Rui Rio venceu e ganhou legitimidade política para fazer as listas à sua maneira. E estatutários também, já que os critérios aprovados exigem que os candidatos tenham “concordância com a orientação estratégica” da direção de Rio, além de terem de ser “leais”. É escudado nestes critérios que o presidente do PSD se prepara para afastar — mesmo que sejam indicados pelas distritais — figuras que apoiaram Paulo Rangel. Na lista de dispensados, apurou o Observador, estão já nomes como o líder da distrital do Porto, Alberto Machado, o presidente do PSD/Gaia, Cancela Moura, o líder da distrital de Santarém, João Moura, o deputado Duarte Marques, ou o líder da distrital algarvia, Cristóvão Norte.

O único fator que pode levar algum dos maiores críticos a reentrar nas listas é o facto de estas terem de ser aprovadas pelo Conselho Nacional do PSD. As guerras pré-eleitorais demonstraram que Rui Rio não tem o apoio da maioria daquele órgão, embora a realidade possa ter mudado com a vitória inequívoca as eleições internas. No passado, mesmo com o partido bipolarizado, Rio não teve problemas em fazer alguns acordos pontuais com distritais, mesmo que também não se coibisse de vetar nomes já aprovados pelas estruturas como aconteceu em 2019 com Hugo Soares, Maria Luís Albuquerque ou Miguel Pinto Luz.

Porto e Setúbal. Pressões paralelas para rioistas terem primazia nas listas

Os sinais públicos já dados por Rui Rio são, de resto, de relativa serenidade: não vai haver uma “limpeza étnica”, nem perseguições a militantes que estiveram genuinamente com Paulo Rangel; mas aqueles que mudaram de trincheira e que, aos olhos do líder social-democrata, cometeram um ato de traição, estão  riscados. “Não podemos ser todos hipócritas. Tenho dificuldade em respeitar quem anda aqui com jogos”, cortou Rio, em entrevista à CNN Portugal.

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“É compreensível que algumas destas pessoas tenham de sair. Deixaram de nos apoiar, escolherem o outro lado, têm de ser coerentes”, concorda fonte da direção do PSD. O caso mais paradigmático é o do Porto. Alberto Machado, deputado, líder da distrital e um dos apoios mais importantes de Rui Rio até se mudar para o lado de Paulo Rangel nestas diretas, sofrendo uma derrota pesada no sábado. Como ele, António Cancela Moura (Gaia), Álvaro Almeida (autoexcluído), Alberto Fonseca (Trofa), António Cunha (Penafiel) e Maria Germana Rocha (Gondomar) também estão sinalizados como cabeças a decapitar nas listas à Assembleia da República.

No Porto, como noticiou o Expresso, a pressão dos rioistas para que as listas reflitam os resultados eleitorais das internas já começou: foi lançada uma petição na segunda-feira à noite para ser Rui Rio a escolher a lista de deputados. Entre os subscritores estão três antigos deputados do PSD no Porto: José Meireles, Antero Pinto, Nuno Delerue.

Na mesma linha do que aconteceu no Porto, em Setúbal, à mesma hora que acontecia a reunião da Comissão Política Distrital — que podia ter votado as listas, mas decidiu fazê-lo mais tarde — um grupo de apoiantes de Rui Rio fazia um jantar. Nuno Carvalho, que foi o cabeça de lista em Setúbal em 2019, a deputada Fernanda Velez, e o conselheiro nacional Luís Rodrigues.

O jantar é uma forma de pressionar os dirigentes da distrital — que estiveram ao lado de Rangel, incluindo o seu presidente Paulo Ribeiro — a refletirem nas listas para deputados que entregarão na São Caetano à Lapa o resultado de Rui Rio.

O antigo líder da distrital e membro da direção de campanha de Rangel, Bruno Vitorino, disse ao Observador que espera que opte por “unir o partido”, mas é claro quanto a integrar a lista de deputados: “Eu auto-excluo-me. Acreditava noutro candidato, não acreditava neste. Não vou andar com hipocrisias”. Bruno Vitorino foi relegado pela direção para lugar não elegível há dois anos, agora acha que nem sequer deve meter-se nesse processo.

Entretanto a lista começa a desenhar-se, através das indicações das concelhias. A indicação de Setúbal é Nuno Carvalho, que apoiou Rio e deve ter a sua continuidade assegurada em lugar elegível. A indicação de Almada é Lina González, próxima de Nuno Matias, que apoiou Rio. Por Alcochete e pela JSD, numa dupla indicação, foi apontado o secretário-geral, João Pedro Louro. No Seixal, a indicação foi Cláudia Oliveira e Palmela indicou o presidente da distrital, Paulo Ribeiro.

Moura e Duarte Marques quase fora. Manda Rio (Maior)

A distrital de Santarém tem uma nova figura incontornável das listas: a vice-presidente de Rui Rio, Isaura Morais. Isso só foi reforçado com a preponderância que Rio Maior teve na vitória do atual presidente no distrito. Em 2019, Duarte Marques tinha ficado fora das listas e foi Nuno Morais Sarmento, vice-presidente de Rui Rio, que o segurou contra a vontade da distrital e da concelhia de Santarém. O presidente da câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, chegou a acusar Morais Sarmento de ser o “padrinho” de Duarte Marques. Desta vez, Morais Sarmento — que tomou uma posição de não alinhamento que desiludiu Rui Rio — perdeu toda a força que tinha na direção laranja. Duarte Marques foi indicado, sabe o Observador, por duas concelhias.

