Desde a aprovação das primeiras vacinas contra a Covid-19, muita desinformação e teorias da conspiração circularam nas redes sociais sobre a pandemia e, em particular, sobre a origem do vírus. Uma das últimas publicações a tornar-se viral sobre este tema alega que “o vírus foi criado e libertado de propósito” pela farmacêutica multinacional Pfizer, responsável por desenvolver uma das primeiras vacinas contra a Covid-19.

O post em questão foi partilhado num grupo público de Facebook e é acompanhado por um vídeo — que também se tornou viral nas últimas semanas — que mostra um funcionário sénior da Pfizer a confirmar que a empresa realiza “experiências” com mutações da Covid-19. Numa referência ao vídeo, o autor da publicação descreve o que diz ser a “maior conspiração da história”, para referir que as farmacêuticas continuam a “libertar variantes” de forma propositada, para depois venderem vacinas. Sublinha ainda o que classifica como “a coragem” de personalidades como Robert Malone e James O’Keaf, do “Project Veritas”, e, em Portugal, de Fernando Nobre e Margarida Oliveira. São nomes têm estado envolvidos em polémicas por espalharem desinformação sobre a pandemia. Mas será que, como tantas outras “teorias da conspiração” que têm sido partilhadas nos últimos anos, o conteúdo desta publicação também é falso?

Comecemos por analisar o vídeo partilhado na publicação. Trata-se de um excerto do programa “Real America with Dan Ball”, transmitido no canal norte-americano “One America News” — um canal de direita radical, pró-Donald Trump e conhecido por promover desinformação e teorias da conspiração. No programa é referido um vídeo da organização conservadora “ProjectVeritas”, um grupo que no site oficial se descreve como uma “empresa de jornalismo sem fins lucrativos”, mas que tem sido associado à partilha de informações duvidosas, muitas vezes através da produção de vídeos manipulados de forma a produzir resultados enganadores e que recorrem a gravações secretas. O tema da vacinação contra a Covid-19 tem, de resto, sido um alvo recorrente do “Project Veritas” nos últimos anos de pandemia.

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No vídeo do “Project Veritas” referido pelo canal norte-americano, e também na publicação em análise, surge um alegado diretor “sénior” da Pfizer, com responsabilidades no desenvolvimento e no planeamento científico e estratégico da empresa, numa conversa informal com um jornalista não identificado, gravada com uma câmara oculta num restaurante. Nesse vídeo, Jordon Thrishton Walker, o suposto diretor da farmacêutica, revela que a Pfizer está de forma deliberada a trabalhar em mutações para o vírus da Covid-19, de forma a produzir preventivamente novas vacinas adaptadas a futuras variantes. Admite também que há “riscos” nestas experiências, mas sublinha que todo o processo está a ser conduzido de forma “controlada”.

Num outro excerto do vídeo, fortemente editado, o alegado diretor rejeita também que a farmacêutica esteja a recorrer ao método “gain-of-function”, ou “ganho de função”, um método de pesquisa onde os vírus recolhidos são artificialmente modificados e tornados mais virulentos, infeciosos e perigosos, para se perceber como se comportariam num cenário de pandemia. Prefere descrever o trabalho realizado como “mutações estruturais selecionadas” para perceber se é possível tornar o vírus mais “potente”.

Por fim, o vídeo conta ainda com um comentário do virologista Robert Malone, que critica o que diz ser a falta de código moral da Pfizer, alegando que toda a indústria está a mentir à população sobre o vírus para ganhar dinheiro. Robert Malone é um médico e consultor norte-americano que se apresenta, nas redes sociais, como o inventor das vacinas de RNA mensageiro (mRNA) e da transferência de mRNA – informação que não corresponde inteiramente à verdade. Malone foi, de facto, um dos cientistas que trabalharam nas vacinas de mRNA nos anos 80, mas não é responsável pela sua criação.

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Através de uma simples pesquisa no site da Pfizer na lista de diretores, executivos e cientistas da farmacêutica, não é possível encontrar ninguém com o nome “Jordon Thrishton Walker”, o alegado diretor que protagoniza o vídeo. O cargo que supostamente ocupa também não é referido no site da Pfizer. Uma pesquisa no Google por “Jordon Thrishton Walker” não permite, igualmente, confirmar o nome e cargo deste homem, uma vez que não se obtêm quaisquer resultados relacionados com a indústria farmacêutica, com exceção para os que fazem referência ao vídeo do “Project Veritas”. Da mesma forma, não encontramos ninguém com este nome no LinkedIn.

O vídeo em questão é também bastante editado, não passando, a certa altura, de uma compilação de excertos que foram colados. Ou seja, sem a gravação original não é possível perceber se as declarações do alegado diretor da Pfizer foram tiradas de contexto. No que diz respeito às mutações, em particular, nem sequer percebemos, nesta entrevista, que experiências concretas estão a ser conduzidas pela empresa, nem se o alegado diretor está a falar de planos reais ou apenas de uma discussão hipotética.

A farmacêutica já reagiu a estas alegações num comunicado no site oficial onde nega ter conduzido pesquisas recorrendo a técnica de “ganho de função” ou a “evolução direcionada”. A Pfizer esclarece também que foram realizadas “pesquisas em que o vírus SARS-CoV-2 original foi usado para expressar a proteína spike de novas variantes preocupantes”, um trabalho que, acrescenta a empresa, “é realizado quando uma nova variante de preocupação é identificada pelas autoridades de saúde pública.” É uma forma de, conclui a Pfizer, “avaliar rapidamente a capacidade de uma vacina existente induzir anticorpos que neutralizem uma nova variante que cause preocupação”.

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Conclusão

O vídeo que serve de base a esta publicação é fortemente editado e não permite concluir em que contexto estão a ser feitas as declarações do alegado representante da Pfizer, nem a que experiências em concreto se está a referir. Não é também possível confirmar que Jordon Thrishton Walker seja, efetivamente, um funcionário da farmacêutica, nem se as afirmações que fez são verdadeiras. O grupo responsável pela partilha (“Project Veritas”) é, igualmente, de confiança duvidosa, uma vez que tem um vasto historial na partilha de notícias falsas, em particular sobre a vacinação contra a Covid-19. A própria Pfizer veio, também, negar que esteja a recorrer ao método ganho de função para descobrir novas variantes do coronavírus.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

FALSO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook

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