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"É a altura de reivindicar o papel da Chantal Akerman no cinema", diz o programador sobre Chantal Akerman (1950-2015)

INA via Getty Images

"É a altura de reivindicar o papel da Chantal Akerman no cinema", diz o programador sobre Chantal Akerman (1950-2015)

INA via Getty Images

Um programador de streaming entre a obra de Chantal Akerman: "É um ato político mostrar estes filmes"

São 12 filmes da realizadora belga que chegam à Filmin a 9 de março — incluindo o eleito como "melhor filme de sempre". Falámos com Joan Sala sobre este cinema e sobre a plataforma de streaming.

Pode dizer-se que é um acontecimento nas plataformas de streaming. De uma assentada, chegam doze filmes restaurados de Chantal Akerman (1950-2015) à Filmin, a realizadora belga autora de, por exemplo, “Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (1975), que há pouco tempo foi considerado o melhor filme de sempre na votação que a revista britânica Sight & Sound faz junto de críticos de cinemas mundiais de dez em dez anos. Obra-chave no cinema de Akerman, mas também do cinema realizado por mulheres. Uma obra-chave do cinema feminista sobre as rotinas de Jeanne Dielman, uma viúva com um adolescente em casa, cuja vida acompanhamos ao longo de três horas e meia, entre a prisão da rotina e a decisão de receber homens em casa para a ajudar a pagar as contas. Também isso é uma rotina.

“Jeanne Dielman” será um dos doze filmes que chegarão à Filmin a partir de 9 de março, esta quinta-feira (virão outros no futuro, à medida que as obras estejam restauradas). A seleção é transversal à carreira e inclui também “Saute Ma Ville” (1968), “Hotel Monterey” (1973), “Le 15/8” (1974), “Autour de Jeanne Dielman” (1975), “News from Home” (1976), “Les rendez-vous d’Anna” (1978), “Toute une nuit” (1982), “Hôtel des Acacias” (1982), “La Paresse” (1986), “From the East” (1993) e “No Home Movie” (2015).

Há cerca de uma semana estivemos à conversa com Joan Sala, programador e responsável pelas aquisições da Filmin, que não se resume a uma plataforma de streaming, também é uma distribuidora de filmes (em Espanha) e nos últimos anos tem produzido conteúdo próprio. A pandemia, suspeitávamos – e Joan Sala confirmou –, aumentou o número de subscritores e, surpresa, fidelizou a grande maioria deles. Como Joan Sala admite, “as pessoas vêm para a Filmin para descobrir coisas”. E, agora, terão oportunidade de descobrir Chantal Akerman, ou rever alguns dos seus filmes. Este ciclo dedicado à realizadora foi o que motivou a conversa, mas quisemos tentar saber mais sobre como se escolhem os filmes para uma plataforma de cinema destas.

[o trailer de “Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles”:]

Voltou há dias da Berlinale. Foi exigente?
Ainda estou de ressaca, preciso dos próximos dias para descansar e dormir. Nesta última semana, se fecho os olhos, adormeço. Este ano foi uma loucura.

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Viu os filmes de João Canijo?
São muito bons, muito Bergman. Fazem-me lembrar o “Lágrimas e Suspiros”. É um realizador que não costuma estar nas competições oficiais, o que é pena, porque os filmes dele são muito bons. Por isso foi ótimo vê-lo na competição e vencer. São filmes muito corajosos.

Já é programador há alguns anos, em festivais e na Filmin. Em relação a esta última, o que há de diferente em programar uma plataforma online? Por exemplo, como é que a sua cabeça funciona na Berlinale?
A quantidade. Se fosse um distribuidor de cinema normal, iria à Berlinale, Cannes, Veneza, Toronto, e conseguia oito, dez aquisições e tinha o ano feito. Essas escolhas são também escolhas que nos definem. Na Filmin, também definem a nossa personalidade. Contudo, procuramos qualidade e procuramos chegar a uma audiência grande, cinema de autor mais comercial. Todas as semanas temos conteúdo exclusivo na plataforma, desde séries, filmes novos, documentários, além de filmes clássicos. Procuro filmes diferentes, de diferentes géneros, diversos: para ter comédias, dramas, cinema de autor, cinema comercial e diferentes tipos de filmes. Há filmes em que investimos muito, como o “Drive My Car”, sabemos que vão trazer novos subscritores. Neste momento, por exemplo, o “Viver”, com o Bill Nighy. São grandes investimentos para nós, que fazemos para conseguir subscritores. Queremos ter filmes que comuniquem “posso ver isto no Filmin”.

Como correu o negócio na Berlinale?
Éramos 3. Um dos colegas estava à procura de animação, filmes para crianças. E eu dos grandes filmes do festival, para a Filmin e também para o nosso festival. É um trabalho apaixonante, por vezes estamos muito contentes, noutras frustrados, porque estamos quase a conseguir um contrato e cai tudo à última hora.

