José Sócrates negou na entrevista concedida à TVI esta quarta-feira que o juiz Ivo Rosa tivesse feito alguma censura à forma como exerceu o cargo de primeiro-ministro entre 2005 e 2011. Confrontado pelo jornalista José Alberto Carvalho com a “existência de um mercadejar com o cargo por parte do primeiro-ministro [José Sócrates] face ao arguido Carlos Santos Silva”, Sócrates rejeitou que o juiz de instrução criminal tivesse feito tal censura na decisão instrutória, corrigiu o jornalista e afirmou que Ivo Rosa “nunca” censurou “um comportamento contrário aos deveres do cargo” ao longo dos seus 6 anos de mandato.

Esta questão está ligada aos três crimes de branqueamento de capitais (que, por sua vez, estão conectados com um crime de corrupção passiva que já prescreveu), pelos quais o juiz Ivo Rosa pronunciou José Sócrates para julgamento — aos quais acrescem igualmente três crimes de falsificação de documento.

O juiz Ivo Rosa não viu qualquer indício da prática dos três crimes em que Ricardo Salgado (Grupo Espírito Santo), Joaquim Barroca (Grupo Lena), Diogo Gaspar Ferreira e Rui Horta e Costa (grupo de investidores em Vale do Lobo) eram os alegados corruptores ativos. Mas, pelo contrário, entendeu que existem indícios suficientes de que José Sócrates praticou o crime de “corrupção sem demonstração do acto concreto com que o agente público pretende mercadejar com o cargo”.

Porquê? Devido à “existência de entregas em numerário e pagamentos” no total de 1,7 milhões de euros “feitos pelo arguido Carlos Santos Silva ao arguido José Sócrates que, quer pela forma como foram entregues, quer pelos montantes envolvidos e perante a ausência de elementos de prova que sustentem a versão do alegado empréstimo por parte do arguido Carlos Santos Silva, indiciam uma aceitação de vantagem patrimonial por parte do arguido José Sócrates, na qualidade de primeiro-ministro, por parte do arguido Carlos Santos Silva”, lê-se na folha 2.608 da decisão instrutória.

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Tais entregas de numerário são explicadas por Ivo Rosa com o facto de o “arguido Carlos Santos Silva exercer funções no domínio da angariação de obras, projectos e solução de dificuldades do Grupo Lena junto de clientes”, o que faz com que, no entender do magistrado, o objetivo de tais “entregas em numerário” fosse “criar um clima geral de simpatia ou de permeabilidade por parte do primeiro-ministro”. A chamada “compra da personalidade” que o procurador Rosário Teixeira referiu durante o debate instrutório — expressão com a qual o magistrado concorda.

O juiz Ivo Rosa não teve dúvidas em rejeitar as alegadas provas que José Sócrates e Carlos Santos Silva apresentaram sobre a alegada tese do empréstimo, como entendeu que “foi o facto de o arguido José Sócrates ser primeiro-ministro que conduziu àquelas entregas [de numerário].” 

Ou seja, apesar de o juiz Ivo Rosa não ter pronunciado Sócrates pelos três crimes de corrupção de que vinha acusado pelo Ministério Público (corrupção passiva para ato ilícito que tem na sua génese uma violação dos deveres do cargo), certo é que o mesmo magistrado deu como indiciado que “existem entregas de dinheiro por parte do arguido Carlos Santos Silva ao arguido José Sócrates, bem como pagamentos feitos por aquele arguido a favor deste, no montante global de 1.727.398,56€ (…) entre 2006 e 2011″.

Por último, os factos de alegada corrupção (que terão ocorrido durante os dois mandatos de José Sócrates entre 2006 e 2011) deram origem a três crimes de branqueamento de capitais que terão ocorrido em três períodos entre 2011 e 2014. Como o crime de branqueamento se prende com a alegada ocultação dos fundos com origem ilícita, a prática desse crime pode ser posterior à prática do crime de corrupção — crime que, na visão do juiz Ivo Rosa, se consuma com o acordo e não com recebimento do último pagamento.

Conclusão

José Sócrates tentou explorar a expressão “contrário aos deveres do cargo” a seu favor. Porquê? Porque o Ministério Público acusou-o de três crimes de corrupção passiva para ato ilícito, “com o qual o agente público pretende mercadejar com o cargo” e “onde a descrição dos elementos do tipo reporta-se a acto/omissão ‘contrário aos deveres do cargo’“, lê-se no despacho de instrução.

É verdade que Sócrates não foi pronunciado por esses três crimes (por, segundo o juiz Ivo Rosa, não existirem indícios dos mesmos e por já estarem prescritos), mas viu o magistrado titular da fase de instrução reconhecer a existência do crime (já prescrito) de corrupção passiva sem demonstração de ato concreto por ter recebido cerca de 1,7 milhões de euros de fundos de Carlos Santos Silva, em numerário e por outras vias.

Ivo Rosa não tem dúvidas de que tal aconteceu com o objetivo de “criar um clima geral de simpatia ou de permeabilidade por parte do primeiro-ministro”, correspondendo a uma “compra da personalidade” e que só aconteceu devido ao “facto de o arguido José Sócrates ser primeiro-ministro”.

Ou seja, as “entregas em numerário indiciam, deste modo, a existência de um mercadejar com o cargo por parte do primeiro-ministro face ao arguido Carlos Santos Silva”, lê-se na decisão instrutória. Ora, “mercadejar com o cargo” é uma clara violação dos deveres da função de primeiro-ministro.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

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