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Um pró-Trump, Guterres, a versão Pita Taufatofua II, uma dança viral e a "invasão" pacífica: o outro lado da cerimónia de abertura dos Jogos

A cerimónia de abertura dos Jogos teve três diretores em sete meses – e o último caiu na véspera. Foi diferente. Algumas coisas piores, a maioria diferente. E com pormenores que não passaram ao lado.

A cerimónia de abertura tinha todas as condições para ser um fecho mas não, foi mesmo mais um início de um caminho ziguezagueante onde aquele ADN japonês se coloca em becos sem saída. Comecemos até pelo próprio Estádio agora batizado de Olímpico, no mesmo espaço onde se realizaram os Jogos de 1964: primeiro tinha um projeto altamente futurista, depois já ia no dobro do que estava orçamentado e era necessário mais dinheiro, a seguir passou para um projeto B como acabaria por ficar, pelo meio levou a mais investimentos não previstos. Filmes destes, que parecem de tudo menos de asiáticos como japoneses, também acontecem por aqui. E longe de serem os últimos, tendo em conta a verdadeira rábula em torno de um dos momentos altos do evento.

Tudo começou com Mansai Nomura, um ator do teatro tradicional japonês nomeado Diretor Chefe Criativo da Cerimónia que se demitiu em dezembro de 2020 quando percebeu que tudo aquilo que tinha pensado para fazer abrilhantar a cerimónia já tinha passado à história. Depois entrou Hiroshi Sasaki, que começou a reformular o que estava inicialmente desenhado mas teve de abandonar o cargo pela pressão pública crescente depois de ter feito “brincadeiras” depreciativas com a comediante e cantora Naomi Watanabe, comparando-a com um porco. A seguir ocupou o lugar Kentaro Kobayashi, humorista e diretor de teatro que apresentou a demissão na véspera do evento depois de comentários antisemitas que tinha feito numa comédia em 1998 que voltaram à tona e até levaram ao posicionamento do primeiro-ministro Yoshihide Suga, que considerou as palavras sobre o Holocausto algo inaceitável mas que deu permissão para que a cerimónia avançasse assim. Ou seja, e em sete meses, foram três diretores e nem um responsável efetivo do cargo no dia mais importante. Não foi uma tarefa fácil.

Dúvida 1: será que valia mesmo a pena, no atual contexto pandémico e sem público nas bancadas, avançar mesmo para algo tão perto do tradicional sendo completamente novo? Dúvida 2: era mesmo isto que Tóquio tinha pensado deixar como primeira imagem dos Jogos de 2020? Entre alguns pontos altos ao longo de quase quatro horas, esta acabou por ser a cerimónia de longe com menos brilho, menos entusiasmo, menos atletas e menos espírito olímpico do século. Valeu, sobretudo, o facto de ser algo virado para aqueles que em 2020 mais sofreram com a pandemia: os profissionais de saída, as famílias e vítimas de Covid-19 e os atletas que durante meses treinaram como era possível em confinamento sem nunca deixarem cair o sonho de chegar ao Japão. Foi para eles que ficaram as grandes mensagens da noite. Eram eles que mereciam mais da própria noite.

Cerimónia terminou com Naomi Osaka a acender a chama olímpica: estão abertos os Jogos de Tóquio 2020

Um pró-Trump entre curiosos e o discurso português que não passou na TV

O Main Press Centre tinha esta sexta-feira menos pessoas do que aconteceu nos últimos dias. Ou melhor, a fila à hora mais tardia de almoço era maior do que o habitual (durante a competição teremos tempo para falar do que se faz para enganar a fome, fica a promessa) mas muitos ou nem sequer passaram pelo Tokyo Big Sight ou foram mais cedo embora. Sim, já houve encontros do futebol, do softbol e eliminatórias de outras modalidades mas era tempo da hora mais solene dos Jogos. E uma cerimónia que gerava grande expetativa, não tanto em edições passadas como a de Londres em 2012, onde Danny Boyle imaginou o fabuloso Isles of Wonder, mas por ser o primeiro espetáculo deste género sem público, em pandemia e com soluções mais evoluídas de produção.

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Assim, de dez em dez minutos e até antes das 18h, saíam do Media Transport Mall autocarros com lugares ainda limitados (embora essa regra esteja cada vez mais a desaparecer sem que ninguém tenha essa noção) que iam de foram direta para o Estádio Olímpico, numa distância de meia hora que nos apresentou um outro lado da cidade ainda desconhecido mas bem mais bonito que não passava pela zona de Ariake, onde se concentram vários dos locais de eventos dos Jogos, mas sim pela parte que irá receber a canoagem e uma das grandes esperanças de medalha para Portugal. Edifícios grandes, arquitetura moderna, uma extraordinária capacidade de fazer crescer as zonas urbanas para cima com arranha-céus atrás de arranha-céus sem perder a lógica da cidade e sem que isso se torne demasiado pesado. Meia hora depois, o palco da festa. Dentro do recinto e, antes, fora do mesmo.

