Discurso de encerramento do

líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha

As coisas são o que são e temos de reconhecer como elas são: somos muito melhores a fazer programas políticos do que a aprovar estatutos.”

O novo programa político do partido tinha acabado de ser aprovado com 97,89% de votos a favor e Rui Rocha subiu ao palco para dizer o óbvio e atenuar o sentimento de meia-missão cumprida. Vendeu a ideia do copo meio-cheio. No primeiro dia da Convenção, nenhuma das duas propostas de estatutos conseguiu os dois terços dos votos necessários para que houvesse novos estatutos, mas Rui Rocha tinha desvalorizado e avisado que o mais importante era o combate político para fora. O desfecho da revisão dos estatutos não lhe deu uma vitória, o programa permitiu que saísse de cabeça erguida.

Esta convenção estatutária marca o fim de um ciclo de cerca de seis anos da Iniciativa Liberal que medeia entre o princípio dos princípios e todo o caminho que levou a Iniciativa Liberal a alcançar a quarta posição política, a estar presente em todos os Parlamentos e a ter um crescimento contínuo. A partir de agora, olhamos para o futuro, olhamos para um novo ciclo da Iniciativa Liberal.

Rui Rocha não teve paz interna no último ano e meio, mas os resultados nas legislativas e europeias e o facto de poder levantar a bandeira do “sempre a crescer” (ainda que tenha ficado aquém das metas iniciais em várias eleições) permite-lhe ter argumentos para combater a oposição interna — que durante anos apregoou a questão dos estatutos e saiu sem qualquer vitória desta Convenção. Nem esteve perto. Depois da conclusão de mais um ciclo político na IL, que culmina com a entrada no Parlamento Europeu — e que Rui Rocha tem o crédito de ter concluído com sucesso —, há um sentimento de dever cumprido e a noção de que é preciso dar um novo fôlego ao partido. João Cotrim Figueiredo tentou dar a tática para os próximos jogos e alertou que “o hiperracionalismo é a doença infantil do liberalismo”, justificando que é preciso mudar e, já agora, ter as europeias como aprendizagem porque “mostraram que é possível ganhar com otimismo”. Apesar de terminar um ciclo e começar outro, Rocha tem de enfrentar um mini-ciclo: tem mais seis meses para continuar o processo de afirmação interna —  não tendo, desta vez, eleições pelo caminho — porque dificilmente será candidato único na próxima Convenção eletiva. A oposição está mais fraca, mas viva.

É absolutamente inaceitável que a escola que os filhos de Portugal frequentam seja determinada não pela escolha das famílias, mas pelo código-postal. Não há nada mais iliberal do que determinar a escolha pelo código-postal. (…) Não podemos admitir que em Portugal ainda hoje se tarde mais de quatro ou cinco décadas a contrariar o ciclo de pobreza.

A educação é uma das bandeiras que os liberais não largam. Rui Rocha nem a atirou contra o Governo, apesar de também não ter visto soluções que contrariem. Na verdade, o Governo já aumentou os apoios em creches privadas, mas não foi ao encontro do que a IL sempre quis, nomeadamente o cheque-creche para que cada um tenha direito de escolha. Criticou ainda o facto de não haver opções de escolha na educação e de ser o código-postal a decidir a escola que cada um frequenta. Recuperou a ideia de que o elevador social está avariado e optou por uma leitura de que a educação é fundamental para contrariar a pobreza, com a recordação de que Portugal demora décadas a contrariar a pobreza.

É inadmissível que tenhamos em Portugal cidadãos detidos mais tempo do que a lei permite. É inaceitável que tenhamos cidadãos, sejam eles quais forem, sujeitos a escutas durante quatro anos. Um partido liberal não tolera esta situação. Percebo que toda esta tentativa de atacar o Ministério Público, de pôr em causa a Justiça, de falar outra vez de uma reforma da Justiça, que muitas vezes é um chavão para nada se fazer, tem um propósito que é fazer com que aqueles que hoje estão na mira da Justiça pareçam inocentes. Não é essa a nossa função determinar se são ou não inocentes. Mas uma coisa podemos ter a certeza: cidadãos perseguidos pelo Estado não são aceitáveis por um partido liberal.

