No passado dia 18 de abril, véspera da comemoração dos 50 anos de fundação do Partido Socialista, António Costa, em modo de entrevista à CNN Portugal, promoveu uma visita guiada sobre a sua “vida” no PS.

Prestou uma dignificante homenagem à memória do Pai, assumido “comunista radical”, com quem começou a aprender “a ser pessoa” e de quem diz se diferenciar pelo radicalismo ideológico.

Discorreu sobre a vida, disse que entrou para Juventude Socialista aos 14 anos e assume-se como “político profissional […] somos todos”, não sem ironicamente salientar a excepção de “Cavaco Silva que não se considerava como um profissional quando, de facto, foi o maior de todos”.

É esta perspectiva de António Costa que tomo como mote para lembrar ao Senhor Primeiro-Ministro que as essências das duas verdades da sua afirmação são distintas e se contradizem na ilação final.

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A primeira é sobre as diferenças entre “ser” e “estar” e a essência do modo como se repercutem nas perspectivas, atitudes e comportamentos do exercício profissional.

Profissional é alguém que exerce, ou se relaciona, com uma profissão, que faz uma coisa por ofício.

E, por linear elementaridade de conhecimento, sabemos que o verbo “ser” dá o sentido “de existência e características” enquanto “estar” manifestando lugar e tempo, define o “estado” e delimita momentos da acção de uma pessoa, ou coisa.

Depois da formação académica básica, para que qualquer “profissional de ofício” possa exercer a sua profissão, independentemente da diferenciação, tem de estar credenciado através de um processo, sempre longo, que comprova competência no ofício.

Os profissionais dos ofícios forjam-se no mundo do trabalho e na sociedade civil, têm vida prática, técnica, académica ou científica e, por nelas trabalharem por dentro, conhecem a realidade da alma mater da profissão e das sociedades.

A competência destes “profissionais dos ofícios” mede-se pela comprovação do mérito que lhes é reconhecido pelos pares, perante evidências e resultados concretos e palpáveis tanto nas obras e nas fábricas, como nos hospitais, escolas, empresas ou academias.

Quando esses profissionais assumem cargos públicos, é porque querem estar na política.

O “profissional da política”, depois de elementar formação académica e formatação nas “jotas”, não carece de qualquer credenciação “oficinal” para o exercício da carreira, pela simples razão de saber que não têm ofício.

E quando, porventura, é sugerido que, para melhorar a qualidade, deveriam ser criadas escolas específicas, como aconteceu com a sugerida “Escola de Autarcas”, a resposta foi imediata porque “os eleitos não precisam de ir para uma escola de formação”, fim de citação.

É por isso que o mérito dos profissionais da política é medido menos por conhecimentos resultantes de estudos e dissertações expressas em teses de mestrado e doutoramento, com inquestionável enriquecimento humano e valor académico, mas sem outra qualidade antes de comprovadas na prática, e mais pelo número de votos obtidos, independentemente da qualidade metodológica “da caça” e verdades utilizadas.

A segunda é sobre a qualificação do profissionalismo de ambas as personalidades referenciadas, em que a resposta, mais que um rotundo sim, é de que o são nos mais elevados patamares de análise.

Mas, são profissionais idênticos? A resposta é claramente, não!

Para melhor fundamentação do meu pensamento recorro à similitude de Lisboa com Bruxelas, no que às cúpulas do poder diz respeito.

Lá, vemos Charles Michel que, com a política no sangue herdada do pai, aos 24 anos e logo após concluir a licenciatura em Direito, foi eleito para o Parlamento Federal Belga em 1999. Um ano mais tarde passou a assumir funções no Governo, passou por várias pastas, foi Presidente da Câmara de Wavre e Primeiro-Ministro do País em 2014. Em 2019 foi eleito para a Presidência do Conselho Europeu. Extraordinário exemplo de um estrondoso percurso de sucesso de um brilhante carreirista da política.

Ao invés, Úrsula van der Leyen licenciou-se em Medicina, ganhou mundo nos EUA e UK e é mãe de 7 filhos. Aos 45 anos, com uma preenchida carreira hospitalar e académica em Ginecologia, sentindo-se atraída por um novo trabalho, “princípio querido aos alemães”, mudou de ofício, deixou-se tentar pela política e, depois de eleita em março de 2003 para o Parlamento Estadual de Baixa Saxônia, iniciou uma Carreira que a trouxe até à presidência da Comissão Europeia.

Conclusão óbvia da minha parte é que, sendo ambos profissionais, Charles Michel é profissional da política, objectivamente sem ofício, e Ursula van der Leyen, depois de uma sólida carreira como médica, está agora a exercer um cargo profissional na política.

Porquê o recurso a esta analogia?

Porque, com as mesmas regras de jogo, em Bruxelas como em Lisboa, o riso larvar com que Charles Michel, a cobro de eventuais protocolos diplomáticos, não se inibe de assumir atitudes indignas face aos mais elementares patamares de educação e de descortesia político-social, é exemplo, por excelência, da diferença entre “ser político”, com o lastro da qualidade do profissional com que, educada e responsavelmente, Ursula van der Leyen “está na política”.

