A propósito da polémica que se instalou no seguimento do “silêncio” do primeiro-ministro na última sessão do Conselho de Estado, recordei o princípio de que “é em silêncio que se têm as conversas mais importantes”.

O Conselho de Estado é um órgão de consulta do Presidente da República que integra personalidades de reconhecido mérito académico, profissional, político e pessoal, que os tornam merecedores do respeito dos portugueses e, também naturalmente, do primeiro-ministro. Se em qualquer órgão consultivo é impensável um dos conselheiros não se manifestar sobre o tema em análise, como não valorizar a situação quando em causa estão o Presidente da República, o Conselho de Estado e o Primeiro-Ministro?

As análises e comentários são unânimes na crítica, direi que severa, a esse incompreensível silêncio.

Uma minudência fez o Presidente da República manifestar-se “estupefacto” e “melindrado”, quando outros equacionaram o facto como de uma inusitada desconsideração, se não mesmo de arrogante desrespeito, institucional pelo Órgão de Consulta do Presidente da República.

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O tema foi motivo de natural polémica, mas, pelo valor que atribuo às “conversas em silêncio” e por António Costa dizer que o respeito pelas instituições é “uma das suas maiores preocupações”, comecei por admitir que a sua atitude pudesse ter sido uma expressão de profundo respeito.

Porquê?

Porque a substantiva condição dos seus pares no CE impediria a habitual argúcia retórica com que o PM apresenta, no Parlamento e no País, o Estado Ideal em que se julga mover, e sabe que seria confrontado com dados oficiais que o obrigariam a descer à realidade do País concreto, ou, num benevolente benefício de dúvida, com a enorme surpresa de se ver perante uma verdade que honestamente desconhece!

António Costa sabe que a condição intrínseca dos restantes Conselheiros assenta no cuidado forjado pela superior condição de ouvir, com outros olhos para a aquisição de competências, ética, moral e profissional que, enquanto marcadores da integridade individual, só são inúteis quando a mente é cega.

Perante a realidade, António Costa seria obrigado a reconhecer que a sua governação, rica em “casinhos” geridos por “pessoinhas” do seu (des)governo, o remeteria para a (in)significância dos sapatos que calça para administrar politicamente o País.

Impõe-me o pragmatismo que, face à atitude com que o primeiro-ministro tem procurado justificar a opção por se ter calado, reverta a ilação que, além do mais, traduziria uma humilde confissão, em rebate de consciência, sobre a forma como conta aos portugueses as suas histórias da carochinha. E, consciência é coisa que António Costa já nos habituou a não saber o que é.

É-me, pois, fácil perceber que aquele silêncio não foi mais que uma mera estratégia de defesa; evitou a humilhação de ser obrigado a descer à realidade e, com o suporte da excelente máquina propagandística do PS, sabia que a sua atitude no CE teria pouca repercussão e rapidamente desapareceria da comunicação social.

É curioso como esta “pouca repercussão” me fez recordar um assombroso “poucochinho” que encontro como denominador comum no passado de António Costa, bem revelador do seu comportamento político destes 8 anos.

Vejamos!

Em 2014 utilizou a “vitória poucochinha” do seu antecessor Secretário-Geral para o abalroar no Partido Socialista e, enquanto candidato às primárias do PS, a dizer que “em política a diferença faz muita diferença, e quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho”, fim de citação.

E, um ano mais tarde, aproveitando-se de uma vitória “poucochinha” de um adversário, vêmo-lo a, “de poucochinho em poucochinho”, sem hesitar romper ética política, a recorrer a uma manobra constitucional para se alcandorar ao Poder que se tornou absoluto nos últimos dois anos.

Esta persistência, ao mostrar alguém tão empenhado em recuperar o que tanto recriminava, parecia pressagiar algo de bom para o País.

Contudo, a condição de bom aluno permitiu-lhe aprender bem que “do conselho dado aos príncipes, ressalta que devem reunir ao mesmo tempo as qualidades do leão e da raposa, isto é, a força e a astúcia, se quiserem ter sucesso na condução dos negócios do Estado” e presto-lhe homenagem por, mais que os ensinamentos de Maquiavel, ter entendido na perfeição a metáfora “da Mentira e da Verdade” a que recorre diariamente.

