o apoio à Ucrânia.

Apesar de ter integrado as listas de Fernando Medina em Lisboa, Rui Tavares concorda que há “excesso de zelo” com a dívida e as contas certas e que por isso crê que o antigo autarca “não” é um bom ministro das Finanças. O porta-voz do Livre e cabeça de lista por Lisboa defende ainda medidas do Livre como a revisão dos manuais escolares para que não haja uma “mitologia” do período colonial ou, por exemplo, o fim da disciplina de Religião Moral na escola pública.

[Veja, na íntegra, a entrevista ao fundador do Livre, Rui Tavares:]

Livre unipessoal? “As pessoas reconhecem no Jorge Pinto capacidade de liderar”

O Livre existe desde 2014. Rui Tavares foi a principal figura do partido nas europeias de 2014, nas legislativas de 2015, nas europeias de 2019, nas autárquicas em Lisboa de 2021, nas legislativas de 2022 e agora, aqui estamos de novo, nas legislativas de 2024. Não há mais ninguém no Livre com capacidade para protagonizar uma eleição?
Há e a partir do próximo dia 10 de março finalmente conseguiremos conquistar o tão almejado grupo parlamentar. É o que acreditamos que vai acontecer e, portanto, esse problema resolve-se e o principal beneficiário desse problema se resolver serei mesmo eu.

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Mas a cara principal é quase sempre a mesma. Não é estranho?
Quando se é deputado único, é natural que assim seja.

Mas isso já acontecia antes de ser deputado único. O Livre é muito crítico de alguns partidos unipessoais, mas parece também um partido muito unipessoal.
Não, de todo — e, visto de dentro, asseguro que é exatamente o contrário.

Mas escolhem-no sempre a si nas primárias. Ou seja, visto de dentro, se calhar também é assim.
Não, não me escolhem só a mim nas primárias.

Para ser o principal rosto das eleições, sim.
Nas primárias do Livre, o que se faz é uma ordenação das listas, por pontos. Poderá dizer: sim, mas o Rui foi escolhido para encabeçar a lista para Lisboa. Mas não foi escolhido para encabeçar outras.

Mal seria. Não poderia estar no Porto e em Lisboa ao mesmo tempo.
Mas isso quer dizer que há vários protagonistas que as pessoas reconhecem. As pessoas reconhecem, no Jorge Pinto, cabeça de lista pelo Porto, a capacidade para liderar aquele projeto por aquele distrito — e, aliás, também já reconheceram há dois anos. Não é só comigo que há essa estabilidade.

"Provavelmente poucas pessoas sabem [que o Livre tem dois porta-vozes], mas isso não é só culpa do Livre."

Quantas pessoas sabem que o Livre tem dois porta-vozes?
Provavelmente poucas pessoas sabem, mas isso não é só culpa do Livre. Devo dizer que, de cada vez que recebemos convites, e com a honrosa exceção da Rádio Observador, que já recebeu aqui a Teresa Mota, a minha co-porta-voz e cabeça de lista por Braga, muitas vezes as pessoas dizem: não, o convite é para o deputado não é para mais ninguém. Estamos conscientes dessa barreira e de que é a nós que compete ultrapassá-la. A par disso, a resolução da questão de haver mais protagonistas, mais caras e mais vozes no Livre é também uma solução que passa pelos eleitores, por conquistarmos mais votos, e por, a partir daí, se naturalizar junto da imprensa, para poderem aparecer outras pessoas, que, muitas vezes, nós tentamos que assim seja e nos é recusado, porque também há um certo tropismo da comunicação social, nomeadamente da televisão, a que apareçam caras que as televisões já conhecem, que já sabem que funcionam. Não é um problema nosso mas é um problema com o qual temos que lidar diariamente e que, estando nos media, compreendem.

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“Não me queixei de tratamento desigual em relação ao Chega”

Ainda há dias queixou-se de sofrer um tratamento desigual nesta campanha por parte da comunicação social mas é verdade que há muitos anos que o Rui Tavares tem colunas de opinião nos principais jornais, um espaço sem contraditório que nenhum líder partidário tem.
E a pergunta é?

