Circulam nas redes sociais várias publicações que alegam, sem qualquer prova, que os três primeiros bebés que nasceram em Portugal em 2024 são de nacionalidade brasileira, paquistanesa e senegalesa.

“O primeiro bebé do ano português nasceu na Suíça, o segundo na França e o terceiro na Alemanha. Dos nascidos em Portugal, o primeiro é brasileiro, o segundo paquistanês e o terceiro é senegalês”, lê-se em diversas publicações que começaram a circular no Facebook no início deste ano e que já motivaram dezenas de comentários e centenas de partilhas.

Nas várias versões da publicação vistas pelo Observador, abundam também múltiplos comentários em que, dando como certas aquelas informações, são tecidas considerações de índole discriminatório ou xenófobo.

Mas serão estes dados corretos?

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A primeira parte da publicação é de mais difícil verificação: Suíça, França e Alemanha contam-se entre os países onde vivem grandes comunidades de emigrantes portugueses, pelo que o nascimento de bebés portugueses naqueles países é frequente.

Contudo, essa afirmação é, ainda que indiretamente, desmentida pelas mesmas informações que permitem desmontar categoricamente a segunda frase da publicação.

Todos os anos, no primeiro dia do ano, os vários hospitais do país apressam-se a anunciar à comunicação social os detalhes do primeiro nascimento ocorrido em cada unidade de saúde, o que motiva uma verdadeira corrida ao já célebre “bebé do ano”. Este ano não foi exceção: Porto, Viseu, Lisboa, Guimarães, Viana do Castelo, Vila Franca de Xira e até uma ambulância na A23 foram o palco dos primeiros nascimentos do país, de acordo com as informações prestadas por diferentes unidades de saúde, que tiveram eco nos media nacionais e regionais.

Pelas informações disponíveis até ao momento, o campeão terá mesmo sido Lucas, um bebé que nasceu exatamente às 00h00 do dia 1 de janeiro, no primeiro minuto do ano, no Centro Materno-Infantil do Norte, no Porto.

Uma reportagem do Porto Canal emitida no dia 1 de janeiro — que inclui entrevistas à mãe do bebé, Sandra Silva, e às profissionais de saúde envolvidas no parto — mostra inclusivamente o documento que regista o nascimento de Lucas. Nesse documento, lê-se que Lucas nasceu às 00h00, com 3,420 quilos e 49,5 centímetros de comprimento.

Lucas é o filho de Sandra Silva, 20 anos, e Rui Nogueira, 24 anos, ambos portugueses e residentes no concelho de Gondomar. A mãe contou ao Jornal de Notícias que havia a expectativa de que o bebé nascesse ainda no dia 31 de dezembro. Sandra Silva, que esteve 12 horas em trabalho de parto, acabou por ter a “surpresa incrível” de o seu filho nascer “à meia-noite em ponto”.

Mas Lucas não está sozinho na disputa pelo título de bebé do ano. No Hospital de Viseu, passavam apenas 15 segundos desde a 00h00 quando nasceu Lara, filha dos também portugueses Pedro Valentim, 32 anos, e Sílvia Figueiredo, 35 anos, naturais de São Romão, no concelho de Seia. É possível ler os detalhes do nascimento de Lara, por exemplo, no Jornal do Centro e no Diário de Viseu. A família contou também a sua história no programa Casa Feliz, da SIC.

E ainda há mais histórias. O Hospital de Guimarães deu conta do nascimento de Martim perto das 2h00 da manhã do dia 1 de janeiro; em Vila Real, o primeiro bebé foi Lara, já pelas 7h00 da manhã; no Hospital Amadora-Sintra, Paulo Miguel nasceu pelas 00h30; e em Viana do Castelo foi preciso esperar até pouco depois das 10h00 para o nascimento do também português Afonso.

Isto significa que todos os “bebés do ano” são portugueses? Não. Em Lisboa, o primeiro bebé do ano foi Ellie, filha de mãe brasileira e pai luso-canadiano, que nasceu pelas 00h04 na Maternidade Alfredo da Costa; no hospital de Vila Franca de Xira, o primeiro bebé a nascer no novo ano foi Jason Tamang, filho de uma imigrante nepalesa que reside há nove anos em Samora Correia, no concelho de Benavente.

Assim se percebe que a frase que consta da publicação não é verdadeira: só no primeiro minuto da primeira hora de 1 de janeiro de 2024 há registo do nascimento de dois bebés portugueses (Lucas no Porto e Lara em Viseu). Tirando a bebé nascida na Maternidade Alfredo da Costa, cuja mãe é brasileira, não há qualquer notícia de que um dos “bebés do ano” em Portugal seja de nacionalidade paquistanesa ou senegalesa.

A referência a um bebé paquistanês pode, ainda assim, ter origem em notícias do ano passado: em 2023, o primeiro bebé do ano foi Aariz, que nasceu no Hospital Amadora-Sintra filho dos imigrantes paquistaneses Naveera Butt e Kashiff Butt.

Bebé do ano nasceu 44 segundos depois da meia-noite na Amadora. Chama-se Aariz e é filho de pais paquistaneses

No ano passado, deu-se a coincidência de entre os primeiros bebés do ano se terem contado crianças de nacionalidade paquistanesa, nepalesa e brasileira, o que foi amplamente divulgado pela comunicação social. Em 2021, 14% dos bebés nascidos em Portugal eram filhos de mãe estrangeira; em 2022, essa percentagem subiu ligeiramente para 16,7%.

Conclusão

A publicação não aponta qualquer fonte para a informação que apresenta — e está a servir, essencialmente, para agregar comentários de cariz xenófobo relativamente ao fenómeno da imigração em Portugal. Na verdade, com base na informação tornada pública pelas famílias e pelos próprios hospitais portugueses (como, aliás, acontece todos os anos), os primeiros bebés a nascer em Portugal este ano foram portugueses: há até a disputa entre Lucas e Lara, ambos nascidos às 00h00, o primeiro no Porto e a segunda em Viseu, para se saber quem foi efetivamente o primeiro do ano. Há também registos de uma bebé com mãe brasileira e pai luso-canadiano e de um bebé nascido de imigrantes nepaleses em Vila Franca de Xira, mas não existe qualquer referência a bebés de nacionalidade senegalesa ou paquistanesa entre os que nasceram nos primeiros minutos do ano de 2024.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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