O utilizador que fez esta partilha provavelmente não leu a notícia que incluiu no post. Se o tivesse feito, teria chegado ao excerto em que se explica que “Feitosa fazia parte do grupo de controle dos testes da vacina — aquele que recebe o placebo, e não o imunizante”. Isto significa que o voluntário que morreu não foi vacinado com o fármaco, como sugere a publicação no Facebook e outras semelhantes que circulam na rede social.

É verdade que João Pedro Feitosa, um médico brasileiro de 28 anos, morreu a 15 de outubro. Também é verdade que estava infetado e não resistiu a complicações da Covid-19. De acordo com um comunicado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde o profissional de saúde estudou, ele estava “na linha da frente no combate ao coronavírus nas redes privada e municipal de saúde do Rio de Janeiro”. Era, igualmente, um dos voluntários nos testes daquela que é conhecida como a vacina de Oxford, desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca, mas a confusão que se instalou online e que atribui a sua morte ao envolvimento nos ensaios clínicos não corresponde à realidade.

João Pedro Feitosa não poderia ter sido infetado através da vacina. O fármaco de Oxford tem a tecnologia de vetores virais recombinantes. Em laboratório, o adenovírus é geneticamente modificado para conter proteínas do novo coronavírus. São enfraquecidas e, por isso, incapazes de infetar alguém no momento em que a vacina é administrada. O objetivo é que, através destas proteínas, o organismo se torne imune.

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Quando o médico morreu, os testes ficaram em pausa até que o Comité Internacional de Avaliação de Segurança — composto por investigadores independentes que não estão ligados aos ensaios clínicos — avaliasse o que tinha acontecido. Localmente, também a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tomou conta do caso a partir de 19 de outubro, quando foi informada. Até aí, nenhuma das entidades envolvidas nos testes detinha todos os dados para saber se Feitosa tinha recebido a vacina ou o placebo (substância sem efeitos farmacológicos distribuída a metade dos voluntários). A medida faz parte de um protocolo de confidencialidade pensado para que não haja qualquer fator externo que possa colocar em causa a fiabilidade dos resultados.

No entanto, dias depois, uma fonte ligada ao processo garantiu à publicação “Bloomberg” que o brasileiro não tinha recebido o imunizante — ou seja, quando foi infetado com Covid-19, não estava protegido pela vacina. A AstraZenaca não quis confirmar a informação por obedecer “estritamente à confidencialidade médica e às regulamentações relativas a estudos clínicos”, clarificou em comunicado.

João Pedro Feitosa fazia parte de um grupo de dez mil voluntários no Brasil dispostos a testar a vacina de Oxford. Até agora, mais de oito mil pessoas já receberam as respetivas doses, tanto o placebo como o imunizante — o grupo total de voluntários é separado aleatoriamente em dois grupos para que, no final, se possam calcular as percentagens de eficácia. Entretanto, os testes foram retomados e as notícias mais recentes, desta segunda-feira, 26 de outubro, dão conta de que foi detetada uma “resposta imune em adultos mais velhos e mais novos”. Um dos investigadores responsáveis, Adrian Hill, garantiu até que a vacina será aprovada “até ao Natal”.

Conclusão

O médico brasileiro que morreu recentemente era um dos voluntários da vacina de Oxford mas terá recebido o placebo e não a vacina experimental. Não estava, por isso, protegido contra a Covid-19. Trabalhava na linha da frente do combate à pandemia e acabou por ser infetado. Não resistiu às complicações causadas pelo vírus. Mesmo que tivesse recebido o imunizante, nunca poderia ter morrido por causa disso — na vacina de Oxford o adenovírus é geneticamente modificado e as suas proteínas enfraquecidas, não tendo carga viral para infetar.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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