A pergunta é porque é que se queixa desse tratamento desigual?
Não, é que eu não me queixei de um tratamento desigual em relação a mim. O que eu disse é uma coisa diferente. Eu disse que, em Portugal, a extrema-direita foi levada ao colo por alguns órgãos de comunicação social até quando tinha menos votos do que o Livre.

Quando é que isso aconteceu?
Em 2019, nas europeias, o Livre teve mais de 10 mil votos do que o Chega.

Não é verdade que entre maio e setembro desse ano o Chega tenha tido mais destaque mediático do que o Livre.
É verdade que o Chega até antes de maio, antes dessas eleições, teve mais destaque mediático. Lembro-me que já era muito comum os canais de televisão darem muito palco a André Ventura, seguirem os congressos do Chega, e que me lembre só um congresso do Livre foi muito acompanhado. A questão não é entre o Chega e o Livre. Isto é uma ilustração. Tem havido um enviesamento do nosso debate público a que não é alheio o talento da própria extrema-direita para conseguir marcar a agenda. Ninguém lhes tira esse talento mas também é preciso a essa manha que têm saber contrapor às vezes a relevância que têm ou não têm. Agora têm relevância e depois acaba por ser inevitável que falemos deles. É reconhecido por muita gente que tem havido uma presença, um correr atrás das histórias da extrema-direita por parte de vários títulos dos media em geral, e um destaque muito grande dado a André Ventura no início, quando ele era apenas um candidato do PSD em Loures, que beneficiou a extrema-direita. Eu estava à espera da pergunta mas eram só os considerandos iniciais.

Era uma pergunta porque se estava a queixar de falta de espaço mediático e tem um espaço de opinião sem contraditório.
Mas eu não me estava a queixar de mim em particular. Eu escrevi colunas na imprensa.

Quando está a dizer que existiu um partido que teve menos votos do que o Livre, e teve mais destaque, está-se a queixar desse partido ser favorecido relativamente ao Livre.
EEtou a dizer que esse partido está a ser favorecido em relação a toda a gente. Basta pegar nas estatísticas da presença de políticos nas televisões e o líder da extrema-direita, quando tinha 1% ou 7%, agora quando tem 15% nas sondagens, aparece à frente de titulares de órgãos de soberania. Não é comigo, aparece à frente dos líderes dos dois principais partidos portugueses.

A comunicação social está a levar o Chega ao colo. Isso é uma frase que assume totalmente?
Quando os números dizem que André Ventura aparece à frente dos líderes de partidos que têm em votos 3 ou 4 vezes mais do que ele de políticos que às vezes têm 5 vezes mais do que ele, que são titulares de órgãos de soberania, não é uma queixa que eu esteja a fazer em relação a mim. Não estou nada preocupado comigo. Até porque, quando escrevia crónicas, quando escrevo livros, ou como quando dou aulas, fico muito satisfeito por participar no debate público do meu país e o espaço que tenho é o espaço que me dão. Estou a dizer que no espaço do debate público global no nosso país não é normal a extrema-direita ter um espaço maior do que partidos maiores do que eles.

no espaço do debate público global no nosso país não é normal a extrema-direita ter um espaço maior do que partidos maiores do que eles.

Não é exatamente verdade que entre as Europeias de 2019 e as Legislativas de 2019 o Chega tenha tido mais destaque mediático. Não teve. A partir daí, teve. Aí tem razão, mas não é verdade durante esse período. Só quando o Chega teve mais votos que o Livre é que teve mais destaque mediático, pois a partir daí, até pode dizer que é exagerado, mas não é verdade durante esse período.
Não fui eu quem falou sobre esse período entre maio e setembro.

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“Não houve contactos oficiais entre o Livre e o PS”

Já falou com Pedro Nuno Santos desde que ele foi eleito?
Falo regularmente com Pedro Nuno Santos. Desde que ele foi eleito, sim, quer dizer, dei-lhe os parabéns. Somos vizinhos de Parlamento, não nos sentamos muito longe nas bancadas parlamentares para além de ter uma relação cordial com ele, como tenho com outras pessoas desta geração de políticos.

Mas ele ligou-lhe?
Falámos nos corredores do Parlamento.

