Com os relatos diários que têm chegado pela voz dos profissionais de saúde, que estão na linha da frente no combate à pandemia, ou pelos bombeiros que têm aguardado horas a fio às portas dos hospitais com doentes dentro das ambulâncias à espera de vez, ou pelas imagens que a comunicação social tem revelado, têm também surgido nas redes sociais publicações que sugerem que esta situação não é nova. E que todos os anos, no pico do inverno e na altura em que disparam os casos de gripe, os serviços de urgência por todo o país ficam como vemos agora, em janeiro de 2021 — o mês em que o número de infetados e de mortes por Covid-19 disparou.

Uma das imagens que circula nas redes e que cita notícias de há quatro anos, de 2016 e mesmo de 2019

De facto, é raro o ano em que, por altura do frio, não existam relatos de que os serviços de urgência estão cheios de doentes e que há incapacidade de resposta por parte dos profissionais de saúde, dado o aumento dos casos de gripe que levam sobretudo os mais velhos a procurar as urgência dos hospitais.

No entanto, e tal como já explicou o Observador, não é só a falta de médicos e de enfermeiros que dificulta a resposta nestes casos. Aliás, ainda na última quinta-feira o secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, revelava que entre 2015 e 2020 foram contratados 22 mil profissionais. Já em pleno ano de pandemia foram mais 8 mil.

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Caos nas urgências. O que se está a passar nos hospitais portugueses?

Muitos especialistas na área da Saúde são unânimes quando dizem que a maior parte dos utentes procura e confia mais nos serviços de urgência dos hospitais, quando os sintomas que apresentam podiam perfeitamente ser acompanhados pelos mesmos serviços dos centros de saúde — libertando assim os hospitais para os doentes mais graves. Os próprios governos, e mesmo a Direção Geral da Saúde, têm tentado fazer essa sensibilização e há mesmo legislação em cima da mesa que prevê terminar com as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários para demover os utentes de escolherem um hospital mal tenham um sintoma ligeiro de doença.

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Ainda assim, os números do Serviço Nacional de Saúde mostram que a procura pelo serviço de urgência nos hospitais não tem baixado — com exceção deste período de pandemia que estamos a viver. Aliás, se olharmos para os dados da monitorização diária dos Serviços de Urgência percebemos que a 20 de  janeiro de 2021, por exemplo (e falamos de um mês em que os relatos de colapso dos hospitais se multiplicam), se registaram 9.560 serviços de urgência, quando no mesmo dia de 2020 foram 20.552. E nesse mesmo dia de 2017 foram 15.433. Ou podemos também olhar para os números de março de 2020, quando o país confinou pela primeira vez por causa da pandemia de Covid-19 para evitar o colapso dos serviços de saúde: a 16 de março de 2020 tinham sido registadas a nível nacional 8.272 atendimentos urgentes, quando no mesmo dia de 2019 tinham sido 15.574. Estes atendimentos incluem doentes Covid e não Covid.

Se é verdade que nos primeiros meses de pandemia em Portugal e com o confinamento a circulação baixou drasticamente — reduzindo, por exemplo, o número de acidentes na estrada —, também os utentes começaram a procurar cada vez menos os hospitais por medo, mesmo em situações que o seu estado de saúde agravara. Aliás, as próprias associações que representam doentes tiveram mesmo necessidade de vir lançar apelos públicos para doentes crónicos não desvalorizarem sintomas, ou mesmo outros que pudessem estar a enfrentar uma doença não Covid.

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Então, se os números de atendimentos nos serviços de urgência reduziram quase para metade, porque é os serviços de saúde estão saturados e os profissionais de saúde — onde até houve contratações — não conseguem dar resposta? Ainda por cima num ano em que vários médicos dizem haver poucos casos da gripe sazonal, provavelmente por causa do uso obrigatório de máscara.

