Depois desta época festiva, numa noite muito atormentada, tive um sonho que me amenizou os pesadelos.

O sonho foi que a era do politicamente correcto tinha dado lugar à do compromisso em que os Partidos Políticos passaram a esclarecer os portugueses com a verdade clara, simples e comprometida, dos seus programas e do modo como se propõem concretizar, no tempo e no modo, as suas propostas.

O sonho terminou ao som dos passos pesados, sentidos e ritmados dos companheiros de Zeca Afonso a cantar que “o povo é quem mais ordena” pelo que, sem qualquer filiação partidária, no dia 10 de março de 2024 fui votar, informado e esclarecido, a saber bem a quem ia “ordenar” que governe para “levantar de novo” Portugal.

Acordei a sorrir com a esperança do sonho, mas, já bem acordado, vi o diabo!

Apesar de terem garantido que não voltaria, ali estava ele bem vivo à minha frente para, enquanto me espicaçava com as habituais traquinices, me mostrar a realidade em que Portugal se encontra.

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Ria-se com os inúmeros “casos e casinhos”, disse-me que, apesar das 36 perguntas que tinha feito para um questionário, 14 governantes tinham sido despedidos e mostrou-me a realidade concreta e objectiva do descalabro do País em domínios fulcrais para a Sociedade como são os da saúde, educação, justiça, economia, habitação, ambiente, cultura e segurança, entre tantos outros. Disse-lhe, também a sorrir, já estar farto de chavões do politicamente correcto, mas ele, muito sério, apontou-me 3 exemplos que me travaram o sorriso, por mais irónico que fosse.

Essas três questões, a par da habitação, têm vindo a ocupar uma imensidão de tempos de antena, tanto das clássicas como das modernas redes que, mais que sobre a essência, têm espadeirado com a espuma dos problemas que mais têm bloqueado o desenvolvimento sustentado do País.

Vejamos:

1 – Aeroporto
Tema que desde há 50 anos tem vindo a ser postergado é agora muito falado acerca de centralidade, HUB e mobilidade.

Vemos que o parecer técnico-científico da Comissão Técnica Independente é claro sendo que, ao esquecer a dimensão académica não encontro a indispensável integração da realidade com a evolução tecnológica, não justifica a necessidade de construir em Lisboa uma estructura aeroportuária maior que Charles de Gaulle e Heathrow e que duplica Barajas. Concretizo.

Atendendo a que:

  • O mundo é hoje confrontado com “o colapso climático que começou e estamos a viver, em tempo real, com um impacto devastador que, se agirmos agora, é possível evitar o colapso e o incêndio do planeta”, afirmou o incansável Secretário-Geral da ONU na COP 28 [António Guterres. Cimeira Mundial de Acção Climática: COP 28. Novembro-Dezembro, 2023].
  • Em 2003, Portugal e Espanha acordaram na construção de uma Rede ferroviária para comboios de Alta Velocidade com quatro linhas [Cimeira Luso-Espanhola da Figueira da Foz. Novembro de 2003]. Nestes 20 anos Portugal fez “zero” e a Espanha tornou-se no País europeu com a mais extensa rede ferroviária de AVE!
  • A Comissária Europeia dos Transportes, disse no dia 4 de setembro de 2021, em audição parlamentar com deputados portugueses e num encontro bilateral com o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que “até 2030, as viagens até 500 quilómetros têm que ser neutras em carbono” tendo Adina Vălean acrescentado que a Comissão Europeia está a preparar um plano de acção para comboios de alta velocidade com o objectivo de “reduzir as emissões de dióxido de carbono em 55% até 2030, pelo que não serão permitidos voos inferiores a 600km”.
  • Nunca ouvi uma perspectiva política preocupada com a global integração de Portugal na rede de alto rendimento em mobilidade europeia. Pergunto-me porque ninguém fala – será que (não)pensam – que, depois de Portugal se ter esquecido de Sines e Beja, estas determinações da CE implicam a fulcral harmonização do Novo Aeroporto de Lisboa com a ferrovia de alta velocidade interna e sobretudo europeia?

