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Não há quem, em Espanha, desconheça por esta altura o significado da expressão DANA. Tem sido descrito como o pior fenómeno meteorológico do século no país, provocou pelo menos 215 mortos confirmados e um número ainda desconhecido de desaparecidos, que lançou famílias numa busca em contrarrelógio. “Espero que [a tia] morta, pelo menos, apareça. Viva não tenho esperança”, admitiu uma mulher do município de Sevadí, na região de Valência, a mais afetada pelas chuvas torrenciais e cheias que se seguiram, à equipa de enviados especiais do Observador. |
O fenómeno que na semana passada deixou um rasto de destruição em Valência e em regiões como Castilla-La Mancha ou Andaluzia é conhecido pelos espanhóis como Depresión Aislada en Niveles Altos (em tradução livre, Depressão Isolada em Níveis Altos). Por cá, gota fria é a expressão mais usada. Acontece quando uma bolsa de ar frio se separa de uma massa polar nas camadas superiores da atmosfera. A partir daí, e ao entrar em contacto com massas de ar quente, segue o seu próprio caminho, muitas vezes errático e difícil de prever, provocando chuvas torrenciais e ventos muito fortes. |
O que se passou em Espanha foi uma “situação extrema”, sublinharam vários climatologistas ao Observador. Em várias regiões choveu mais em 24 horas do que num ano inteiro — no município de Chiva (Valência) foram 491 litros por metro quadrado (mm) em oito horas. Alguns fatores potenciaram o efeito mais devastador da tempestade: a estacionariedade, a depressão foi muitíssimo lenta e a precipitação acumulou-se em certos locais; o choque da massa de ar frio com as temperaturas quentes do Mar Mediterrâneo, que estão um pouco acima da média para esta época do ano; e a humidade elevada. |
Os cientistas acreditam que, com as alterações climáticas, fenómenos extremos como este vão ser mais comuns. Intensificaram os piores eventos extremos dos últimos 20 anos e contribuíram para a morte de 350 mil pessoas, segundo uma análise da organização World Weather Attribution. Mas terá a DANA sido uma consequência das mudanças introduzidas pelo Homem no ambiente? Sim e não, responde o climatologista Carlos da Câmara. “Se atirar um dado viciado para dar o seis e o número sair não vou dizer que é só porque está viciado. Mas se o uso, a probabilidade de acontecer será maior”, disse. Com as mudanças climáticas, que levam ao aquecimento de oceanos e mares, como o Mediterrâneo, não é muito diferente. “É viciar os dados quando comparamos com a situação há 50 anos.” |
A DANA, que não é um fenómeno raro na Península Ibérica, também chegou a Portugal (deixou vários distritos a amarelo e o Algarve a laranja), ainda que muito mais enfraquecido. Não é, por isso, de excluir que uma situação como a que se passou em Espanha possa ocorrer em território português, alertam os especialistas. As zonas mais propícias são junto às costas, visto que as massas de água quente são uma fonte de energia que alimenta estas depressões. |
Como Espanha, Portugal não está preparado para lidar com uma situação extrema como a que se verificou, reconhecem especialistas. Na capital, por exemplo, se chover 50 mm durante uma hora — que dará lugar a alerta vermelho, o mais elevado da escala da Proteção Civil — estão garantidas inundações em zonas como a Baixa, Paço de Arcos ou Algés. “O nosso sistema de escoamento das ruas não permite escoar tão rapidamente numa hora”, destacou o climatologista Pedro Miranda. |
As mudanças estruturais são descritas como um passo importante para lidar com episódios de chuvas intensas e cheias. Cidades como Lisboa ou Porto já estão a construir sistemas de drenagem, mas mesmo essas enfrentariam dificuldades perante situações tão extremas como a de Espanha. O engenheiro Mineiro Aires, que acompanha a construção dos túneis de drenagem na capital, traçou uma comparação com os sismos: “Se tivermos um abalo de violência e com uma conjugação de esforços absolutamente excecional, é muito difícil que mesmo as estruturas anti-sísmicas resistam.” |
Por esta altura, Espanha continua a lidar com as consequências da DANA, que deixou milhares de pessoas sem água, luz ou rede de telecomunicações. Perante o desespero, houve mesmo quem tivesse feito o que não acreditava ser possível. “Nunca pensei entrar num supermercado e roubar”, admitiu uma residente de Paiporta aos jornalistas Joana Moreira e João Porfírio, descrevendo a situação que se vive por estes dias no país como o “apocalipse.” |
Os residentes das zonas afetadas têm posto mãos à obra para limpar casas e ruas. Foram muitos os voluntários que, vindos de outras zonas do país, caminharam horas para ajudar e compensar o que descrevem como inação das autoridades. A revolta é grande contra os governos regionais e central, como de resto foi visível na receção aos reis de Espanha e ao chefe de governo: com insultos da população, que atirou pedras e lama. Para ajudar na recuperação, o executivo espanhol aprovou já esta semana em Conselho de Ministros um “importante primeiro pacote de medidas” de 10,6 mil milhões de euros. |
Como o poluente setor da saúde pode ajudar o ambiente |
Do clima passamos à sustentabilidade, um tema que tem merecido crescente atenção e que choca muitas vezes a atividade de áreas como a aviação, a moda ou a agricultura intensiva, alguns dos setores que são apontados como os mais poluentes em todo o mundo. A saúde, porém, é um outro setor que não sai incólume, como destacou o presidente do Conselho Português de Saúde e Ambiente — uma aliança criada em 2022 e que conta com 90 organizações associadas. |
Em entrevista ao jornalista da secção de Sociedade Tiago Caeiro, Luís Campos, também médico nos hospitais da rede CUF, sublinhou que o problema vai muito além da poluição, que se estima que provoca nove milhões de mortes prematuras por ano. Passa também pela degradação dos ecossistemas, o esgotamento dos recursos naturais, a perda de biodiversidade ou a sobrepopulação. “Todas estas determinantes serão um desafio para a saúde das populações nas próximas décadas e também agora”, alertou. |
O impacto vê-se numa panóplias de doenças: das cardio e cérebro vasculares às respiratórias crónicas ou mentais, do cancro às alergias ou às doenças e infeções transmissíveis de animais para humanos (zoonoses) — como a que provocou a pandemia de Covid-19. Todas estas patologias, sublinhou Luís Campos, serão “impactadas pelas alterações ambientais e vão ter um efeito na longevidade a médio/longo prazo.” |
O setor da saúde, que produz 4,4% emissões globais de gases com efeito de estufa — em Portugal, a percentagem chega aos 4,8% —, tem um longo caminho pela frente. E não passa pela plantação de árvores, diz o médico: seriam precisos mais de 160 milhões só no país para captar o dióxido de carbono que o setor da saúde lança para a atmosfera num ano. Para mitigar as consequências do setor da saúde sobre o Ambiente, Luís Campos sugere soluções como reutilizar cateteres, reduzir exames de imagem e substituir inaladores e gases. |