É que nos outros anos existe um pico de casos nas urgências, normalmente no inverno, por causa da gripe sazonal que, mesmo em casos mais ligeiros, leva à preferência pelo hospital. E, este ano, antes de chegarmos aos números de Covid-19 que atingimos em janeiro (passando a barreira dos 10 mil casos diários), já os profissionais de saúde estavam a trabalhar intensivamente desde março, grande parte sem o total das suas férias gozadas e exaustos física e psicologicamente. A esta situação soma-se a multiplicação de casos de infeção por Covid-19 entre os profissionais de saúde — alguns dos quais diretamemnte envolvidos no combate contra a pandemia —, o que leva a uma redução da capacidade de resposta das unidades de saúde.

Por outro lado, os tempos de um doente Covid são completamente diferentes dos outros. E essa diferença começa logo à chegada do hospital, onde os doentes não podem estar concentrados no interior das instalações. Logo, têm que ficar na rua ou dentro da ambulância que os transporta até à unidade de saúde, para depois passarem por uma triagem e serem testados. Só depois são encaminhados para o circuito certo: Covid ou não Covid.

Por outro lado, os internamentos são muito mais longos e as camas tendem a ficar todas ocupadas, e demoram mais a esvaziar. Quando comparado com uma pneumonia, um doente Covid tem um período de internamento superior a uma semana, dez dias e às vezes mais. Para juntar, há cada vez mais infetados a precisarem de internamento. Lacerda Sales disse, também, na última quinta-feira, que neste momento há um total de 19.169 camas destinadas a doentes Covid, 18.050 em enfermaria e 1.119 em Unidades de Cuidados Intensivos. Há ainda 1961 ventiladores, ao mesmo tempo que se tenta contratar mais profissionais de saúde.

E, embora a capacidade esteja neste momento nos 85%, já se ultrapassaram “todos os limites” É que, como explicou a médica infeciologista Isabel Aldir à RTP, os “85% não querem dizer que haja uma folga”. “É o limite máximo que as Unidades de Cuidados Intensivos devem ter já no seu limite para conseguir dar resposta às solicitações. Tudo o que ultrapasse este valor significa que vai haver pessoas que não vão ter vagas”, disse, lembrando que é muito difícil multiplicar vagas nos Cuidados Intensivos pelas características técnicas e pela especificidade e diferenciação das pessoas que lá trabalham.

Ainda assim, nos últimos meses, esta capacidade tem vindo a aumentar, através da ocupação de outras áreas do hospital, até mesmo zonas que antes eram de recobro após uma cirurgia. “Mas as possibilidades são finitas”, lembrou.

Conclusão

É verdade que é raro o ano em que não haja notícia de caos nas urgências hospitalares devido a um aumento da procura, sobretudo no inverno com as gripes sazonais. E que o próprio governo tem tentado encontrar medidas para os utentes não procurarem logo os hospitais, mesmo para casos menos graves que podiam ser vistos em centros de cuidados de saúde primários. Ainda assim o número de procura pelo serviço de urgências só baixou com a pandemia, muito por causa da falta de circulação, mas também pelo medo.

No entanto, as circunstâncias que agora vários profissionais de saúde têm relatado são muito diferentes. Desde março, já há dez meses, que estes profissionais têm lutado contra o novo coronavírus e grande parte deles nem teve direito a gozar o seu período de férias completo. Portanto estão exaustos. E milhares deles estiveram, ou estão, infetados e, por isso, impossibilitados de exercer funções. Depois a forma de atendimento de um suspeito de Covid-19 e todo o processo que ele enfrenta no hospital depois de dar positivo é muito mais moroso que noutros casos. Mais: o tempo de internamento de um doente Covid-19 supera entre uma a duas semanas a mais do que internado com pneumonia, por exemplo. O que significa que os doentes não rodam no serviço tão depressa, para dar lugar a outros. Por isso o caos que agora se vive é bem diferente do que acontece noutros invernos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

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