No vídeo, que dura dois minutos e 25 segundos e começou a ser partilhado nas redes sociais logo a 7 de setembro de 2022, dia em que foi captado, pode ver-se um homem, inicialmente deitado no chão, a ser manietado pela polícia.

“É só algemar e levar. Filho da p***!”, pode ouvir-se com clareza. O comentário terá sido feito por uma das muitas pessoas que observavam a cena, que teve lugar no Aterro do Flamengo, um parque na zona de Copacabana onde, para celebrar o 200.º aniversário da independência do Brasil, a campanha de Jair Bolsonaro organizou uma “motociata” (uma espécie de cortejo de mota), seguida de um comício, em cima de um camião.

De acordo com os posts a circular nas redes sociais, o homem, em situação de sem-abrigo, coberto de sacos de plástico pretos a fazer as vezes de roupa, teria sido detido pela polícia depois de ter tentado atacar o Presidente brasileiro com uma faca.

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“Mais um ‘louco’ agindo por ‘conta própria’. Quando teremos paz, Senhor? Deus proteja nosso Capitão! TENTATIVA DE AGRESSÃO contra o Presidente Bolsonaro hoje no aterro do Flamengo — RJ. Se passando por mendigo e vestindo sacos plásticos, o terrorista estava armado de uma faca. Um agente da PF percebeu e imediatamente neutralizou a ação”, pode ler-se numa das publicações.

Noutras é ainda feita referência ao facto de a imprensa, presente no local, não ter propositadamente dado visibilidade à situação: “A Rede Globo não deu uma nota sobre o caso, abafou.”

Mas a verdade é que não só não é visível qualquer faca ou outro tipo de arma branca nas imagens, como não foi nada disso que aconteceu.

Em primeiro lugar, o próprio Jair Bolsonaro não fez qualquer referência ao alegado atentado — o que não aconteceu quando, justamente quatro anos e um dia antes, num comício em Juiz de Fora, estado de Minas Gerais, foi esfaqueado no abdómen e teve de ser hospitalizado. Dessa vez, o então candidato à presidência do Brasil falou publicamente sobre o assunto assim que lhe foi possível, numa entrevista dada ainda a partir do hospital. Agora, marcou presença num comício escassos minutos após o alegado ataque e não disse uma só palavra sobre o assunto.

A imprensa presente no local — e não apenas a Rede Globo — também não fez qualquer referência ao pseudo-ataque. Isto porque, garantiu à AFP fonte da Polícia Federal do Rio de Janeiro, ele nunca aconteceu e não foi registada qualquer queixa nesse sentido.

O que aconteceu então? O homem, que era mesmo um sem-abrigo (e não alguém a fazer-se passar por mendigo), terá visto um pequeno rádio transmissor, utilizado em capacetes, caído na estrada onde minutos antes tinha passado o Presidente brasileiro e centenas de outros motociclistas e decidiu apanhá-lo.

Para isso, transpôs as baias de proteção colocadas junto à estrada e precipitou-se na direção do objeto, alheio às motas que continuavam a passar. Quando a polícia correu na sua direção, para o devolver ao passeio, o homem terá pensado que lhe iam tirar o rádio e tentou impedir os agentes — que inicialmente até chegaram a pensar que ele poderia estar na posse de uma faca, ou de qualquer outro objeto cortante, admitiu à AFP o delegado Rafael Barcia, da delegacia do Catete, no Rio de Janeiro, para onde o sem-abrigo acabou por ser levado.

Demoraram instantes até perceber que não: “Aquilo era um interfone de capacete. É um objeto que você pode acoplar ao capacete e funciona como um comunicador ponto a ponto. Ele viu aquele objeto no chão no meio das motas, achou que tinha algum valor económico, então entrou no meio. Quando o pessoal da segurança o viu no meio das motas — o que quase causou um acidente —, ele achou que as pessoas queriam tirar-lhe aquele objeto valioso que ele encontrou. Por isso resistiu”, descreveu o agente da polícia. Que garantiu também que, à hora em que tudo aconteceu, Jair Bolsonaro já estava longe, pelo que o atual Presidente brasileiro e candidato à reeleição no próximo domingo, 2 de outubro, nem sequer coincidiu no tempo e no espaço com o seu alegado agressor.

Conclusão

Não é verdade que este vídeo mostre os momentos em que um homem, que se fazia passar por mendigo, foi detido no Rio de Janeiro, depois de ter tentado atacar Jair Bolsonaro com uma faca. O homem, que vive mesmo em situação de sem-abrigo, foi manietado e detido pela polícia porque quase provocou um acidente ao ter invadido a estrada onde decorria um cortejo de motas — de que o Presidente brasileiro tinha efetivamente feito parte, minutos antes. O mendigo não tentou atacar ninguém e não estava armado com uma faca, só teve medo que os agentes da polícia lhe tirassem o rádio intercomunicador que tinha acabado de encontrar caído no chão.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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