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Sánchez tenta resolver o "rompecabezas" espanhol. Mas Puigdemont não lhe quer facilitar a vida

Acordo na eleição para a presidência do Congresso é o primeiro passo para que haja um governo no futuro. Mas o Junts per Catalunya faz-se de difícil e nova ida a eleições ainda não está descartada.

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“Rompecabezas”. A definição da palavra no dicionário da Real Academia Espanhola é clara:

Masculino: Jogo que consiste em compor uma determinada figura, combinando um certo número de pedaços de madeira ou papel, que contém cada um parte da figura.
Masculino, coloquial: Problema ou enigma de solução difícil.

Um “quebra-cabeças” ou um “puzzle”, portanto. É isso que Pedro Sánchez, líder do PSOE, enfrenta a partir dos próximos dias, para conseguir chegar a presidente do governo de Espanha. E quem o diz são os jornais espanhóis, que têm usado e abusado da expressão “rompecabezas” para definir a situação atual da política espanhola, no rescaldo das eleições legislativas de julho que não produziram uma maioria de governo óbvia.

A primeira etapa do desafio arranca já esta quinta-feira, com a votação para eleger os membros da Mesa do Congresso dos Deputados, ou seja, a presidência do parlamento. Às 8h da manhã (hora de Madrid, 7h em Lisboa), o grupo parlamentar do Junts per Catalunya, o partido pró-independência de Carles Puigdemont, vai reunir-se para tomar a decisão sobre o seu sentido de voto. Às 10h (9h em Lisboa), quando começa a sessão inaugural do Congresso, o estado geral será de nervos.

Eleição de presidência do Congresso é o primeiro “teste real” a aliança de Sánchez

Isto porque, em vésperas da reabertura do parlamento, ainda não é óbvio quem será escolhido para compor o órgão que orienta os trabalhos. PSOE e PP têm uma proposta cada um, mas a situação está atualmente num empate (171 deputados para cada lado), que será decidido pelas posições da Coligação Canária (1 deputada) e do Junts (7 deputados). E no complicado xadrez regional de Espanha, cada jogada pode trazer nova dor de cabeça.

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Francina Armengol (3ª a contar da esquerda) foi a escolhida por Sánchez para a presidência da Mesa do Congresso

Europa Press via Getty Images

O presidente do governo das Canárias, Fernando Clavijo, não exclui um possível apoio ao PSOE, se este estiver disposto a incluir na Mesa um representante do Partido Nacionalista Basco. Mas, se Sánchez for por aqui, pode dizer adeus aos votos a favor do EH Bildu, o partido basco radical. Por outro lado, se mantiver a composição que pretende — encabeçada pela ex-presidente das Baleares, Francina Armengol, falante de catalão e em teoria apreciada pelos independentistas —, fica totalmente dependente do Junts.

Por isso, se alguém pensa que a votação para a presidência da câmara é um pormenor de somenos neste puzzle, está enganado. Isso mesmo explica ao Observador David Jiménez Torres, professor da Universidade Complutense de Madrid e colunista do jornal El Mundo: “É um primeiro passo muito relevante”, diz. “Será o primeiro teste real à atitude de Puigdemont e do seu partido, cruciais para o futuro de uma legislatura, que até ao momento são uma incógnita total.”

O mesmo apontou ao El País Josep López de Lerma, antigo deputado do partido catalão Convergència i Unió (CiU) que na década de 1990 fez parte de uma presidência do Congresso partilhada pela CiU e pelos socialistas. “Dar apoio ao PSOE na Mesa tem de ser interpretado como uma predisposição para a investidura de Sánchez”, afirmou. Ou seja, se o Junts apoiar a proposta do PSOE para a Mesa, o mais certo é estar aberto para apoiar uma investidura de Sánchez como presidente do governo.

E essa não é a única relevância da votação que vai ter lugar esta quinta-feira em Madrid. Assim que esse passo for concluído, o Rei Filipe VI iniciará a ronda de consultas com os partidos para decidir que candidato nomeia para tentar a investidura, ou seja, a formação de governo.

“Dar apoio ao PSOE na Mesa tem de ser interpretado como uma predisposição para a investidura de Sánchez.”
Josep López de Lerma, antigo deputado catalão

“Também terá uma influência decisiva nos argumentos com que irão tanto [Alberto Núñez] Feijóo como Sánchez pedir ao Rei que os nomeie como candidatos à investidura. Aquele que tiver conseguido a presidência do Congresso terá um argumento muito poderoso para dizer que o nomeado para ser candidato a primeiro-ministro deve ser ele”, acrescenta Jiménez Torres.

