A 5 Julho de 2011, um mês depois das eleições legislativas que deram a vitória ao PSD, e já com a troika no país, a Moody’s colocou a dívida portuguesa no popularmente conhecido como “lixo” ou, tecnicamente, classificou as aplicações em dívida portuguesa como “especulativas” e, logo, com risco de não pagamento. A decisão gerou uma revolta no país, com manifestações, ataques ao site da agência e o envio de lixo, literalmente, para as moradas da Moody’s, como por exemplo em Paris. Além disso, a Faianças Bordalo Pinheiro lançou um Zé Povinho especial, a fazer o “manguito” à Moody’s e convidando quem o comprasse a enviá-lo com uma nota escrita.

Mais de doze anos depois, a mesma Moody´s surpreende o país ao elevar a classificação de crédito do país em dois degraus para A3, entrando no vantajoso grupo dos países classificados com A, em plena crise política. É a segunda agência a fazê-lo. Em Setembro a Fitch tinha feito o mesmo, só faltando agora, do grupo das três grandes, a Standard & Poor’s. Quando isso acontecer, o que pode acontecer em breve, Portugal pode integrar o FTSE World Government Bond Index (WGBI) onde estão os títulos de dívida dos países com melhor classificação do seu crédito, sinónimo de aplicações muito seguras. (Pode ler-se aqui a explicação detalhada da autoria de Sérgio Aníbal).

A principal consequência desta decisão está nas taxas de juro. Visto como tendo boa capacidade de respeitar os seus compromissos financeiros, Portugal terá acesso a crédito a taxas de juro mais baixas, o que beneficia especialmente o Estado, mas também as empresas e até a banca e as famílias. Numa altura de aperto das condições monetárias, ou seja, de taxas de juro elevadas ditadas pelo BCE, obviamente que é uma excelente notícia para a economia portuguesa.

São três as principais razões apontadas pela Moody’s para tomar esta decisão no meio de uma crise política. A primeira é, obviamente, a redução da dívida acompanhada pela perspetiva de um crescimento classificado como “robusto”, resultado de “reformas económicas e no mercado de trabalho que aumentaram a competitividade e o emprego”. Temos obviamente dificuldades em identificar a que reformas se refere a agência de notação que não sejam as que foram realizadas no tempo da troika e que, apesar da retórica política, se mantiveram no seu essencial.

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Já na frente das contas públicas, o crédito pertence ao governo de António Costa que manteve a política de redução do défice público que tem permitido diminuir a dívida. O problema dessa política está no caminho que escolheu para controlar as contas públicas, uma via que hoje pagamos com a degradação dos serviços públicos. Mas essa, obviamente, não é uma matéria que preocupe quem avalia a nossa capacidade de pagar a dívida.

Um segundo elemento que explica a decisão é o investimento, público e privado, que se espera aconteça com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a par das reformas estruturais, determinantes para que se libertem as sucessivas tranches do financiamento. Nesta dinâmica do investimento incluem o investimento directo estrangeiro, sem que se refiram aos potenciais efeitos negativos que esta crise política, com origem na justiça e em projetos de investimentos estrangeiros, pode ter. Finalmente um terceiro factor que suporta a decisão está relacionado com a imigração, que se traduz em menores riscos dos efeitos negativos do envelhecimento que outros países enfrentam.

É na perspetiva estável – que indica baixa probabilidade de a classificação voltar a subir no curto prazo – que a Moody’s relaciona com a crise política. Podemos, embora especulativamente, admitir que se não fosse a crise política poderíamos esperar que saltasse logo para a perspetiva positiva. Até agora, dizem os analistas, as instituições do país estão a lidar com a situação de forma “efetiva e transparente”.

Os riscos que identifica estão em potenciais atrasos na concretização dos investimentos e alguma perda na disciplina orçamental, embora mitigue este último problema, salientando que a trajetória orçamental para 24 está assegurada pela aprovação do Orçamento, que o Presidente viabilizou, e também pelo facto de a disciplina orçamental merecer hoje uma aprovação dos principais partidos políticos do regime. Daí que veja como limitados os riscos de indisciplina financeira que ponham em causa a trajetória de desalavancagem da economia.

Olhando para esta avaliação, e vivendo nós em Portugal, percebemos bem porque é que as agências de rating têm sido incapazes de antecipar problemas. Sem dúvida que a situação financeira portuguesa está manifestamente melhor, seja para que lado olhemos: Estado, empresas, famílias e banca, todos estão menos endividados. E a actual dimensão da dívida – tal como a sua trajetória de descida – é mais compatível com o crescimento do PIB que registamos e que se perspetiva que venhamos a ter. Como tal, do ponto de vista financeiro, estamos mais sustentáveis, sem sombra para dúvidas.

O nosso problema está na fragilidade da economia. Aquilo que nos tem permitido fazer este caminho de maior solidez financeira apoia-se basicamente no sector do turismo que pode desaparecer num ápice, assim Portugal deixe de estar na moda. E a crise política foi desencadeada pela incapacidade de colocar no terreno projetos que são fundamentais para aquela que se pensa que será a economia do futuro, baseada na electricidade de fontes renováveis e no digital. Claro que o aumento das exportações, que não apenas dos serviços, revelam uma economia empresarial que se fez ao mundo. Mas se o país não lhe conseguir dar as condições de competitividade da energia renovável e da simplificação administrativa, o futuro pode não ser brilhante.

Esta decisão da Moody’s, tal como em Setembro da Fitch e a breve prazo e com elevada probabilidade da Standard & Poor’s, mostra-nos bem que o papel destas agências se limita a avaliar a capacidade que temos (ou não temos) de pagar o que devemos num horizonte mais ou menos curto. Não dar importância a mais nenhuma informação é que explica como erraram tão dramaticamente no passado, com custos muito elevados para países e empresas. Nós somos o exemplo disso. Passámos de bestiais a bestas em muito pouco tempo, nos idos de 2010/2011.

É irónico que quando o país vê a educação e a saúde pública a não funcionarem, a justiça com atrasos e problemas que colocam em causa o Estado de Direito, os serviços públicos em muitos sítios incapazes de responder aos cidadãos, nos venham dizer que estamos muito melhores pagadores da nossa dívida. Para não falar da incerteza e da tensão associada à crise política

É muito bom ter estes ‘ratings’, ajuda-nos muito a ter juros mais baixos nas nossas dívidas, em tempos de juros altos. Mas não nos iludamos. Financeiramente bem classificados, temos desafios pela frente que transportam o risco não desprezível de voltarmos a ser desclassificados.