Senhor Primeiro-Ministro, aqui tem, au grand complet, o cenário que mostra como em Lisboa nada vemos de diferente quando olhamos para Bruxelas.

Naquela sua visita guiada, António Costa mostrou que a sua trajectória de vida e carreira política são decalque das de Charles Michel, deixando-me perceber a ilação do porquê dos próximos e tão ambicionados desafios!

Independentemente da inteligência, capacidade de trabalho e resiliência por demais comprovadas, e o brilhante profissional da política que é, o Primeiro-Ministro português não têm, comprovadamente, vida fora da política e nesta, por opção, inação, ausência de coragem ou incapacidade para perceber a necessidade de empreender as profundas reformas estructurantes que o País exige, mantém o seu foco de intervenção longe dos grandes temas nacionais, justificando-se a pergunta que, repetitivamente, me surge.

O que guardará a sociedade civil e o País do consulado de António Costa?

A propósito de Cavaco Silva, que cito apenas pela referida tirada de António Costa, direi que é um professor catedrático credenciado, com obra académica respeitada e a gravitas académico-política intacta, comprovada pelo eco estrondoso com que o PS continua a reagir a qualquer das suas intervenções e que, independentemente da valoração com que cada português o adjective, deixou obra e um enorme legado público.

É nisto que reside a verdade do engano de António Costa em relação a Aníbal Cavaco Silva.

É a experiência adquirida no exercício prático da vida que dá corpo e substância profissional que, com a associação cumulativa de talento, valores, integridade, dedicação, empenho, foco e experiência com que individualmente se qualificam, permite perceber que fazer política é defender os interesses das pessoas e do País e, não, à outrance, os do clientelismo partidário.

Senhor Primeiro-Ministro, como lhe pretendi mostrar nesta breve catequese, sendo inequívocas as condições e o modo como invoca a qualificação “profissional”, o Senhor está errado porque, com tão díspares credenciações e trabalho concretizado em “obra feita”, não pode pretender confundir pelo up to the job, actores com tão diferenciadas provas de “ser da” e “estar na” vida política.

É verdade que os resultados dão poder, só que os de uns medem-se pelo “produto que acrescenta valor” e os dos outros pelos “votos que dão força”.

Para os menos atentos à diferença substantiva do “ser” e do “estar” na essência conceptual de “profissional na política”, lembro o antigo e trágico episódio da “estrada de Borba”.

Recordarão que, em 2018, apesar dos sérios e repetidos avisos de risco em que se encontrava há anos, uma estrada de acesso a Borba acabou por desabar, provocando mortes.

No local e em plena demonstração da sua elevada condição de profissional da política, o Primeiro-Ministro, depois de circunstanciada análise do problema, afirmou “não reconhecer a evidência de culpas do Estado”.

Porém, ao Presidente da República, profissional que está na política, não foi alheia a essência do problema e corrigindo, disse que “uma coisa é o que se chama no Direito uma responsabilidade objetiva, que existe independentemente da outra, que é a responsabilidade subjetiva e que é, em concreto, a das instituições ou pessoas que podem ser responsabilizadas pelo que aconteceu”.

Em mais uma das suas aulas a António Costa, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa concluiu que “há uma responsabilidade subjetiva e uma responsabilidade objetiva […] não há dúvidas que o Estado falhou”.

Por fim, e ainda a este propósito, não posso deixar de ressalvar a verdade com que António Costa, espontaneamente apesar da ironia, acabava de reconhecer que, de facto, “Cavaco Silva que não se considerava como um profissional foi, de facto, o maior de todos”, fim de citação.

Senhor Primeiro-Ministro, sabe que o Professor Abel Salazar dizia que “o médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe?”

Por prática e dever de ofício, devo chamar a sua atenção para a profundidade do eco desta verdade médica na política portuguesa e, para a diferença do “ser e estar” que agora relevo, peço-lhe que faça uma simplista análise comparativa entre o “mundo e experiência de vida” das personalidades que, desde há 49 anos, têm vindo a integrar os sucessivos Governos de Portugal.

Basta esta simples análise para que se perceba o “porquê” do estado em que está o País.

Atrevo-me a recordar a António Costa que Bernard Shaw, com a verdade que os tempos comprovam, disse que “os que sabem fazem, os que não sabem ensinam e os que não sabem ensinar, ensinam como se ensina” e peço-lhe que nos demonstre que não era a si que, premonitoriamente, Fernando Pessoa, também, se referia quando disse que “lideres fracos fazem fracas fortes gentes”.

Antes que a ruína das instituições seja irrecuperável, olhe em redor, ouça quem tem de ouvir, esqueça doutrinas cegas e deslocadas da espuma destes tempos e a dependência “amiguista” do Partido Socialista para, sendo profissional da política, não esquecendo a ambição, rigor, exigência e modernos modelos de desenvolvimento trabalhar numa lógica de desenvolvimento nacional dizendo, se necessário for “que se lixem as eleições”, porque se a convicção for evidente, a sua razão será percebida e, como sabe por experiência vivida, acabará a ganhar essas mesmas eleições.

Claro que só o conseguirá se tiver a humildade de reconhecer, capacidade de perceber e determinação, engenho e arte bastantes para fazer!