"Quem desiste, é porque percebe que não tem tempo para ver filmes. Mas a maior parte dos subscritores ficam porque a usam muito. Temos a sensação de que as pessoas vêm para a Filmin para descobrir coisas, e nas outras plataformas vão para ver coisas específicas, assinam a HBO para ver 'House Of The Dragon', por exemplo."

O vosso conteúdo infantil é muito distinto das outras plataformas. Planeiam que essa secção cresça?
Totalmente. É o que estamos a tentar fazer. Não tenho filhos, mas muitos amigos têm, e eles são muito cuidadosos com a quantidade de tempo que os filhos passam a olhar para os ecrãs. Pergunto sempre: mas o que é que eles estão a ver? O YouTube, o mesmo desenho animado vezes e vezes sem conta? Não tem de ser assim, pode ser um bom conteúdo, que abre os horizontes deles. É isso que tentamos ter, animação que tenha impacto nas crianças e, também, nos pais. Se estamos a dosear o tempo deles, tentamos ser seletivos. Tentamos ter conteúdo diferente, educacional. Em Espanha, contudo, há um problema: temos de fazer as dobragens. Em Portugal isso não é necessário. Aqui fica muito caro, é muito caro para o retorno que se tem com esse público em particular. Mas está a crescer e temos uma pessoa dedicada a isso.

Quando programa um festival de cinema ou uma sala, vê a audiência, eles têm uma cara. Como é programar para uma audiência sem rosto?
Sou um dinossauro, não tenho Twitter, Facebook, não tenho nenhuma rede social. Por isso, torna-se difícil para mim colocar uma cara no público online. Investimos muito em CRM [Customer Relationship Management, gestão da relação com o cliente], pessoas que trabalham com o nosso público alvo, sabemos o perfil dos nossos subscritores. É muito trabalho de marketing e CRM, e é assim que procuramos esses perfis.

E mete uma cara nessas pessoas?
Não tenho redes sociais, mas vou espreitar. Além disso, temos comentários nos filmes, e isso dá para ter uma ideia. Posso dar um exemplo: a pandemia permitiu-nos não só crescer de uma forma vertical, isto é, ter mais subscritores, como também permitiu ter um público mais transversal, mais horizontal, que seria o público típico da Netflix, através da qual as pessoas veem séries sem pensar se as querem ver ou não. Estiveram em casa fechados, durante meses, e tiveram a oportunidade de experimentar a Filmin. E aí passámos a ter o feedback de subscritores que não são tão cinéfilos. Temos de analisar isso com cuidado, esse feedback da nossa potencial audiência. E com o CRM, com as newsletters, ver quem as abre, que tipo de newsletter deveríamos enviar.

Chantal Akerman em 1979 e em 2011

Quem veio durante a pandemia, ficou?
Sim, isso são as boas notícias. A maioria ficou. Claro que depois da pandemia, houve algumas saídas, mas a maior parte dos subscritores ficaram. Fomos a única plataforma de streaming em 2022 que não perdeu subscritores. Pelo que percebemos, quem desiste, é porque percebe que não tem tempo para ver filmes. Mas a maior parte dos subscritores ficam porque a usam muito. Temos a sensação de que as pessoas vêm para a Filmin para descobrir coisas, e nas outras plataformas vão para ver coisas específicas, assinam a HBO para ver “House Of The Dragon”, por exemplo.

Sobre a inclusão dos filmes da Chantal Akerman no catálogo: porquê agora?
Já estávamos a tentar há dois anos. Há dois anos houve uma retrospetiva em Espanha, organizada pelo Museu Reina Sofia e a Cinemateca Espanhola. A filmografia dela esteve inacessível durante algum tempo, alguns não estavam com boa qualidade. Muitos dos filmes dela são geridos pela Chantal Akerman Foundation. Quando esta retrospetiva integral aconteceu, que foi o evento cinematográfico do ano por aqui, contactei o curador da retrospetiva e ele meteu-me em contacto com a Chantal Akerman Foundation. Nessa altura, a maior parte dos filmes ainda não estavam restaurados, mas já estavam a trabalhar nisso. Tivemos dois meses de negociação, eles estavam muito céticos em fazer um acordo com uma plataforma de streaming. Durante a negociação tive de explicar como a Filmin funciona e, ao fim de dois meses de negociação, não conseguimos.

Dois anos depois…?
Saiu a lista da Sight & Sound, “Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles” é considerado o melhor filme da história. E achei que seria o momento de recomeçar a conversa. Nesta altura já tinham várias propostas de Espanha, de diversos distribuidores. Decidiram prosseguir connosco porque nos conheciam melhor e sabiam que não era uma coisa oportunista, há dois anos já tínhamos tentado, não o estávamos a fazer por causa da eleição. Eles sabiam que ia ficar em boas mãos. Além disso, outra valência para eles é a forma como trabalhamos com cinema clássico. De certa forma, quebramos a parede invisível.

