Pedro Passos Coelho tentou retirar-lhes a influência, Rui Rio recuperou-os, Carlos Moedas não teve força para os afastar e Luís Montenegro levou um deles para a direção do partido. Daniel e Rodrigo Gonçalves, pai e filho, respetivamente, são há muito uma das famílias mais poderosas do PSD, em particular na região de Lisboa, apesar dos vários casos em que se têm visto envolvidos ao longo da última década.

Desta vez, e tal como Isaltino Morais, a família Gonçalves está novamente na mira da Justiça por suspeitas de crimes de corrupção, participação económica em negócio e prevaricação devido a questões ligadas a projetos empresariais e imobiliários. Isaltino e Rodrigo Gonçalves, o mais novo do clã, são os dois principais alvos desta investigação, mas também a mulher deste último, que exerce funções no departamento jurídico da Câmara de Odivelas, e o pai, Daniel Gonçalves, podem ser visados por esta investigação.

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A influência desta família no PSD de Lisboa é há muito conhecida. Em 2017, agastado com as muitas notícias negativas a envolver Daniel e Rodrigo Gonçalves – e que iam desde suspeitas de desvios de fundos a agressões e ameaças a outros militantes do partido – Pedro Passos Coelho retirou ambos das listas para as autárquicas. Não seria, no entanto, um ponto final no percurso de ambos.

Rio contrata Rodrigo Gonçalves. Não durou um ano

No fim do passismo, Rui Rio tinha boas perspetivas de vencer distritais importantes a norte do Mondego (Aveiro, Porto e Braga), mas precisava de furar numa distrital grande como Lisboa para garantir que derrotava Pedro Santana Lopes nas diretas do PSD. É aí que aparece Rodrigo Gonçalves, no final de 2017, e torna-se num dos mais importantes apoios do portuense na concelhia e na distrital de Lisboa.

Rio venceu e retribuiu o apoio ao contratá-lo para gerir as redes sociais do PSD. Trabalhava, inclusive, na sede nacional, na São Caetano à Lapa. Rodrigo Gonçalves acabaria por aguentar-se pouco tempo nessas funções. Nem um ano depois, uma investigação do Diário de Notícias denunciava que Rodrigo Gonçalves liderava uma rede de perfis falsos nas redes sociais que atacava os adversários de Rui Rio e enaltecia as qualidades deste último. Rui Rio mostrou-lhe a porta da saída. Rodrigo Gonçalves demitiu-se em maio de 2019

A rutura entre ambos acabaria por se consumar publicamente três meses depois. No desenho das listas, a dupla Malheiro-Rio limitou-se a dar o 12.º lugar da lista por Lisboa a Rodrigo Gonçalves. E Rodrigo Gonçalves nem escondeu, em declarações à Lusa, que a posição não se coadunava com o apoio que tinha dado ao líder nas diretas do PSD um ano antes: “Não é um lugar compatível com o que eu acho que mereço pela entrega, contributo e dedicação ao projeto político de Rui Rio.”

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o poder e influência da família Gonçalves no PSD Lisboa.

Que poder e influência têm os Gonçalves no PSD – Lisboa?

Apesar de ajudar Rio a vencer as eleições, Rodrigo Gonçalves (que já tinha sido líder interino após a demissão de Mauro Xavier) perdeu as eleições para a concelhia que se realizaram em janeiro de 2018. Na altura, os membros da fação de Rodrigo Gonçalves, atribuíram a derrota para Paulo Ribeiro (por menos de 200 votos), a uma rutura com o pastor evangélico Ismael Ferreira (até aí  aliado de Gonçalves, mas que terá mudado de lado nesta ocasião).

Rodrigo Gonçalves perdeu as eleições em 2018, o emprego no PSD em 2019, mas continuou a valer centenas de votos. Por isso, não demorou a ser recuperado. Em novembro desse ano, Rodrigo Gonçalves figurava como vice-presidente numa lista liderada por Ângelo Pereira, afeta a Miguel Pinto Luz. No verão seguinte, o pai, Daniel Gonçalves, era o segundo vice-presidente na lista do antigo adversário Luís Newton — que venceu a concelhia. Estavam então ambos instalados em dois órgãos que são decisivos, por exemplo, na escolha de candidatos autárquicos e candidatos a deputados sempre que estão em causa processos eleitorais desta natureza.

Moedas não queria, mas teve de aceitar a família

O mesmo Daniel Gonçalves que tinha sido impedido por Pedro Passos Coelho de ser recandidato à presidência da junta de Freguesia das Avenidas Novas, em Lisboa, foi repescado nas autárquicas de 2021, que deram a vitória da Carlos Moedas. Na altura, a rutura entre a direção de Passos e a família Gonçalves foi pública e notória, com Rodrigo Gonçalves (então líder da concelhia) a emitir um comunicado a acusar Passos de perseguir politicamente os “opositores e os familiares dos opositores”.

Ora, nas últimas eleições autárquicas a história foi diferente: para fechar o acordo de coligação com o CDS, Carlos Moedas foi obrigado a negociar não só os lugares na vereação, mas também que partido ia indicar quem para as juntas de freguesia; Luís Newton, líder da concelhia do PSD/Lisboa, levou ao limite as negociações e fez saber que não abdicava de ter direito ao candidato do PSD às Avenidas Novas. Venceu esse braço de ferro e estava aberta a porta ao regresso de Daniel Gonçalves.

Na altura, em entrevista ao Observador, Carlos Moedas disse não ter qualquer responsabilidade direta nessas escolhas, mas garantiu estar tranquilo com a inclusão de Daniel Gonçalves e de Luís Newton na lista de candidatos às juntas – Newton está envolvido na Operação “Tutti-frutti”. “As escolhas foram feitas pelos militantes, foram feitas através das estruturas e foi isso que achei que devia fazer, sinto-me bem com isso”, disse Moedas.

