Um utilizador português do Facebook partilhou no seu perfil uma série de dados que alegadamente apontam para uma diminuição do número de mortes em Itália, nos primeiros três meses deste ano, em comparação com o período homólogo de 2019. Apesar de estar em português, a mesma informação tem vindo a ser partilhada nas redes sociais em Itália e já foi verificada por alguns sites italianos de fact check. Em português ou em italiano, a informação é falsa — as contas relativas ao número de mortes em Itália nos primeiros três meses do ano ainda não incluem a totalidade dos municípios, mas apenas um quinto do território.

Mas vejamos o que diz o utilizador português. De acordo com este perfil de Facebook, entre 1 de janeiro e 31 de março de 2019, tinham morrido 185.967 pessoas em Itália, “enquanto no mesmo período de 2020”, o número de mortes se situava nos 165.367. Houve “menos 20.600 mortes em Itália [n]este inverno de pandemia do que no ano passado, no mesmo período… e sem pandemia nenhuma”. Os alegados dados descritos acima foram dados a conhecer num artigo de opinião de Monica Camozzi, publicado a 9 de abril no jornal online Affaritaliani, e são, na opinião do utilizador, a prova de que existe uma tentativa de enganar a população, que “’papa’ tudo sem questionar nada”.

O post do Facebook em que se firma que em Itália morreram menos cerca de 20 mil pessoas nos primeiros três meses de 2020

No mesmo post, o utilizador português chama ainda a atenção para outros alegados dados, como os que se referem às vítimas mortais por gripe e pneumonia em Itália.  O utilizador aponta que, em março de 2019, terão morrido 15 mil pessoas com gripe e pneumonia, estando no pico de uma situação que, segundo o utilizador, tem vindo a piorar nos últimos anos.

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Estas declarações são acompanhadas por uma infografia do Instituto de Saúde Italiano, partilhada no Twitter também a 9 de abril, que não refere nenhum dos números apontados por este utilizador e que também surge no artigo de opinião de Camozzi:

Relativamente aos dados globais apontados pelo utilizador, os relativos a 2019 correspondem aos disponibilizados pelo instituto italiano de estatística (I.Stat) que, entre janeiro e março desse ano, contabilizou um total de 185.967 mortes no país. São verdadeiros. Mas os dados referentes aos primeiros três meses deste ano são já mais problemáticos.

Segundo o artigo de opinião do Affaritaliani, que cita o I.Stat, nos primeiros três meses de 2020 morreram 165.367 pessoas em Itália, ou seja, menos cerca de 20.600 do que no período homólogo de 2019. Contudo, a comparação entre as duas realidades temporais não pode ser feita de forma tão linear, porque os dados de 2020 ainda não estão completos. Mais: só conseguimos encontrar referência a estes tais 165.367 mortos em notícias falsas. Os dados mais recentes do I.Stat revelam-nos, por sua vez, outro cenário.

Segundo o site Open, que submeteu esta informação a um fact check — após ter sido divulgada nas redes sociais em Itália, no início de abril –, estavam apenas disponíveis na página do I.Stat os dados de 2020 relativos a 1.084 dos 5.866 municípios italianos. Ou seja, a informação publicada pelo instituto não estava (e continua a não estar) completa. Só estão contabilizados cerca de um quinto dos municípios italianos, sendo que os valores apresentados não se referem à generalidade do país.

Nos 1.084 municípios representados na contagem do I.Stat, o número de mortes entre 1 de janeiro e 21 de março de 2020, ascendeu a 40.244, o que significa que é superior ao do mesmo período em 2019 — nos primeiros três meses do ano passado, morreram 33.575 pessoas em Itália, refere o Facta, outro site de fact checks. 

Para se saber com certeza quantas pessoas morreram entre janeiro e março deste ano e poder comparar estes números com os de 2019, é preciso esperar que todos os dados sejam divulgados pelas entidades competentes e processados pelo I.Stat, o que pode levar algum tempo. Mesmo depois de isso acontecer, é possível que venham a ser feitos ajustes e que o número real de mortes no pico da epidemia só seja conhecido mais à frente no ano. Mas, tendo em conta os dados já conhecidos, tudo indica que o número seja muito superior ao do ano passado e não o contrário, como alguns utilizadores têm vindo a argumentar nas redes sociais.