A minha esperança é que haja razoabilidade, vontade e competência política para fazer, porque, além de todos os hubs possíveis, o Aeroporto, seja lá onde e como for, só será útil e rentável se estiver conectado à ferrovia de alta velocidade europeia, e que essa decisão é política?

2 – Saúde.  Que o SNS está numa situação ruinosa com repetidos períodos de catástrofe, é uma informação diária de todos os meios de Comunicação Social.

Recordo que, de acordo com dados oficiais do Governo, os problemas têm-se vindo a agravar, dramaticamente desde 2015, comprovado pelas Listas de Espera, consultas e cirurgias oncológicas, realizadas fora dos prazos legais -TMR- e números de pessoas sem Médico de Família, não explicáveis apenas pela Pandemia Covid-19 [Relatórios de Acesso ao SNS e Relatórios do Conselho de Finanças Públicas de 2022 e 2023 ; Portal da Transparência], com a DGS a dizer que “nas duas últimas semanas de 2023 morreram mais 1048 pessoas acima do expectável”.

Entre as vozes a justificar razões estruturantes para que assim aconteça, a mais ouvida é a que diz que são os Privados que estão a destruir o SNS. Evidentemente falso, é politicamente útil e conveniente dizer para, enganando os incautos, esconder que as primeiras e principais razões para a saída dos profissionais de saúde são as indecorosas condições em que se trabalha e é tratado nos Hospitais do SNS!

Parece que os vencimentos já deixaram de interessar à demagogia política por se ter percebido que nenhum trabalhador atiraria a primeira pedra a outro que se respeite e por se querer ver dignificado, humana e profissionalmente, perca a oportunidade de trabalhar em melhores condições e mais adequado vencimento.

Como, por diversas ocasiões, já utilizei esta coluna para expressar a minha opinião a este propósito, apenas repetirei que os Privados não fazem mais que ajudar a acudir à intolerável negligência com que Estado e Governo estão a malbaratar o SNS.

A comunicação social, clássica ou moderna, poderá estar a influenciar “a vista de determinados pontos”, reclamando que os doentes “vejam” rapidamente um médico ou um enfermeiro; mas que não se ignore que as ignóbeis condições de trabalho, volume e ambiente, favorecem o esgotamento e a fragilização, de pessoas e equipamentos, aumentando muito esperas, riscos e probabilidades de erro e desmotivações que são a triste, lamentável e iniludível realidade dos factos e não meros “pontos de vista”.

Mau grado o maior orçamento da Saúde, será possível encontrar outra razão para o caos do SNS, de que as Urgências não são mais a ponta flamejante do iceberg que há muito perdeu sustentação, além da incompetente capacidade dos Governos?

3 – Educação 

A situação geral do País é bem conhecida. A Fenprof que diz que “cerca de 32.000 alunos não tinham professores para todas as áreas lectivas no início de dezembro” e que “cerca de 2.000 alunos a não tinham tido aulas, em pelo menos uma disciplina, neste 1ª trimestre do ano lectivo 23/24”, que o ME corrige, dizendo que “é um ponto de vista” errado, porque na realidade “são apenas 1161, os alunos que estão nessa situação”! Todavia, a melhor prova do descalabro evolutivo em que se encontra o ensino em Portugal, são os resultados do PISA, que mostram a marcada queda da qualidade em relação a 2018, com uma redução de 20,6 pontos em matemática e de 15,2 pontos em leitura? [Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA – http://www.oecd.org/pisa/].

Impondo-se perguntar porquê, para que se possa perceber a situação.