O egocêntrico narcisismo, com que, requintadamente, enriquece a prática destas aprendizagens, enquanto o impede ver a crueza da verdade, favorece as fantasiosas realidades como descreve o País para convencer os que, acriticamente, “ouvem e acreditam, só porque sim”.

É, também, pelo poucochinho cuidado que dedica a todos os dossiers que, pela penetrância com que invadem a individualidade de cada cidadão, têm maior eco nos domínios sociais e se tornam mais evidentes na Saúde, Educação, Justiça e Habitação, não por acaso “as mais cantadas no PREC”.

Na verdade, só o diletantismo permite que se mantenha “no seu galho”, alienado da realidade e sem se inibir de afirmar que Portugal está óptimo, a levar longe as “caravelas”, a crescer e a aproximar-se dos melhores da EU, com a “economia, trabalho, emprego e Segurança Social a estar em máximos”, como António Costa disse em recente CNN Town Hall.

Esquece que a OCDE mostra que, no PIB per capita, estamos a ser ultrapassados pela Roménia!

Como?

A mesma Roménia de Nicolae Ceaușescu onde, em 1989, a comida era racionada a um quilo de açúcar e um quilo de farinha por mês e meio pão por dia? [academia.edu]

Concordemos que não há melhor forma de ilustrar a excelência do trabalho do “fazedor” António Costa, dispondo de poder absoluto nos últimos dois, do seu consulado de 8 anos.

Mas…

Com a mesma linearidade com que não se incomoda de ouvir recados internos a dizer que “o Partido se sente envergonhado por comportamentos desviantes, irregulares ou até de alçada criminal e atitudes impróprias no âmbito governamental” e, muito recentemente, que o “PS não é dono do país, nem maioria absoluta significa poder absoluto” consegue, numa atitude genialmente houdiniana, afirmar, repito, que “nunca o País esteve tão bem”.

E quando no referido programa alguém do terreno lhe diz “nada disso está a funcionar”, o primeiro-ministro responde, no mínimo de modo insolente, que “está bem…, mas vai funcionando…!”.

Penso que a melhor maneira de perceber a evolução do País durante os 8 anos em que é primeiro-ministro seria, numa versão desportiva tão a seu gosto, o relato de uma prova de atletismo. Seria então dito que: Portugal, com o Governo na linha de partida, está muito bem equipado; os atletas representam a geração portuguesa mais preparada de sempre; ouve-se o tiro de partida; começámos bem e continuamos na frente do pelotão; os atletas fizeram a primeira curva e o país começa a atrasar-se; nada de importante até porque são muito os aplausos e incitamentos nas bancadas; é preciso manter a esperança de que somos capazes de fazer muito melhor; vamos entrar na última curva; é claro o esgotamento da equipa e Portugal vem na 17ª posição; na recta final estamos a ser ultrapassado por muitos; terminámos muito bem, com uma brilhante prestação que nos permite cortar a meta num honrosíssimo 22º lugar.

Perdão! O photo finish acaba de mostrar que fomos ultrapassados pela Roménia e estamos em 23º lugar!

Podia ser melhor? Claro que podia porque, confiando nos dados oficiais da OCDE, é pertinente a admissão de que na próxima volta, ao termos sido ultrapassados pelos 5 que faltam do pelotão dos 27 da EU, voltaremos a estar orgulhosamente sós!

A crise social, económica, financeira e moral em que António Costa mergulhou o país, e que os portugueses não merecem, é tão grave que só uma força telúrica, com soluções estratégicas, concretas e objectivas, apresentadas de modo claro e simples para que as pessoas percebam e possam confiar, nos permitirá sair dela.

Senhor primeiro-ministro, aceite o meu reparo à pergunta que lhe deixei em texto anterior porque, na verdade, o Senhor “é um fazedor” que consegue, à semelhança da maior cobrança de impostos se sempre, delapidar o País a pontos que vão muito além da Taprobana!

A verdade do momento, em que a ultrapassagem da Roménia de Ceaușescu concorda com as lastimáveis condições de vida das pessoas e o tumultuoso caos dos Serviço Públicos, é bem ilustrativa da brilhante prestação do primeiro-ministro “fazedor” com que se qualifica António Costa.

Convenhamos que, de facto, … É OBRA!