Foi, por exemplo, essa a conclusão da análise feita pelo Open com base nos dados disponibilizados pelos 1.084 municípios e confirmados pelo I.Stat. De acordo com este site, tudo indica que, nalguns municípios e províncias, as mortes duplicaram nos meses correspondentes ao pico da epidemia de Covid-19 no país. Em Alzano Lombardo, terá até sido dez vezes superior.

Em relação aos números das vítimas mortais por gripe e pneumonia, o utilizador português aponta que, “até 2014”, estas “não excederam” os 7 a 8 mil mortes, “enquanto em 2017-2016-2015, os dados oficiais do ISTAT indicam respetivamente 20 mil, 16 mil e 25 mil mortes”. “Em particular, 25.000 pessoas morreram de pneumonia em 2017 e 15.000 em março de 2019.” Estes dados são adiantados para, parafraseando o artigo de Monica Camozzi, fundamentar a opinião de que Itália diminuiu “drasticamente os locais de terapia intensiva devido a cortes nos cuidados de saúde”, o que, em anos anteriores, já tinha levado a um aumento de mortes por gripe e pneumonia.

Os dados do I.Stat mostram que, entre 2003 e 2014, o número de mortes anuais provocadas por estas duas doenças ultrapassou os 8 mil, ao contrário do que é referido. Em 2013, morreram 8.878 e, em 2014, 9.413 (272 por gripe e 9.141 por pneumonia). É verdade que, nos anos seguintes, as mortes por gripe ou por pneumonia aumentaram ligeiramente, mas não tão significativamente como é apontado, tendo até sido registada uma descida em 2016. Ora vejamos:

  • Em 2015, morreram 12.307 pessoas (675 por gripe e 11.632 por pneumonia);
  • Em 2016, morreram 11.153 pessoas (316 por gripe e 10.837 por pneumonia);
  • Em 2017, morreram 14.179 pessoas (663 por gripe e 13.516 por pneumonia).

Sobre os mortos por pneumonia em 2019, o dado tem origem numa entrevista do presidente do I.Sta, Gian Carlo Blangiardo, ao jornal italiano Avvenire, que muito deu que falar no início deste mês. A peça com as declarações de Blangiardo foi publicada com o título “Em março de 2019, 15 mil pessoas morreram de vários tipos de pneumonia”, e acompanhada pela seguinte informação: “Segundo os dados disponíveis, no mesmo período do ano passado, morreram mais pessoas de doenças respiratórias do que este ano de Covid-19”. A entrevista terá, de acordo com o jornal La Reppublica, sido posteriormente partilhada por vários utilizadores do Twitter, que afirmaram que o governo italiano os estava a enganar.

Apesar de os dados relativos a 2019 ainda não terem sido divulgados pelo instituto nacional de estatística, estima-se que o número total de mortos em Itália no ano passado ronde os 647 mil. Em março de 2019, terão sido 58 mil, dos quais cerca de 15 mil terão morrido devido a doenças do foro respiratório. Segundo o La Reppublica, o número seria mais ou menos o mesmo durante o mesmo período deste ano, caso não tivesse existido uma pandemia. Isto significa que, para calcular o número total de mortes por causas respiratórias em Itália no início de 2020, é preciso acrescentar ainda as vítimas por Covid-19 — uma conta que só será possível fazer, com certeza, depois de todos os dados terem sido compilados e analisados.

Conclusão

O número de mortes em Itália entre janeiro e março não diminui face ao ano passado. Não é também correto dizer que houve menos 20.600 mortos ou fazer até qualquer comparação com os valores de 2019, uma vez que os dados necessários para o fazer não foram ainda compilados e analisados pelo instituto nacional de estatística italiano (I.Stat). Contudo, até à data, tudo indica que, ao contrário do que estes e outros utilizadores do Facebook argumentam, o número de mortes registados nos primeiros meses de 2020 será superior ao período homólogo de 2019.

O número de mortes por gripe e pneumonia em anos anteriores está igualmente errado. Será, porém, verdade que, em março do ano passado, 15 mil pessoas morreram em Itália devido a “vários tipos de pneumonia”, mas só será possível analisar este número e perceber o que ele significa quando os dados relativos a 2020 foram divulgados, e que incluirão já os números relativos à Covid-19, o que ainda não aconteceu.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts/DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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