Se é verdade que durante grande parte do trajeto eram muito poucas as pessoas nas ruas, tendo em conta que se cumpria o segundo feriado consecutivo em dias escolhidos a dedo por causa dos Jogos (esta quinta-feira foi o Dia dos Oceanos, dedicado ao mar para enfatizar a importância dos oceanos num país com tanta ligação marítima, hoje era dia de assinalar o arranque oficial do evento e a 9 de agosto, a seguir ao encerramento, celebra-se o Dia da Montanha), a cerca de um quilómetro as coisas mudaram: muitos curiosos (pelo menos na parte que nos foi possível observar centenas e centenas), uma grande concentração na zona dos anéis olímpicos perto da entrada do Estádio, milhares de selfies, vídeos e fotografias e uma figura no mínimo estranha pelo contexto que era tudo menos enquadrado em que estava, com um boné de apoio a Trump e uma t-shirt sobre vacinas da Covid-19 que lhe valeram várias passagens repetidas de quem não acreditava ter visto mesmo aquilo na primeira vez.

Protestos voltaram a fazer-se sentir no exterior do Estádio Olímpico, onde havia até um pró-Trump

Entre as 18h e as 19h30, com todos os preparativos a serem ultimados, a bancada de imprensa completamente cheia e os convidados e membros de delegações a ocuparem os seus lugares, ouviu-se uma música quase que a preparar toda a festa (foi nessa altura também que soubemos da infeção de Frederico Morais, que vai falhar a participação nos Jogos sem nunca ter viajado para Tóquio). Às 19h30, a zona do relvado revestida com pelo menos duas alcatifas cinzentas começou a ficar branca e vermelha com as cores da bandeira japonesa. Três minutos depois, vários repórteres fotográficos de pista puderam atravessar para o outro lado do estádio por dentro com todas as grandes angulares preparadas. Às 19h50, num vídeo que funcionou como antecâmara do arranque, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, deixou um depoimento em vídeo.

O peso que o hino japonês cantado por Misia e a recordação dos Jogos de 1972

Os primeiros cinco minutos da cerimónia foram bons. Agradáveis. Confortáveis. Até acabaram com um ultra mega fogo de artifício que se destacou não pelos efeitos no ar mas pelo barulho que quase não provocou, bem ao contrário dos habituais estrondos da ocasião. Com a apresentação de um vídeo, eram recordados os oito anos entre o anúncio oficial da atribuição dos Jogos a Tóquio, em 2013, e a sua antecâmara, passando de uma forma inevitável pela pandemia e pelo esforço feito pelos atletas a treinar no quarto, na sala, nos jardins, fechados em casa, sem saber o futuro como qualquer um de nós. Bonito, simbólico, a chamar várias modalidades à festa.

Seguiram-se outros momentos de cerimónia e mais uma parte emblemática, desta vez com antigos atletas a levarem num compasso imponente a bandeira japonesa até ao palco para as Forças Armadas do Japão, que juntavam forças aéreas, marítimas e terrestres, hastearem a bandeira ao som da interpretação do hino por parte de Misia, uma cantora de vendeu mais de 2,5 milhões de cópias só do último disco e que se tornou a primeira a cantar a solo nos cinco maiores estádios do país. Mesmo sendo um momento muito patriótico, a puxar por um orgulho nacional que parece ter vivido melhores dias e com bancadas vazias, conseguiu ter um peso percetível para quem vê de fora, o mesmo que se sentiu durante o minuto de silêncio em memória não só de todas as vítimas de Covid-19 mas também das 17 pessoas que perderam a vida no ataque do grupo palestiniano Setembro Negro à delegação israelita nos Jogos Olímpicos de 1972, em Munique (fará em 2022 50 anos).

Seguiu-se uma parte mais “trabalhada” da noite que foi buscar um interessante ponto de ligação entre os Jogos de 1964 e os atuais em Tóquio. Há 57 anos, todas as nações participantes nos Jogos trouxeram com elas sementes para criar árvores comemorativas da ocasião, que foram depois distribuídas por vários pontos do Japão como Hokkaido Katei Gakko, que reúne a Floresta de Exposição com cerca de 160 pinheiros e abetos, que cresceram a partir de sementes de Canadá, Rep. Irlanda, Europa do Norte e outras que serviram para construir o Museu Olímpico do Japão e algumas partes do Estádio Olímpico na cobertura e nos exteriores, voltando a aproveitar sementes para manter a tradição para futuras gerações. Ainda assim, pouco para quem espera sempre tanto. Até pode ser injusto para os criadores, para os participantes e para todos os voluntários em dar o melhor espectáculo mas a entrada das comitivas chegou com uma das cerimónias com menos para recordar até aí este século.