O agora presidente da Câmara Municipal de Lisboa acabaria, também por isso, a fazer uma distinção: na vereação não entraria ninguém envolvido em casos dessa natureza; a escolha de candidatos às juntas, no entanto, eram competência dos militantes. “O que eu disse foi muito claro: pessoas que vão trabalhar para mim na vereação não podem ter nenhum tipo de suspeitas”, reiterou Moedas, num esforço claro de se demarcar de alguns dos principais protagonistas das estruturas que mandam no PSD de Lisboa.

O regresso da família Gonçalves em Lisboa (que Moedas não conseguiu travar)

A (quase) entrada no Parlamento e a chegada à direção nacional

Nas últimas legislativas, já depois de recuperada a influência no aparelho social-democrata, já com Daniel Gonçalves eleito como presidente da junta de freguesia das Avenidas Novas, Rodrigo, o filho, esteve na iminência de entrar no Parlamento – objetivo que alimentaria há algum tempo.

Como é habitual neste tipo de processos, as estruturas locais indicaram os nomes que queriam ver como candidatos a deputados. Neste caso, a distrital do PSD/Lisboa, liderada por Ângelo Pereira, indicou Rodrigo Gonçalves e Alexandre Poço, deixando de fora, por exemplo, Ricardo Baptista Leite, já na altura vice-presidente da bancada do PSD e uma das figuras com maior peso mediático do PSD de Rui Rio.

O então líder social-democrata passaria por cima da indicação das estruturas. Baptista Leite foi indicado como cabeça de lista e Rodrigo Gonçalves não conseguiu mais do que um 16.º lugar na equipa – acabaria por falhar a eleição e por não ser capaz de entrar no Parlamento.

Apesar de ter falhado a entrada no Parlamento, Rodrigo Gonçalves ajudou Luís Montenegro a vencer de forma clara Jorge Moreira da Silva. Nas últimas diretas, a família Gonçalves apoiou o antigo líder parlamentar, que venceu de forma clara na maior concelhia do país. Após este apoio, o atual líder do PSD incluiu Rodrigo Gonçalves na sua direção nacional. Já tinha sido vice-presidente da concelhia, vice-presidente da distrital e agora chegou a vogal da Comissão Política Nacional.

A rede da família Gonçalves: como se tornaram poderosos no PSD/Lisboa

A origem da ascensão da família Gonçalves

Antes a concelhia do PSD/Lisboa dividia-se em secções que iam da letra A à H às quais acresceu, mais tarde, a secção Oriental. A secção A era uma das mais poderosas, crescendo na segunda metade da década de 1990 à boleia dos recrutamentos do seu carismático líder, António Preto — o “homem da mala”, que acabou ilibado dos crimes de fraude fiscal qualificada e falsificação de documento dos quais tinha sido acusado.

Rodrigo Gonçalves é um herdeiro de António Preto e de Sérgio Lipari na secção A, que chegou a liderar depois destes. Em 2011, as secções de Lisboa foram convertidas em núcleos: Oriental, Central e Ocidental. A secção A ficou no Central, mas em vez de Rodrigo Gonçalves, o primeiro líder do Núcleo Central do PSD/Lisboa foi o pai de Rodrigo: Daniel Gonçalves.

Em 2005, também sucedendo a Sérgio Lipari, Rodrigo Gonçalves torna-se presidente da junta de freguesia de São Domingos de Benfica. Lipari faz o seu caminho como vereador na câmara de Lisboa e, com a tutela da Gebalis, acaba por filiar vários militantes do PSD/Lisboa, como noticiou o Observador. Com a Gebalis nas mãos de Lipari terão disparado as filiações na secção A oriundas do bairro social da Boavista, em Benfica, com casos de militantes que nem sabiam ser militantes. Um militante do PCP ouvido no processo do DIAP sobre o assunto tinha inscritos na sua morada, sem saber, três falsos militantes do PSD.

Do Bairro da Boavista choveram outras denúncias, como uma feita por uma moradora em 2003 na Assembleia Municipal de Lisboa e devidamente documentada, de que eram dados vales de estadia no Algarve em nome do PSD. A estadia seria feita nos Jardins da Balaia, no Algarve, e disponibilizada pelo Montepio Comercial e Industrial, onde Daniel Gonçalves, pai de Rodrigo Gonçalves, tinha funções de gestão. As ofertas de férias no Algarve eram feitas aos moradores com a indicação: “Oferta do PSD, Benfica ― Secção A.” Anabela Leonardo, jurista e também autarca do PSD, também denunciou o caso, mas foi agredida quando o fez.

No âmbito de desvio de subsídios atribuídos (pela câmara, ainda com Lipari como vereador) à junta liderada por Rodrigo Gonçalves, Rodrigo e o pai, Daniel, chegaram a ser acusados pelo Ministério Público de corrupção passiva, mas acabaram absolvidos, como noticiou o Público. Já o antigo fiscal de obras da junta — considerado homem próximo de Rodrigo — foi condenado a quatro anos de prisão no âmbito do mesmo processo.

Depois de o Observador ter noticiado estas histórias sobre Rodrigo Gonçalves e o pai, Daniel Gonçalves, a 14 de abril de 2017, Pedro Passos Coelho começou a torcer o nariz à continuidade. O então líder do PSD foi o primeiro a fazer frente à família Gonçalves. Agora, Luís Montenegro admite deixá-lo cair por via de uma suspensão numa das muitas vidas de Rodrigo Gonçalves no PSD.