Mas a questão não é se disseram olá, bom dia, tudo bem, é se falaram politicamente.
Não, aí não, não houve contactos oficiais entre o Livre e o PS para lá das cortesias de ter ido uma delegação do Livre ao Congresso do PS. Não é este o momento, se fosse ele deveria ser público, e isso vocês sabem que é uma coisa que sempre dissemos e que estamos abertos para ter em público, com toda a transparência, as trocas de ideias que achamos que devemos ter para o futuro do país. Mas se a pergunta for essa, não existem negociações e conversações para além das tais de cortesia que aqui referi.

"Não existem negociações e conversações com Pedro Nuno Santos para além das tais de cortesia que aqui referi"

Já defendeu que uma eventual nova geringonça tem que ter na base um acordo multilateral e não acordos partido a partido. Nem todos os partidos podem estar disponíveis para isso, aliás, alguns já disseram que não. Admite participar num acordo onde não esteja o PCP, o Bloco de Esquerda e o PAN?
Depende da configuração das eleições e depende do que for necessário para formar uma maioria que dê estabilidade ao país e essa nossa preferência, que achamos que corresponde às melhores práticas europeias, e que seria melhor para o país, que é de que os partidos, no plural, que sejam uma maioria de sustentação de um Governo, ou que estejam integrados num Governo, tenham um acordo entre si, em conjunto com grupos de trabalhos setoriais, demore o tempo que demorar. Não temos a guilhotina dos duodécimos em cima, como nas últimas eleições. Está é uma preferência nossa. Não podemos forçar os outros partidos a chegar a essa preferência mas o que podemos é explicar aos nossos concidadãos que é melhor assim e que exista essa exigência democrática que achamos que é melhor para o país.

Na primeira geringonça os temas da política externa e da defesa ficaram, propositadamente, fora dos acordos. Desta vez, temas como a União Europeia e a NATO também devem ser discutidos?
Da parte do Livre somos intransigentes na defesa de uma política externa baseada em direitos humanos, em que uma violação desses direitos humanos o seja independentemente das afinidades ideológicas, dos países amigos, das esferas de influência e que o aprofundamento do projeto europeu, com a sua democratização, seja um ponto muito forte da próxima governação. Temas como o reconhecimento da independência da Palestina devem estar em cima da mesa e ser negociados.

E o apoio à Ucrânia?
Ia mencionar isso. Devemos ajudar a Ucrânia a ganhar a guerra e isso é um tema muito importante para o Livre.

"Devemos ajudar a Ucrânia a ganhar a guerra e isso é um tema muito importante para o Livre [na negociação dos acordos à esquerda]"

“Não deve ser enjeitada a presença do Livre no Governo”

Uma nova geringonça tem que passar por lugares no Governo ou pode resultar só com um acordo parlamentar?
Pode ter as duas configurações, depende do que sair das eleições a 10 de março e depende também do que os outros partidos quiserem ou exigirem.

Ou seja, seria possível alguns terem lugar no Governo e outros não, nesse acordo multilateral à esquerda?
Não acho que isso fosse o mais saudável. Pode acontecer, depende muito. Seria pouco saudável excluir partidos, seja de um acordo de incidência parlamentar, seja da presença no Governo mas depende da disponibilidade de outros partidos e da própria disponibilidade do Livre. Depende, além disso, dos resultados mais relevantes do ponto de vista dos votos e dos mandatos, que evidentemente também justifica uma presença maior nas políticas do governo.

Mas acha que indo um deviam ir todos para o Governo?
Numa situação em que haja uma relação de forças e uma paridade que seja equilibrada, é o que é natural, sim.

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Disse em novembro, numa entrevista, que não recusa a integrar um Governo. Que áreas é que seriam interessantes para o Livre?
Aqui o que é interessante é para o país e não para o Livre especificamente.

Mas o Livre sabe onde é que pode acrescentar.
A mesma coisa em relação a recusar ou não. Não é pretender, não é estar cheio de vontade para ir para o Governo. Temos um país que vivia ciclos políticos de uma relativa estabilidade de quatro anos, passou para miniciclos de dois anos e vamos lá ver se não vem em microciclos de um ano ou de seis meses. As pessoas têm que estar disponíveis para que o país encontre o seu caminho. As áreas do Livre estão nos nossos pilares do partido. Liberdade, esquerda, Europa, ecologia. Só essas já dão uma ideia.

