O artigo de Pedro Abreu (2021), de 02/09/2021, no Público, sobre a forma como a desinformação científica é (re)tratada nos meios de comunicação social revela-se deveras importante para discutir a distinção, que se pretende esclarecida, entre liberdade de opinião e de expressão e informações incorretas ou injuriadoras. A este junto também o texto de Valentina Guedes (2021), de 03/09/2021, na mesma fonte, no qual é abordado o desrespeito para com os jornalistas e o jornalismo perante a velocidade e o rigor com que têm de trabalhar. Tudo isto para falar de um conceito que tem sido abordado pela sociologia e por outras áreas relacionadas com os processos de comunicação: a pós-verdade.

Em todas as eras da existência humana, a disputa pelo argumento mais fundamentado, verídico ou persuasivo tem sido assídua e é a partir de um conflito entre ideias que, entre outras, a ciência, como instituição social, avança. Foi assim com Sócrates, com Descartes ou com Karl Popper e Thomas Kuhn. No entanto, é nas últimas décadas, e sobretudo no presente século, que assistimos a uma intromissão emocional nos factos que são estudados e divulgados com escrutínio. O termo pós-verdade, que é relativamente recente, pode ser definido como uma atitude de conferir maior relevância a sentimentos e a crenças pessoais frequentemente numa tentativa de ofuscar e/ou demonizar o conhecimento produzido cientificamente. Ou seja, como afirma João Miguel Tavares (2020) em Saber ver aquilo que está à frente do nosso nariz, “com tanta informação disponível e contraditória, nós pegamos no que nos dá mais jeito e chamamos a isso realidade”.

Mas quais as razões que possibilitam a criação de uma relação entre a ascensão da pós-verdade e a desvalorização do jornalismo e da ciência? Ora, a meu ver, isto está relacionado, por um lado, com a proletarização dos jornalistas, portanto, com a depauperação das suas condições de trabalho em que, como já referido, múltiplas tarefas têm de ser cumpridas a um ritmo acelerado. Por outro lado, existe também uma espécie de submissão progressiva do campo jornalístico à lógica de funcionamento das redes sociais digitais que é fomentada pela sociedade civil. Nestas redes pode dizer-se tudo e escrever ofensas ad hominem constantemente, o que, de forma clara, não gera um debate democrático, mas antes uma tendência para a tribalização e para a anarquia.

É essencial que as mensagens jornalísticas, sustentadas em elementos de prova e em dados de investigação científica, pugnem contra a acrisia. Contudo, não são só os profissionais que as elaboram que necessitam de assumir o seu papel. Tem de existir uma literacia educativo-digital que também abranja cidadãos e políticas/os num trabalho que, obrigando a desafios, traga consigo um projeto de verdade minimamente fiável e alcançável. Porque não podemos ser o “sal que não salga” nem “a terra que não se deixa salgar”, nas palavras de Padre António Vieira (s/d.). Há uma multidimensionalidade social de que devemos estar cientes e que nos exige um olhar situado, mas atento à complexidade.

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