"Há uma certa justiça poética no “Jeanne Dielman” ser o melhor filme de sempre. Não acredito que haja um melhor filme de sempre, mas dependendo do tempo em que vivemos, podemos reivindicar um título ou outro. E este filme é crucial para perceber toda uma geração de realizadores, sobretudo quando se fala de feminismo, do papel da mulher do cinema."

Como assim? Que parede invisível é essa?
Produzimos conteúdo próprio, temos o nosso festival de cinema, adquirimos direitos e somos distribuidores de cinema. E trabalhamos com filmes clássicos, não são filmes velhos, são clássicos. Por exemplo, para a negociação da Chantal Akerman foi importante termos trabalhado o “Vem e Vê”, de Elem Klimov, de 1985. Este filme só existia em DVD em Espanha, nunca tinha sido estreado em sala. Eu vi a versão restaurada no Festival de Veneza e chegámos a um acordo para, além de o estrear na plataforma, estreá-lo também em sala. Para nós foi uma questão de princípio, este filme nunca estreou em Espanha, adquirimos os direitos e vamos colaborar com cinematecas e cinemas de rua para o mostrar no grande ecrã. E estreou em sala um mês antes de chegar à plataforma, muitas sessões estavam esgotadas, foi um grande evento. É um dos grandes filmes de guerra de sempre, está ao nível do “Apocalypse Now”, do “Platoon”. E a maior parte das pessoas nunca o viu. Por exemplo, agora adquirimos os direitos dos filmes do Seijun Suzuki e vamos fazer, primeiro, um circuito de cinematecas em maio, altura da comemoração do seu centenário. Recentemente – em dezembro — fizemos isso com o Béla Tarr. Neste caso, por exemplo, os filmes já estão na Filmin, mas continuamos a programar nos cinemas, porque é um complemento. As cinematecas não nos veem como inimigos, mas como um complemento, e isso é ótimo. Com a Chantal Akerman tem sido um grande sucesso, em Espanha já estreámos os filmes na plataforma, a 24 de fevereiro, e a 8 de março estará em mais de 35 salas em Espanha.  E não é só em cinematecas, ou salas de bairro, mas também em grandes cadeias que estão em centros comerciais. Fazer isso com um filme como “Jeanne Dielman” é fantástico.

O “Vem e Vê” no cinema de facto revela-se de uma forma maior.
Aqui em Espanha só existia em DVD e o título era “Masacre (Ven y mira)”, até o título “Masacre”… É um filme incrível… deve ser o primeiro filme de guerra que não usa a guerra como um espectáculo, é sobre o horror da guerra. Mesmo nos melhores filmes, como o “Apocalypse Now” ou o “Platoon”, há a guerra como espectáculo. No “Vem e Vê” tudo se mostra através dos olhos de um rapaz e não há espectáculo nisso.

“Les rendez-vous d’Anna” (1978), “La Paresse” (1986), “Hôtel des Acacias” (1982) e “Saute Ma Ville” (1968) são alguns dos filmes de Chantal Akerman que vão estar disponíveis na Filmin

Encontra a influência de Chantal Akerman no cinema atual?
Sim, ela é uma pioneira. Na Filmin vamos ter uma zona especial dedicada à Chantal Akerman e não colocaremos lá só os filmes dela. Isso é bom para a relação com os nossos subscritores. Criámos o canal Chantal Akerman, que depois tem uma secção de filmes influenciados pela realizadora, mas não feitos por ela. Por exemplo, agora temos uma realizadora israelita, a Hadas Ben Aroya, que fez dois filmes, o “People That Are Not Me” e “All Eyes Of Me”, este foi um sucesso na Berlinale há uns anos. Temos também o “O Começo”, do Dea Kulumbegashvili, ou mesmo Sophia Coppola e uma realizadora portuguesa, como a Rita Azevedo Gomes. Acho que há uma certa justiça poética no “Jeanne Dielman” ser o melhor filme de sempre. Não acredito que haja um melhor filme de sempre, mas dependendo do tempo em que vivemos, podemos reivindicar um título ou outro. E este filme é crucial para perceber toda uma geração de realizadores, sobretudo quando se fala de feminismo, do papel da mulher do cinema, é a altura de reivindicar o papel da Chantal Akerman no cinema. Para nós é um ato político mostrar todos estes filmes.

Haverá mais inscrições no catálogo para breve que merecerão este destaque?
Sim, pelo menos mais quatro chegarão. Um deles é o “Golden Eighties”, que é dos filmes que mais gosto dela, é um daqueles onde ela explora o seu lado mais divertido. Mas esses ainda estão a ser restaurados, só estarão prontos em 2024. Além disso, há outros que não estão com a Chantal Akerman Foundation e tem sido mais complicado, mas estamos a tentar.

É um work in progress.
Sim. E, posso dizer, sem revelar números, que desde que os filmes chegaram à Filmin Espanha, a 24 de fevereiro, que têm sido um tremendo sucesso.

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