E em ministérios traduz-se em quê?
Temos pessoas com capacidade técnica no ambiente, nos transportes, na educação, no trabalho e segurança social ou nos sistemas europeus. Poderia elencar outros, mas este aqui já tem uma boa amostra, pensando em cabeças de lista do partido, em pessoas que estão em número dois três do partido. Desde políticas de juventude a políticas de habitação, a questões que tenham a ver com a economia do conhecimento e da descarbonização, temos certamente capacidade, centro de competências e de valores para poder influenciar políticas no nosso país.

Mas esta nova geringonça devia ser aprofundada nessa direção? Passar a haver uma partilha de responsabilidades no Governo?
Creio que isso não deve ser enjeitado. Acontece no resto da Europa. Há governos dos quais fazem parte dois, três, quatro partidos e acreditamos que os portugueses em geral desejam que haja uma modernização e uma europeização da política portuguesa nesse sentido. Que passe a ser normal que os acordos do Governo sejam negociados.

Vai defender isso?
Sim, claro.

“Não devemos votar a favor de moções de rejeição do Chega”

Temos estado a falar da hipótese de haver uma maioria à esquerda no Parlamento que permita essa tal nova geringonça. Em relação à outra hipótese, que é uma maioria à direita, numa entrevista à CNN não esclareceu uma coisa. Se houver uma maioria de direita no Parlamento e se o Chega apresentar, como já prometeu que iria apresentar, uma moção de rejeição a um Governo liderado pelo PSD, como é que o Livre vota?
Dissemos sempre a mesma coisa e continuaremos a dizer. Se houver uma maioria à esquerda somos parte da solução e se houver uma maioria à direita somos parte da oposição. E a oposição também é um lugar digno e importante. Com uma maioria AD ou uma maioria AD e IL, aí nós estamos na parte da oposição, ninguém espera encontrar-nos no outro lado. A pergunta é especificamente sobre uma moção de censura do Chega à AD e a minha resposta é: avaliamos com sentido de responsabilidade. O Livre nunca votou a favor de nenhuma proposta do Chega nesta legislatura. A minha opinião é que não deve votar a favor, com exceção de votos de pesar, porque é um partido que nós consideramos que está fora do arco democrático.

Mas já votaram juntos?
O Chega já votou a favor de propostas do Livre. Infelizmente poucas, mas o Livre não vota a favor. O que acho natural, claro que não depende só de mim, cada moção de censura leva sempre a um debate na assembleia do Livre e quero respeitar esses passos. A minha opinião será que não votemos a favor de uma moção de censura do Chega a qualquer governo.

Portanto suportará um Governo à direita.
Se acharmos que esse Governo deve cair apresentamos uma moção de censura nossa porque já teremos grupo parlamentar para isso.

Mas, como sabe, só é votada a primeira.
A moção de rejeição a um programa do Governo. Moções de censura depois podem ser apresentadas mais à frente. Se o Livre achar que o Governo deve cair, o Livre apresenta a sua moção de censura porque terá grupo parlamentar para isso.

De qualquer forma, se o Chega se antecipar e apresentar uma moção de rejeição ao programa de Governo, nesse caso…
O que acho natural é não ajudar a extrema-direita a conseguir os seus intentos.

Mas acha natural ou dá essa certeza?
Do meu lado, a minha opinião é que não devemos votar a favor de moções de censura ou de rejeição do Chega. Não devemos ajudar a extrema-direita nem a conseguir os seus intentos nem a crescer.

Mesmo que isso signifique um Governo de direita?
Se o Livre achar que um Governo de direita deve cair, o Livre apresenta a sua moção de censura. Se houver outro partido de esquerda que apresente uma moção de censura a um Governo de direita, o Livre avaliará. É mais natural que uma moção de censura vinda da esquerda tenha o apoio do Livre. Uma moção de censura ou uma moção de rejeição vinda da extrema-direita, o Livre, em geral, e mantemos essa coerência, se houver algum erro é mesmo porque houve um engano na altura de carregar no botão do voto, o Livre não vota a favor, no máximo abstém-se face a propostas do Chega.