Discussão acesa e ameaças de demissão. “Padrinho” chega-se à frente, Hugo Soares afastado e Rio guarda jogo até dia 30

O líder da distrital, João Moura, apoiou Rio no célebre Conselho Nacional em que as tropas de Montenegro o quiseram destituir, mas rapidamente passou para o lado em que se sentia mais confortável: o dos anti-Rio. Mais do que os opositores que sempre estiveram do outro lado, Rio deverá ser mais implacável para os que mudaram de lado. Isso reduz as hipóteses do líder distrital em integrar as listas, apesar de se ter auto-indicado em segundo lugar nas listas.

Entretanto as concelhias de Abrantes, Sardoal, Mação, Cartaxo, Torres Novas e a JSD já se manifestaram contra a lista apresentada por João Moura por Santarém e entre as principais divergências está a exclusão à partida do nome de Duarte Marques.

O nome de Rui Rufino em quarto lugar também deixou alguns dos presentes incrédulos, entre os quais o próprio mandatário de de Rui Rio, Tiago Ferreira, que foi relegado para o sétimo ou oitavo lugar. A lista proposta por João Moura apresenta o seu nome em segundo, Isaura Morais em primeiro e em terceiro (o último garantidamente elegível) a vereadora de Santarém Inês Barroso. Alguns dos presentes questionaram João Moura sobre a origem da indicação de vetar Duarte Marques e o líder distrital terá dado a entender que seria uma ordem de Salvador Malheiro. Santarém não se entende sobre as listas.

Leiria. Balseiro Lopes saiu pelo próprio pé

Margarida Balseiro Lopes, uma das principais apoiantes de Paulo Rangel, no distrito de Leiria até foi escolhida há dois anos como cabeça de lista, mas o presidente do PSD nunca morreu de amores pela ex-líder da JSD. A relação entre ambos deteriorou-se muito e jamais Rio permitiria que integrasse as listas. Balseiro Lopes até foi indicada pela concelhia da Marinha Grande, mas esta segunda-feira anunciou publicamente que não continuaria no Parlamento.

Na primeira reunião da distrital após as diretas um apoiante de Paulo Rangel, João Costa, apresentou uma moção (que foi aprovada) que congratulava a vitória de Rui Rio e aplaudia a postura de Paulo Rangel. Nessa moção, João Costa apelou a Rio que reafirmasse a “união do partido , conciliando os superiores interesses do nosso distrito”. Foi uma forma de pressão ao contrário: para que os apoiantes de Rangel sejam incluídos. O líder distrital manteve-se neutro.

Entretanto, também já são conhecidas as indicações das concelhias: Pombal indicou João Antunes; Peniche indicou Filipe Sales; Porto de Mós e Nazaré, Olga Silvestre e Leiria, Álvaro Madureira, o maior angariador de votos em Rui Rio no distrito durante as diretas.

Líder do PSD/Algarve escolhido pela distrital, mas em risco

O líder do PSD/Algarve, Cristóvão Norte, já foi escolhido pela Comissão Política Distrital como cabeça de lista, mas os critérios aprovados pela comissão política dizem que essa escolha é do líder eleito do partido. Ou seja: Rui Rio. Por ter apoiado Paulo Rangel e ter rompido com Rio nos últimos anos, a indicação de Cristóvão Norte em lugar elegível está em risco, sendo um dos que foi apontado como “dispensável” pela direção de Rio.

Mais seguro estará a previsível segunda indicação (só esta terça-feira à noite será votado): Rui Cristina. O atual deputado foi diretor de campanha de Rui Rio no Algarve e deve, por isso, ser valorizado na lista de candidatos à Assembleia da República. Os outros nomes em cima da mesa, ainda não votados hierarquicamente são os de Ofélia Ramos, Carlos Martins ou Bruno Sousa Costa.

Emídio Guerreiro em risco

No distrito de Braga, também haverá mudanças. Entre os conselheiros de Rui Rio, acredita-se que o ciclo de Emídio Guerreiro no Parlamento chegou ao fim. O ex-secretário de Estado do Desporto foi um dos mais influentes apoiantes de Luís Montenegro e esteve agora na direção de campanha de Paulo Rangel. Não terá margem para continuar. Também não é líquido que Rui Silva tenha espaço para voltar ao Parlamento.

Depois há outros casos. Em Coimbra, Paulo Leitão, líder distrital, esteve com Paulo Rangel nestas diretas, mas nunca foi sequer um apoiante de Rui Rio, pelo que não se pode dizer que tenha mudado de lado — apesar de ter desempenhado um papel importante nestas diretas.

No distrito de Aveiro, a ambiguidade de Bruno Coimbra, secretário-geral adjunto, não caiu bem à direção de Rio. André Neves, que chegou a ser candidato à liderança da JSD com a bênção de Rio (seria derrotado por Balseiro Lopes) também se aproximou de Paulo Rangel. Não deverá ter margem para continuar.

Em Lisboa, Pedro Pinto, histórico deputado, antigo líder da JSD e uma figura influente do passismo, já terá feito saber que está fora das contas para deputados. Pedro Rodrigues, também ele ex-líder da JSD, aposta de Rio nas últimas legislativas antes de se incompatibilizar com o presidente social-democrata, também não tem interesse em continuar.

O método de escolha é o seguinte: as concelhias estão a indicar nomes, que depois serão hierarquizados, votados e aprovados pela distrital. Os nomes serão entregues esta semana à direção nacional, que fará as afinações em negociação (ou imposição, nalguns casos) com as estruturas. No dia 7 de dezembro, no Conselho Nacional as listas têm de ser aprovadas.