Puigdemont sabe-o e, por isso, mantém o suspense até ao último minuto. Na véspera da votação, o líder catalão que está em Waterloo (Bélgica) exilado, fugido à Justiça espanhola, publicou um tweet que mantém tudo em aberto: “Os pontos cardeais da nossa posição não mudaram, por mais pressões e corridas de última hora que haja”, escreveu. “Não temos nenhuma confiança nos partidos políticos espanhóis, todo o cuidado é pouco e as promessas não nos aquecem nem nos arrefecem.”

“Referendo e amnistia”. As linhas vermelhas de Puigdemont

Neste quebra-cabeças, o Junts per Catalunya está a jogar em dois tabuleiros. Da negociação espera extrair duas concessões: avanços relativamente à questão da Catalunha (através de um referendo à independência, por exemplo) e garantias de amnistia para os investigados como o próprio Puigdemont.

É por isso que, apesar de estar longe de Madrid, o presidente do partido tem tomado a dianteira na negociação, como confirmam aos jornais espanhóis várias fontes. “Se o presidente tem a última palavra? Claro. E a primeira. Não há menor dúvida disso”, respondeu ao El País um membro do partido. Outros mais próximos do PSOE, que têm estado a negociar com o Junts, destacam que têm a sensação de que Puigdemont exige “reconhecimento” por ser o rosto do “conflito político” na Catalunha.

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Carles Puigdemont, exilado na Bélgica, está a conduzir as negociações do Junts à distância

Europa Press via Getty Images

Essa centralização da negociação em Puigdemont torna tudo mais imprevisível, prevê David Jiménez Torres. “Ele liderou um desafio muito sério à ordem constitucional há seis anos e desde então está fugido à Justiça. É muito difícil saber o que esperar de um ator com este historial.”

A negociação sobre amnistia e referendo com o PSOE é particularmente difícil pelo historial entre os dois partidos. Nos últimos anos, o Junts tem feito parte da oposição ao governo liderado pelos socialistas, tendo votado contra todos os orçamentos de Estado, por exemplo. E para se distinguir da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), que apoiava o anterior governo de Sánchez, o Junts procura fazer-se caro, o que radicaliza toda a negociação. Se a ERC exigia inicialmente apenas poder constituir-se como grupo parlamentar nesta legislatura e presidir a uma comissão parlamentar, o esticar da corda do Junts tem levado a Esquerda Republicana a subir também as exigências, querendo agora fazer do catalão língua oficial do Congresso e uma comissão de investigação a suspeitas de espionagem do Estado espanhol aos independentistas.

As exigências de amnistia e referendo dificilmente serão atendidas em absoluto pelo PSOE, que tem sublinhado que só poderá fazer cedências “dentro da referência constitucional” — que impede a realização de um referendo à independência. Durante a campanha, Sánchez tentou assumir uma postura dura: “O independentismo pede amnistia e referendo e não os tiveram, nem terão, nenhum dos dois”, garantiu. E, só para complicar, ainda desferiu um golpe em Puigdemont: “Era um problema há cinco anos, hoje é uma anedota”.

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Gabriel Rufian e Oriol Junqueras, líderes da ERC, têm aumentado as exigências a reboque do Junts

Europa Press via Getty Images

Qualquer proposta do PSOE para o Junts, seja para obter apoio na Mesa, seja para um futuro governo, deverá, por isso, envolver uma “versão diluída” dessas exigências, antevê o professor da Complutense Jiménez Torres: “A pergunta é se Puigdemont — que baseou toda a sua estratégia dos últimos anos na reivindicação da pureza nacionalista e na negativa de transigir à democracia espanhola — poderá aceitar essas versões diluídas e parciais das suas reivindicações.”

Mesmo que tal aconteça, antevê-se uma legislatura conturbada, ainda para mais com o Senado nas mãos do Partido Popular (PP). Mas não é uma tarefa impossível, alerta Torres. “Há quatro anos também achávamos que a coligação de Sánchez era totalmente instável e, no entanto, completou uma legislatura inteira e aprovou leis e orçamentos. É possível que estejamos a cometer o mesmo erro de subestimar a capacidade de Sánchez de manter unidas as suas coligações.”

Feijóo quer ir a investidura, mas já de olho na possibilidade de eleições

Do lado de Sánchez, há um silêncio quase total. Na calle de Ferraz, local da sede do partido, há um blackout em vigor. “Discrição” tem sido a palavra vincada pelos socialistas aos jornais, onde não saem notícias sobre que cedências estará o PSOE disposto a fazer para conseguir governar com o apoio dos partidos independentistas.

Mas, antes de chegar aí, é preciso dar outros passos para resolver o “rompecabezas”. Primeiro, conseguir apoio para a Mesa. Depois, esperar que o Rei nomeie Sánchez para a investidura, em vez de Feijóo (ou, em alternativa, submeter-se a uma longa espera e aguardar que o PP não consiga de todo apoio, passando a bola para os socialistas).