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Medina foi um bom ministro? “Creio que não”

Em 2023 vamos ter um excedente orçamental e isso está previsto também para os próximos anos. Faz sentido ou devíamos voltar a ter défices para, por exemplo, financiar ou investir nos serviços públicos?
Numas contas do Estado saudáveis o que faz sentido é que o superávit ou o défice tenham uma função contra cíclica em relação à economia. Não adquirir défices estruturais, a não ser utilizar o défice quando estamos numa recessão e é preciso voltar a estimular a economia. Aí a resposta é não. Acreditamos que, com uma política na qual haja superávit em fases de crescimento da economia e défices em fases de recessão para que não seja tão profunda ou se possa dar a volta.

Em 2023, o excedente orçamental devia existir ou era preferível ter algum défice para haver um investimento nos serviços públicos?
O excedente orçamental vai existir, vai ser até maior do que estava à espera.

E não devia?
Nós achamos que deve haver excedentes orçamentais, achamos que o Estado português deve ter saldos primários — ou seja, antes do serviço à dívida — nulos ou moderadamente positivos. E aí devemos entrar numa nova fase da política portuguesa. Toda a gente conhece os pactos de estabilidade e crescimento que são assinados e negociados com Bruxelas. Nesta nova fase devíamos ter um instrumento novo, chamado Compromisso de Equidade e Investimento. Deveria ser discutido no primeiro semestre do ano, todos os anos, no Parlamento português. Deveria ser uma maneira de as pessoas saberem para que é que serve o superávit. O superávit, o excedente, é conquistado pelo nosso esforço, pelo nosso sacrifício, foram as pessoas que o conseguiram. Uma parte dele deve ir para pagar a dívida pública — porque poupamos duas vezes assim, poupamos na dívida e nos juros. Outra parte deve ir para responder à emergência social. E outra parte deve ir para uma reforma fiscal progressiva, que permita desonerar os impostos sobre o trabalho. E isto deve ser alvo de um debate público.

"Um país que só paga dívida, às tantas nem dívida paga. Porque depois não tem dinheiro para fazer investimento, a economia não cresce e não há redistribuição"

Pedro Nuno de Santos defende que Portugal devia abrandar o ritmo de redução da dívida. Quando Fernando Medina quis sair do cargo agora com uma dívida abaixo dos 100%, isto foi excesso de zelo?
Um país que só paga dívida, às tantas nem dívida paga. Porque depois não tem dinheiro para fazer investimento, a economia não cresce e não há redistribuição. Portanto, à medida que Portugal vai diminuindo a sua dívida pública, isso deixa de ser o principal foco. E podemos abrandar o ritmo de diminuição da dívida. É diferente quando estamos no top 3 das dívidas da União Europeia, quando estamos no top 5 ou quando estamos abaixo dele. Quando estivermos abaixo dos 100% de dívida em razão do PIB, acho que Portugal deve fazer investimentos de que precisa, deve reforçar os seus serviços públicos e não deve estar o tempo todo só a pagar dívida. Porque depois o tecido social rasga. Portanto, aí a resposta é sim: podemos abrandar e aí concordo com a análise de Pedro Nuno de Santos.

Fernando Medina foi um bom ministro das Finanças?
Creio que não. Houve aqui duas estratégias. Foi um bom ministro das Finanças em alguns aspetos que têm a ver com… bem, temos este excedente, mas acho que houve um exagero, houve um excesso de zelo na sua própria formulação. E foi por isso que não acompanhámos a estratégia orçamental.

"As contas certas são um bom slogan na aritmética. Na economia, as contas certas precisam de estar no bolso das pessoas e no final do mês das pessoas."

“Contas certas” não é um bom slogan para o Livre?
As contas certas são um bom slogan na aritmética. Na economia, as contas certas precisam de estar no bolso das pessoas e no final do mês das pessoas. Se a certa altura estamos apenas focados no excedente orçamental e ele até acaba a ser maior do que aquilo que se esperava, havendo sofrimento desnecessário, havendo gente a dormir na rua, aí as contas certas vão dar contas erradas no futuro.

