A história recente do pastel de nata não é só a história da expansão e internacionalização de uma iguaria doce. É também a história da pequenez de espírito que os portugueses fazem, regra geral, o favor de ter. E o pavor à mudança e às novas ideias. E a pessoas que dizem coisas. Não há como os portugueses para se ofenderem porque alguém tem a ousadia de desalinhar um bocadinho. Há achaques de nervos em cadeia. Gostamos de carneiros, que repitam o que um qualquer guru determina (sejam dos gurus de mérito seja da estirpe das redes sociais, onde o cargo de guru está acessível às mais hilariantes personagens que, quanto mais vaga a sua relação com o português escrito, mais sucesso popular têm garantido).
Qualquer pessoa que viaje pelo Reino Unido às tantas encontra lojas de pasteis de nata. Por todo o lado. Nas estações de metro, nos bairros posh de Londres. Não é recente, há vários anos que se nota. Os supermercados Lidl declaram vender tantos pasteis de nata quantos donuts (blhec), e a surpresa é existirem pessoas que perante a oferta de pasteis de nata escolhem comprar a mistela americana. Escrevem-se artigos contando a ascensão do pastel de nata. A Bloomberg salienta o marketing moderno por trás do tradicional doce, mas a verdade é que muita da expansão sucede em cafés ou pastelarias de emigrantes portugueses, ou de filhos de emigrantes, pequenos negócios de pessoas que simplesmente oferecem boa comida aos seus clientes. (A história do pastel de nata também é a história dos benefícios da circulação de pessoas pelo mundo.)
Aparentemente no nosso conservador retângulo este estado de coisas gera escândalo. Em 2012, Álvaro Santos Pereira comentou em entrevista que era estranho não haver internacionalização do pastel de nata. Portugal enlouqueceu – e gozou com o ministro. Muito (gozo e loucura). Todas as almas bem-pensantes declararam que evidentemente o pastel de nata era impossível de internacionalizar. O nosso sempre inteligente Presidente de República, à época comentador televisivo, opinava com escárnio (na verdade com aquele ar de comiseração semelhante ao que eu reservo para os adeptos da socialização dos meios de produção e para os grunhos da alt right, que diz mais ou menos ‘onde é que a criatura perdeu o cérebro?’) que o problema de exportar o pastel de nata era este ter de ser comido quente.
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