O artigo 99.º da Constituição, que regula este procedimento, não clarifica que condições são necessárias para se ser escolhido pelo Rei para tentar formar governo. Até agora, ao longo da História democrática de Espanha, o candidato do partido mais votado foi sempre o escolhido — razão pela qual Feijóo tem sublinhado que lhe cabe a ele esse direito. Mas, como explicaram vários catedráticos de Direito Constitucional ao El País, não há nada na lei que assim o exija.

David Jiménez Torres ilustra a dificuldade da situação. “Tanto Feijóo como Sánchez têm argumentos poderosos para dizer que o Rei os devia nomear. Feijóo pode reivindicar ter sido o candidato mais votado e o que tem maior número de deputados no Congresso; Sánchez pode argumentar que, mesmo sendo o segundo partido, tem uma maior possibilidade de reunir apoios suficientes para uma investidura.” No meio disto, só sobra uma certeza: “A classe política vai chutar para o Rei o seu próprio fracasso na hora de encontrar uma fórmula de governabilidade e a consequência será uma possível erosão do seu prestígio.” Decida o que decidir, Filipe VI vai sempre desagradar a alguém.

“Tanto Feijóo como Sánchez têm argumentos poderosos para dizer que o Rei os devia nomear. Feijóo pode reivindicar ter sido o candidato mais votado e o que tem maior número de deputados no Congresso; Sánchez pode argumentar que, mesmo sendo o segundo partido, tem uma maior possibilidade de reunir apoios suficientes para uma investidura.”
David Jiménez Torres, professor da Universidade Complutense de Madrid

No meio de tudo isto, aquilo que parece totalmente afastado é um cenário de governo do PP com o Vox, depois de este partido ter anunciado que está disposto a apoiar a investidura sem Feijóo sem exigir nada em troca. Aliviado, o PP sublinha que as opções são entre um governo minoritário dos conservadores ou um “Frankenstein de 24 partidos”, nas palavras do coordenador geral Elias Bendodo, referindo-se a todas as forças políticas coligadas que podem apoiar um futuro governo de Sánchez.

Depois da vitória curta nas eleições de 23 de julho, contra o que previam as sondagens, o PP está ainda “numa espécie de choque”, aponta o professor da Complutense Torres. A estratégia que tomou desde então, ajudado pela posição do Vox, é a de apelar ao PSOE que se chegue ao centro e viabilize um governo do PP, por muito remota que essa possibilidade seja, depois de uma campanha marcada por críticas ferozes ao líder socialista. Isso não impediu Feijóo de, numa carta enviada a Sánchez, lhe pedir que o ajude a evitar uma Espanha “ingovernável”.

O PSOE não cede. Ainda esta quarta-feira, Sánchez declarou em público que “o PP dinamitou todas as pontes que conduzem a pactos com qualquer outra força política para lá do Vox”. Mas a estratégia de Feijóo pode ser não uma última tentativa desesperada de formar governo, mas antes a criação de uma mensagem política para quando estiver na oposição — ou, se as negociações falharem, quando houver novas eleições.

Essa possibilidade não está totalmente afastada e os populares sabem-no. A tentativa de formar governo servirá para “manter o rigor e a seriedade institucional, mesmo que falida” e tentar contrapo-la “ao projeto de Sánchez com os independentistas”, confessou uma fonte do PP ao El País.

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Alberto Feijóo ainda faz apelos a um governo minoritário do PP, mas já se prepara para possíveis eleições

AFP via Getty Images

Quem tem tudo na mão, neste momento, é Puigdemont. Se colapsarem as negociações com o PSOE, lançará o país em novas eleições. O cálculo político ditará se essa é uma opção viável para um partido que desceu na Catalunha, onde o claro vencedor foi o partido socialista. Haverá ganhos a retirar depois desta negociação?

Talvez não no imediato, mas no futuro, nas eleições regionais, sim. “Serviria para demonstrar a sua pureza ideológica, o que lhes poderia dar benefícios eleitorais nas regionais catalãs e levar a democracia espanhola a uma situação de instabilidade em que as reivindicações separatistas podem ter mais força”, aponta Jiménez Torres. O professor coloca a probabilidade de haver eleições em 40%, contra 60% de um acordo in extremis com o PSOE que permita um governo de Sánchez.

Isto porque qualquer decisão que leve o país a novas eleições é sempre arriscada. Mas também é arriscado formar um acordo que não traga benesses para os independentistas. Puigdemont está a caminhar em gelo fino e isso já se comenta dentro do Junts: “Se este presente que nos deram resultar em nada para a Catalunha, dentro do Junts vai haver tempestade”, disse uma fonte do partido. Ninguém disse que resolver quebra-cabeças era fácil.

 
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