“Foi o PSD que no início do século decidiu atrasar o TGV”

No programa eleitoral provisório do Livre, escreve que a estratégia para a TAP deve incluir o “reforço da articulação entre o tráfego aéreo e ferroviário e a progressiva substituição de voos internos e ibéricos”. Concorda com Carlos Moedas e Isabel Dias Ayuso de que a prioridade do TGV devia ser ligar Lisboa a Madrid?
Concordar com o PSD quando o PSD, no início deste século, foi quem decidiu atrasar o TGV… Lembro-me de lideranças do PSD, como a de Manuela Ferreira Leite…

Nessa altura, Carlos Moedas ainda não era um protagonista.
Está bem, mas, quando muito, é Carlos Moedas que está a concordar com aqueles que, na altura, como eu, criticaram Manuela Ferreira Leite porque dizia que fazer o TGV Lisboa-Madrid era esvaziar Lisboa porque ia toda a gente para Madrid.

No TGV, Pedro Nuno Santos tem as prioridades trocadas? A prioridade devia ser Lisboa-Madrid e não Lisboa-Porto.
Não, eu acho que a prioridade deve ser a faixa litoral atlântica da Península Ibérica, que é uma região muito densa em termos urbanos, são 11 milhões de pessoas, de Setúbal, até à Corunha, na qual podemos aumentar muito o dinamismo económico. Isto, evidentemente, sem descurar a ligação a Madrid. O que nós defendemos para a ligação a Madrid é a reintrodução dos comboios noturnos e a reintrodução tanto do Lusitânia como do Sudexpress. São ligações que, no imediato, podemos rapidamente voltar a ter. Evidentemente que Portugal tem que estar ligado ao resto da rede europeia de alta velocidade.

Existindo essa ligação de alta velocidade a Madrid, a ideia é acabar com os voos entre Lisboa e Madrid?
No programa provisório, defendemos uma substituição progressiva em que o comboio de alta velocidade é de tal forma prático, sem todas as confusões dos aeroportos, que nos permite a nós próprios escolher o comboio.

As pessoas podem sempre fazer as suas escolhas. A questão é se quer que a TAP deixe de fazer esses voos ou não. Se o Estado deve tomar essa decisão como acionista.
Muito provavelmente essas regras vão ser mais europeias do que nacionais, mas, se as escolhas forem boas, aí achamos que progressivamente.

Ficariam outras companhias aéreas com essa ligação?
Para a TAP, em termos de ligação com a política, o mais interessante não são essas escolhas. É fazer da TAP um centro de conhecimento para os novos combustíveis, novos materiais da aviação, fazer a ligação entre o novo aeroporto e Sines em termos de hidrogénio verde — e, por isso, nós achamos que a TAP deve ser maioritariamente pública, porque nos permite ter um pé nesta inovação através da nossa companhia, e também permite, já agora, rendimento. Se a TAP der lucro, isso também deve ir, já que pagámos por ela, para o Orçamento do Estado.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Não é boa prática empresas pagarem jantares a ministros”

Acha que António Costa fez bem em demitir-se por causa da Operação Influencer.
É uma decisão pessoal que a ele compete, uma avaliação que certamente foi muito profunda e, portanto, não quero…

É uma avaliação política. Politicamente, fez bem ou mal?
Acho que fez bem.

Tinha condições políticas para continuar?
Deixe-me responder com uma ilustração. Nesse mesmo dia, tive uma reunião do partido Verde europeu, de que o Livre faz parte. Eu pedi para falar mais cedo porque havia uma crise política em Portugal. O co-presidente do partido, quando anunciou isso, disse: “O Rui Tavares vai falar primeiro porque há um grande escândalo de corrupção em Portugal”. Acho que esta ilustração responde à sua pergunta. Nós estaríamos expostos como tendo um grande escândalo de corrupção em Portugal. E, portanto, fez bem.