Porque os professores universitários há muito tempo que estão cansados, frustrados e indisponíveis para, na expressão pública de alguém muito competente e respeitável neste domínio, continuar a dar aulas “a alunos mais ou menos analfabetos e totalmente desinteressados”. Porque se até ao final da década de 90, as turmas eram razoáveis em número com formação de base razoável apreciável, aplicados e muito motivados para aprender e alargar os seus conhecimentos, tornando-se bons e muito bons alunos, a partir dessa época a qualidade foi gradualmente  decrescendo, até que “os alunos muito bons se sumiram e os bons se reduziram a uma meia dúzia, para não exagerando, entre 2004 e 2006 só haver alunos medíocres e até muito maus” [Fátima Bonifácio. Facilitismos. Nascer do Sol.  29 de Dezembro 2023]. Porque com má qualidade no ensino universitário, como podemos esperar que haja boa qualidade no ensino básico e secundário? Mas, se os alunos chegam mal preparados às Universidades, quem pode esperar que possam sair “bons para ensinar bem nos ciclos anteriores?”

Quem não percebe que este ciclo de “pescadinha de rabo na boca” é um ciclo contínuo a caminhar para a mediocridade da Sociedade?

Que não se esqueça que a situação tem vindo a ser provocada pelas deliberadas políticas de irresponsável facilitismo que, atingem no ensino em Portugal o seu ápex, ao permitir que os alunos vão subindo graus sem avaliação.

Quem pretende ignorar, a verdade cientificamente comprovada pela vastíssima literatura internacional, que só exames permitem avaliar a qualidade do ensino, pelos professores, e de aprendizagem, pelos alunos?

Depois de todos estes sinais de alerta e já bem acordado fiquei a pensar se:

Será legítimo que Portugal, em vez de estar a criar uma Sociedade com jovens instruídos, cultos, motivados e competentes, esteja deliberada e continuadamente a fomentar uma sociedade de cidadãos cognitivamente inferiores?

Será possível aceitar que esta situação seja “valor certo e custo baixo”, para que o arrogante egocentrismo do poder político possa, em convenientes areópagos internacionais, “encher o peito” para dizer que “o abandono escolar em Portugal atingiu o mínimo histórico de 5,95 em 2021”?

 Será legítimo que continuemos a aceitar que este radical populismo infantil, continue a destruir uma geração da Sociedade portuguesa?

A pergunta que se impõe é a de saber se o Poder Político instalado pensa que quanto mais iletrada e desinformada for a Sociedade mais fácil será a sua condução?

É difícil acreditar que seja, mas lá que parece … parece!

Como a esperança foi a essência do meu sonho quero acreditar que haja alguém com peso político, que tenha o bom-senso para acabar com este claro e demagógico facilitismo e assumir definitivamente políticas com garantia de responsável accountability, dignidade exigente do trabalho, respeito e defesa social das pessoas e das famílias e, não menos importante, respeitadora do mérito.

Estou cansado – quantos portugueses não estão? – de afirmações gongóricas e ocas dos mesmos que dizem “agora vamos fazer”, perguntando-me, se são os mesmos, porque é que ainda não fizeram?

E esperança maior de que, até às Eleições legislativas, possa ter visto todas as forças políticas, Partidos e Líderes, a esforçarem-se para informar bem e esclarecer melhor os portugueses para que todos nós possamos votar, bem informados e esclarecidos, com a consciência plena sobre a quem vamos “ordenar” que governe Portugal.

Quero guardar a esperança de que Portugal possa vir a ganhar um Governo de Pessoas com Nobreza de Caracter que, olhando com redobrada atenção para o País e para si próprio, não se esqueça das pessoas e famílias cuja desatenção, justificando quase tudo – vejam-se os “internamentos sociais” que preenchem o SNS -, favorece muito males em que a corrupção já tem chamadas de atenção internacional.

Termino, dizendo que a simplicidade é a forma mais difícil de dizer as coisas, mas espero que a complexa delicadeza da presente situação imponha aos Líderes partidários que se propõem governar Portugal, um esforço, por pouco que seja, quand même! se forem capazes, de serem honestos, límpidos e sérios para dizer a verdade aos portugueses.

Temo se assim não acontecer, porque então o diabo terá razão quando me disse não restar muito para que deixe de haver uma Nação chamada Portugal!