Não disse o nome, mas não havia dúvidas a quem se referia. Rui Rocha usou o facto de João Galamba ter sido escutado pela Justiça durante quatro anos para se atirar ao método, que considera inaceitável. Ainda usou a frase “sejam eles quais forem” para dar mais força ao que estava a dizer. Isto porque os liberais criticam constantemente os socialistas (e foram muito críticos de João Galamba como ministro) e nem isso é motivo para se achar este um procedimento natural. Por outro lado também criticou quem tem aproveitado os vários casos mediáticos para atacar o Ministério Público e sugeriu que que quem o faz tem o “propósito” de mostrar que os alvos de investigações são “inocentes”. Rocha prefere a distância, não tem a função de tomar decisões judiciais e focou-se nas questões da liberdade para dizer que não é aceitável haver cidadãos perseguidos pelo Estado. Pode ser por essa área, de defesa das liberdades individuais, que a IL se pode posicionar num eventual pacto de justiça que PS e PSD já admitiram vir a fazer.

Um programa político que afirma a Iniciativa Liberal como o único partido não estatista do espectro político português representado no Parlamento. É muito difícil, e nós vimos-lo, tirar o Partido Socialista do poder. Mas é igualmente difícil tirar as ideias [socialistas] do poder, mesmo quando não é o Partido Socialista que está no poder.” 

Foi a primeira e a mais dura crítica que Rui Rocha fez ao governo da AD, acusando o Executivo de Luís Montenegro de seguir políticas socialistas. Como se a AD tivesse cometido o pecado capital, quando chegou ao poder, de se habituar ao conforto do peso do Estado. Cola ainda com a acusação feita no sábado de que a AD perdeu a vontade de privatizar a TAP. Rocha rotula ainda a IL como o único partido “não estatista”, o que significa que considera que PSD e CDS são partidos estatizantes.

O que dirão esses jovens quando olham, mesmo com o Governo da AD, para medidas que continuam a exigir que para escolher uma creche privada, se tenha antes que determinar que não há vaga no sector social ou no sector público. Quero perguntar porque é que não são as famílias que escolhem as creches dos seus filhos e quero dizer a esses casais jovens que cá estamos para defender o seu direito à escolha a escolherem a creche que querem para os seus filhos. O que dirão esses jovens que olham para a frente e têm hoje 24, 26, 28, 30 anos de idade, mas sabem que um dia chegarão em Portugal, se cá continuarem, a ter 36, 40, 45. O que dirão esses jovens, pois nós dizemos que é inaceitável que o imposto sobre o rendimento tenha deixado de ser isso mesmo, um imposto sobre o rendimento e tenha passado a ser um imposto sobre a idade. Nós queremos que eles tenham sucesso em Portugal enquanto têm menos 35 anos, mas também depois tenham condições para viver a partir dos 35 anos.”

Continua o rol de críticas ao Governo da AD. Desde logo porque acusa o Executivo de Luís Montenegro de só permitir às famílias escolher uma creche privada quando não há oferta pública, em vez de, como defende a IL, dar um cheque-creche para que sejam as famílias a decidir. Além disso, ataca uma medida-bandeira da AD, o IRS Jovem, que a Iniciativa Liberal considera errada não por desagravar o imposto, mas por ter uma limitação de idade.

O que dirão os portugueses que não têm acesso ao ADSE e que não têm rendimentos para contratar um seguro de saúde. O que dirão quando constatarem que as filas de espera continuam, que o acesso às urgências continua limitado. O que dirão quando perceberem que a AD não vai mudar, nada de estrutural, pois eu digo-lhes aqui estaremos na iniciativa liberal a lutar por uma reforma profunda do sistema de acesso à saúde. Cá estaremos para eles. (…) O que dirão as empresas quando virem que com o governo da AD nada se diz sobre as derramas. O que significa continuaremos a ter um IRC progressivo que ao contrário de incentivar o crescimento das empresas, pune a que eles querem crescer. Connosco não, cá estaremos para essas empresas.”

Críticas, críticas e mais críticas. Rui Rocha mostra que tem uma grande falta de confiança no governo da AD, alegando que nunca terá uma pulsão reformista. Ou seja: que nunca mudará nada de estrutural no país. Para ganhar a competição de partido que apoia as empresas e maior defensor da redução de impostos das empresas, Rocha ataca, por exemplo, o facto de o Governo não ter medidas para a redução da Derrama (quando a IL a quer eliminar) e ainda critica o modelo de IRC progressivo, que diz que pune as empresas que crescem.