Disse que o Ministério Público não pode criminalizar a ação política. Acha que é isso que está a acontecer na Operação Influencer?
Não sei. Não sei porque o que há em Portugal, neste momento, é um grande desencontro de cultura de exercício do poder entre poder judicial e poder político. Espero que essa criminalização não seja o que está a acontecer. Seria mau. Como seria mau também que na política se gerasse uma caricatura do Ministério Público ou da Justiça que seria péssima para o país, porque precisamos da Justiça para combater a corrupção. Portanto, o que é que é preciso em Portugal? É haver uma nova cultura de exercício do poder político e judicial. Há muitas coisas que estão mal.

Mas daquilo que sabe da Operação Influencer, acha que existe essa criminalização?António Costa deu uma longa conferência de imprensa a justificar aquilo que foi feito politicamente…
Nessa conferência de imprensa, esteve mal. Foi mau termos uma conferência de imprensa que foi uma espécie de aula de administração pública num sábado à noite. Como foi mau, do lado da Justiça, termos não só o primeiro comunicado, mas o segundo, que me impressionou mais. Esse segundo comunicado diz que vamos saber se estas suspeitas sobre o primeiro-ministro são válidas ou não, quando tivermos que saber. Assinado, e isto é que me pareceu mau, “o gabinete de imprensa”. Não é assim que se deve fazer.

Há algumas coisas que já sabemos sobre a Operação Influencer. Por exemplo: acha que é uma boa prática haver ministros que aceitam que empresas com interesses nas áreas que tutelam lhes paguem jantares em restaurantes caros?
Não, não é uma boa prática.

E deve ter uma sanção política?
Deve ter uma sanção política. Não se deve aceitar…

Mas, no limite, uma demissão?
Sim, dependendo também, evidentemente, do que é que estamos a falar. Uma coisa é aceitar que alguém pague o café… E deve haver regras governamentais para isso. Seria muito mais interessante o Governo ter trabalhado nessas regras do que trabalhar naquele questionário.

Já fez várias críticas à procuradora-geral da República pela forma como tem gerido este processo. Lucília Gago devia demitir-se?
Não. O Livre não pede a demissão da procuradora-geral da República, não pediu a demissão do governador do Banco de Portugal, não entrou nesse carrossel da Iniciativa Liberal e do Chega em que, de repente, está o país decapitado. Devemos poder criticar os responsáveis e, depois, têm a sua legitimidade e devem fazer o seu trabalho.

"O Livre não pede a demissão da procuradora-geral da República, não pediu a demissão do governador do Banco de Portugal, não entrou nesse carrossel da Iniciativa Liberal e do Chega em que, de repente, está o país decapitado."

“Há manuais [escolares] com uma visão unilateral da História”

Defende uma revisão dos currículos escolares para que não reproduzam aquilo que diz ser “uma versão acrítica da História de Portugal”. Em 2016 já houve uma atualização dos conteúdos no que diz respeito aos Descobrimentos. Não foi suficiente? O que é que quer mudar nos manuais escolares que possa ser ofensivo?
Não é por uma questão de ser ofensivo. A História está sempre a ser investigada, estão sempre a aparecer novos documentos e novos métodos. E o que deve ser ensinado aos alunos não é só a História como os historiadores do momento acham que aconteceu. Devem ser dadas ferramentas aos alunos e às alunas para conseguirem desenvolver a sua própria visão da História com os seus próprios valores, com as suas próprias opiniões, de uma forma plural.

Mas acha que os professores de História não fazem isso já?
Fazem isso, claro. Os meus colegas fazem isso e é preciso fazer isso cada vez mais.

Mas fala de uma mitologia da época colonial. Há algum aspecto em específico que esteja nos manuais e que queira retirar?
Nós temos uma sociedade muito plural onde as pessoas vivem histórias diferentes. As pessoas não tiveram todas as mesmas origens. Algumas têm famílias que foram vítimas da colonização e é importante que essas várias histórias estejam refletidas nos manuais. O que acontece é que, muitas vezes, há manuais em que essas histórias estão esquecidas ou em que aparece uma visão muito unilateral da História. E isso pode ter um efeito também de gerar frustração e distanciamento dos alunos em relação àquilo que lhes é ensinado na escola.