Portugal teve uma das comitivas mais animadas e a dança dos porta-estandarte Telma Monteiro e Nelson Évora tornou-se viral

A dança portuguesa que se tornou viral e as despedidas precoces de quase todos

Ao longo de quase duas horas e vinte, as delegações dos 205 países em prova mais a equipa de refugiados (que foi a segunda entrar, logo após da Grécia) foram desfilando num momento que teve ainda menos a ver com tudo aquilo a que estamos habituados – e neste caso exclusivamente pela pandemia, a 100%. Além das limitações que existem a nível de entrada na Aldeia Olímpica por antecedência mediante a data da competição, e sabendo-se que este sábado começam verdadeiramente muitas das competições dos Jogos, houve um visível e até percetível cuidado de todas as delegações em relação a quem passava pelo Estádio Olímpico. O Brasil foi exemplo paradigmático disso mesmo, só com Ketleyn Quadros, Bruno Rezende e mais dois atletas. Nada mais.

Nas bancadas, ao lado do presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach, já estava o tão aguardado imperador Naruhito. E encontravam-se também outros chefes de Estado ou demais representantes, casos de Jill Biden, mulher do presidente norte-americano Joe Biden, Emmanuel Macron ou Alberto do Mónaco. Chefes de Estado seriam pouco acima de uma dezena, em mais um reflexo dos tempos em que vivemos. A recusa de alguns países indicarem uma mulher para porta-estandarte (em alguns era mesmo falta de um elemento feminino que conseguisse estar qualificada), a festa que delegações como a Argentina ou a Itália fizeram, a presença mais uma vez de Pita Taufatofua de tronco nu com muito óleo (sendo que já existe também uma versão II do atleta do Tonga, neste caso Riilio Rii, de Vanuatu), o mortal de Samir Ait Said na entrada da França e o duelo entre EUA e Japão pela maior delegação que pareceu cair para os nipónicos foram alguns dos pontos altos.

Riilio Rii, de Vanuatu, apresentou-se de tronco nu como o já conhecido Pita Taufatofua, de Tonga

Às 22h13, a pouco mais de 20 minutos do final do desfile, chegou a 169.ª nação, Portugal. E alegria não faltou, a começar pelos porta-estandartes Telma Monteiro e Nelson Évora e a seguir pelos restantes 15 atletas nacionais:  Ricardo dos Santos, Pedro Costa, Diogo Costa, Patrícia Mamona, Carlos Nascimento, Cátia Azevedo, Tiago Pereira, Lorene Bazolo, Teresa Bonvalot, Yolanda Hopkins, Bárbara Timo, Anri Egutidze, Rochele Nunes, Patrícia Sampaio e Joana Ramos. Ao contrário do que aconteceu com Países Baixos, Espanha ou EUA (e, de forma menos rápida mas ainda assim notória, por Itália e países nórdicos), a Seleção ficou até ao fim de uma cerimónia que contou com cerca de 6.000 atletas e oficiais, 900 convidados e cerca de 3.500 elementos da imprensa (2.000 escrita).

De seguida, o mítico “Imagine” de John Lennon foi cantado por um intérprete de cada continente (Coro Sugimani da Ásia, Angelique Kidjo de África, Alejandro Sanz da Europa, John Legend das Américas e Keith Urban da Oceania), num dos dois momentos que prenderam atenções entre os resistentes que continuavam no relvado em representação das delegações nacionais a par do fabuloso espetáculo feito por 1.824 drones apontados aos céus fora dos Jogos Olímpicos a desenharem o mundo como ele é. Ainda houve pássaros de papel, uma impossível mas possível representação de todas as modalidades olímpicas nos desenhos que as definem apenas por três pessoas, os discursos da praxe com Seiko Hashimoto e Thomas Bach e um momento especial em que seis atletas que são também médicos e enfrentaram a Covid-19 levaram a bandeira do Comité Olímpico para ser hasteada (Momota Kento, Elena Galiabovitch, Cyrille Fagat Tchatchet, Paula Pareto, Medi Essadiq e Paola Ogechi Egonu).

No final, e depois de ter passado pelas mãos de antigas figuras olímpicas do país, médicos, enfermeiras e uma figura do desporto paralímpico japonês, a tocha olímpica chegou às mãos da jogadora de ténis Naomi Osaka, a número 2 do mundo que encerrou a cerimónia com um dos momentos mais esperados. Quase quatro horas depois, os Jogos estavam oficialmente abertos. Não foi o melhor início possível mas foi sobretudo feito para eles, por eles e com eles, os atletas e os que saltaram para a linha da frente de uma emergência sanitária global em 2020. Os mesmos atletas que foram em muito menor número do que é habitual à cerimónia e acabaram em vários casos por sair de imediato ou mais cedo. Os mesmos profissionais que chegam aos dois dias seguidos de feriado a ver os números de novos contágios aumentar e com várias reticências sobre o que fazer. E tudo acabou com uma “invasão pacífica”, onde vários jornalistas aproveitaram para descer ao relvado e tirarem também algumas fotografias não só no centro do relvado “alcatifado” mas ainda junto à chama olímpica.

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