O consumo das famílias salvou a economia portuguesa de uma quebra maior do que os -0,2% confirmados esta quinta-feira pelo INE, relativos ao terceiro trimestre. As exportações – incluindo o turismo – voltaram a derrapar e foi a procura interna que veio compensar. Mas não foi uma compensação suficiente para evitar um trimestre negativo na economia que, caso se repita no quarto trimestre, irá significar uma “recessão técnica”. Porém, apesar do contributo positivo do consumo das famílias, os dados do INE mostram que elas estão a evitar compras mais importantes, incluindo as compras que tipicamente envolvem crédito bancário.
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), afundou 3,6% a despesa das famílias com os chamados bens duradouros, produtos como automóveis e eletrodomésticos. Estes são bens feitos para durarem vários anos e que contrastam com os bens não-duradouros, como alimentos e outros produtos de uso quotidiano – nesses, a despesa das famílias aumentou 1% em relação ao segundo trimestre.
“O consumo total melhorou mas, dentro desse, o consumo de bens duradouros deteriorou-se de forma significativa“, aponta Pedro Braz Teixeira, economista e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, em referência à descida de 3,6% que veio na sequência de aumentos de 0,9% no segundo trimestre e de 7% no primeiro (tudo valores em cadeia, que comparam com o trimestre precedente).
Este indicador sugere que “as famílias estão a aumentar a despesa corrente mas não estão assim tão confortáveis e estarão a evitar despesas que envolvam compromissos a mais longo prazo“, diz o economista. As compras de automóveis, frequentemente feitas com recurso a crédito bancário (que está mais caro), serão um exemplo do tipo de gastos que as famílias estarão a olhar com maior cautela, diz Pedro Braz Teixeira.
O indicador é consistente com a tendência que o Banco de Portugal revelou relativamente a outubro, o primeiro mês do quarto trimestre. O stock de crédito ao consumo aumentou 3,5% em termos homólogos, mas há um ano, em outubro de 2022, a taxa de crescimento homólogo era de 5,9%.
O consumo das famílias ajudou a que o item da procura interna, um dos mais importantes para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), tenha crescido 1% em relação ao trimestre anterior. É um bom sinal, depois da descida (em cadeia) de 0,4% no segundo trimestre, mas João Borges de Assunção também destaca outro fator: a formação bruta de capital fixo, vulgo, o investimento, que aumentou 0,6% e inverteu a quebra simétrica (de -0,6%) do trimestre anterior.
Ainda assim, o economista, que lidera o NECEP – Forecasting Lab, um organismo da Universidade Católica, nota que foi uma subida do investimento conseguida graças ao aumento de 17,5% nos “equipamentos de transporte“. Esse elemento tem tido um comportamento muito volátil nos últimos trimestres – subiu 19% no primeiro trimestre, deslizou 15% no segundo trimestre e, agora, volta a disparar no terceiro trimestre.
João Borges de Assunção diz que gostaria de ver um contributo mais positivo de outras áreas, como a construção e o investimento em máquinas e equipamentos. Mas o primeiro permaneceu exatamente inalterado face ao trimestre anterior e o segundo derrapou 3,2%.
Pedro Braz Teixeira diz não compreender “como é que a construção não cresce, tendo em conta a prioridade da habitação no Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e tendo em conta, também, a aparente prioridade que é dada pelo Governo às questões da habitação”. “É uma coisa completamente absurda”, diz o economista, acrescentando que “mostra que o Governo está atrasadíssimo nos pagamentos do PRR e o empenho que o Governo procura demonstrar, em relação à habitação, não se traduz em coisas práticas”.
A manter-se esta tendência, de investimento pouco robusto e famílias a mostrarem estar “pouco confortáveis”, fica em dúvida até que ponto estes dois itens podem compensar a quebra nas exportações que já começou no segundo trimestre (-1,2%) e se agravou no terceiro (-2,3%).
A diferença em relação ao segundo trimestre é que, no terceiro período de três meses, que apanha os meses de verão, as exportações de serviços derraparam 3,9%. Essa é a rubrica onde o turismo tem uma importância preponderante e, a julgar pela descida súbita, esse “motor” da economia está a fraquejar. “O turismo estará numa situação mais frágil do que seria de esperar“, afirma João Borges de Assunção.
“Penso que a força que se sentia no início do ano, no turismo, ainda era um efeito de recuperação da pandemia”, acredita o economista: “não era razoável esperar que se mantivesse assim por muito mais tempo”. Porém, sendo este um fator onde a sazonalidade tem um impacto importante, o que os dados mostram é que, “em termos relativos, a força do verão não foi equivalente à força do primeiro semestre“, diz João Borges de Assunção, admitindo que “não há capacidade produtiva suficiente em Portugal” para sustentar um maior crescimento da atividade turística, de forma consistente.
Apesar de alguns dados que inspiram algum pessimismo, e de um contexto externo pouco animador, os economistas não veem como dado adquirido que o quarto trimestre também seja negativo. Pedro Braz Teixeira admite que “há alguns indicadores que sugerem que Portugal talvez consiga safar-se” de ter um segundo trimestre consecutivo de contração económica, o que é a definição de recessão técnica.
“Nas últimas previsões trimestrais da Comissão Europeia, que saíram a 15 de novembro, não se prevê queda em praticamente nenhum país da zona euro e aponta-se para um crescimento de 0,2% em Portugal”, diz o economista ligado ao Fórum para a Competitividade. Por outro lado, “o indicador de atividade económica do Banco de Portugal também melhorou um pouco em novembro e alguns indicadores de confiança também melhoraram”, o que pode significar que a economia portuguesa pode ter um crescimento positivo em cadeia no quarto trimestre.
E a crise política pode ter algum impacto neste quarto trimestre? “A questão política pode abrandar a economia mas não creio que será de forma muito significativa, sobretudo tendo em conta que houve a aprovação do Orçamento do Estado“, diz Pedro Braz Teixeira, destacando que os aumentos das pensões e dos salários irão dar um impulso positivo.
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João Borges de Assunção também recomenda que não se valorizem em demasia os dados trimestre a trimestre, sobretudo porque ainda há alguns efeitos pós-pandemia que afetam a evolução dos dados. E mostra-se cautelosamente otimista em relação a 2024, lembrando que no final de 2022 também havia perspetivas pouco animadoras em relação a 2023 e, depois, o ano acabou por trazer “surpresas positivas” que tornaram o ano melhor do que o previsto.
O risco, diz o economista ligado à Universidade Católica, é que “passemos a ter, no quarto trimestre e seguintes, contrações em cadeia simultâneas com o aumento do desemprego”. “Isso, sim, já será um sinal com outras características“, avisa.