Quer retirar a disciplina de Educação Moral e Religiosa do currículo das escolas. O jornal Público tinha há dias uma reportagem sobre isto e uma professora dizia ter cada vez mais alunos de outras religiões que não a católica. Além disso, a lei já prevê a possibilidade de essa disciplina se centrar noutras religiões. A sua medida não corre o risco de criar uma polarização que na realidade não existe?
Bem, a polarização que existe é entre as outras religiões e a religião católica. Porque, como existe a concordata, mesmo do ponto de vista do Estado, o apoio ao ensino de educação moral e religiosa católica é diferente, mesmo financeiramente, do que é para as outras religiões. E deve ser igual para toda a gente.

Mas já é igual para toda a gente. É possível ter aulas de várias religiões.
Deve ser pago pelas próprias igrejas e religiões e não por todos os contribuintes.

"[Disciplinas como a de Educação Moral Religiosa e Católica] devem ser pago pelas próprias igrejas e religiões e não por todos os contribuintes"

Portanto, os tais dois mil professores que existem nesta disciplina devem deixar de ser funcionários públicos?
Deve haver uma revisão da concordata em que isso seja acautelado, evidentemente tendo em conta a situação profissional das pessoas, que deve ser assegurada. O que é natural é que, para a Igreja Católica, seja como para as outras igrejas.

Não lhe parece que a sociedade portuguesa absorveu perfeitamente tudo isto e o convívio das outras religiões nesta disciplina? É um tema que merece um debate potencialmente polarizador?
Bem, mereceu várias perguntas da vossa parte. A sociedade portuguesa absorveu magnificamente a diferença. Quem anda a tentar estragar aquilo que é uma grande conquista da sociedade portuguesa é a extrema-direita, ao fazer-nos convencer que nós não somos capazes de gerir essa diversidade no nosso seio. Aqui, a questão é que deve haver uma situação de igualdade em que a escola é uma escola republicana e laica, não é confessional. Onde existe ensino confessional, ele deve ser suportado por essas confissões e não pelo contribuinte.

Defendeu uma nacionalização temporária do grupo de comunicação social Global Média, todos conhecemos os problemas que estão a acontecer no grupo. Na véspera das eleições, acha sensato o Estado tomar conta de uma série de jornais?
O que eu defendi é que essa hipótese não pode ser excluída. Claro que o que é desejável para toda a gente e o que eu gostaria que acontecesse…

… seguramente, toda a gente queria que os donos da Global Media pagassem os salários.
Há aí uma subtileza.

Mas o ponto é: há partidos que entendem que uma nacionalização está fora de causa e o Livre entende que ela é possível.
Mas há uma subtileza: não é defender à partida uma nacionalização só porque sim, porque há uma coisa que mexe e vamos nacionalizar. Há um problema que deve ter soluções antes de chegarmos a esse ponto. Infelizmente essas soluções não estão a aparecer. A ERC deveria ter feito o seu trabalho — está a fazê-lo tarde e está a demorar, porque, segundo a lei, já deveríamos saber quem são os detentores de um título de media. Aliás, isso é uma situação de concorrência desleal. Sabermos quem são os detentores de certos media e não sabemos quais são outros, não sabemos as suas intenções. Não podemos depois ler aqueles títulos com o grão de sal com que lemos os outros, conforme sejam públicos ou privados, deste ou daquele proprietário. Portanto, isso devia ter sido feito e a ERC esteve mal ao não fazê-lo com este caso.

Chegados a este ponto, estando nós em pre-campanha eleitoral…
Se chegarmos a um ponto em que, de repente, desaparecem o mais antigo jornal português, que é o Açoriano Oriental; o segundo mais antigo jornal português, que é o DN; possivelmente o terceiro jornal mais antigo, que é o JN, que tem a última grande redação nacional no Porto… Fazer uma nacionalização temporária, escolher um conselho de administração independente, com universidades ou fundações, deixando claro que não há nenhuma interferência política ou governativa. Com estas cautelas todas, que é para não se ficar a pensar que o Rui Tavares chega ali, quer nacionalizar, venham cá para o governo e emitam as notícias que o governo quiser. Não é nada disso. É temporário para arranjar uma solução porque a alternativa seria perder tudo isto e dizermos: “Bem, estávamos em campanha eleitoral…” A política é fazer escolhas. Perante opções que são piores ainda…

 
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